domingo, 12 de setembro de 2010

SORÔCO, SEGUNDO O NUAS - 30/11/2006

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA

NÚCLEO DE ANTROPOLOGIA DA SAÚDE (NUAS)

GRUPO DE ESTUDO - SAÚDE MENTAL E CINEMA

TERCEIRO ENCONTRO – 30/11/2006

"A filha – a moça – tinha pegado a cantar, levantando os braços, a cantiga não vigorava certa, nem no tom nem no se-dizer das palavras – o nenhum. A moça punha os olhos no alto, que nem os santos e os espantados, vinha enfeitada de disparates, num aspecto de admiração. Assim com panos e papeis, de diversas cores, uma carapuça em cima dos espalhados cabelos, e enfunada em tantas roupas ainda de mais misturas, tiras e faixas, dependuradas – virundangas: matéria de maluco. A velha só estava de preto, com um fichu preto, ela batia com a cabeça, nos docementes. Sem tanto que diferentes, elas se assemelhavam".

(Guimarães Rosa – “Sorôco”)



Neste Encontro - o último de 2006 - não pudemos assistir o filme “O Enigma das Cartas” pelo fato de não o termos encontrado nas locadoras de vídeo em Feira de Santana e Salvador. Assim, discutimos – aliás, uma discussão bastante rica e proveitosa – o conto “Sorôco, sua mãe, sua filha” de Guimarães Rosa.
Começamos a discutir os possíveis significados do nome Sorôco:

- Sou louco? Sou ôco? Só e louco? Sou rouco? ...

A seguir, os possíveis significados da história (estória – “Primeiras Estórias”?) veiculada pelo próprio conto.

- Com quem todos se solidarizam no ato do canto coletivo - coral, “acorcôo”, “chirimia” (?) – que emoldura e dá significado ao fato de estarem levando Sorôco “para a casa dele de verdade”: “A gente, com ele, ia até onde ia aquela cantiga” (“a moça – tinha pegado a cantar, levantando os braços, a cantiga não vigorava certa, nem no tom nem no se-dizer das palavras”). De que tratava a cantiga se ela “não vigorava certa”?. O coral, uma ‘procissão’ em torno do ‘santo’ Sorôco até a sua casa “de verdade” seria a coletivização da loucura, a contaminação pela loucura?

- O vagão levaria as loucas, para bem longe dali ... ou teria deixado os loucos, ali, sob a liderança de Sorôco? Quem estaria acometido de loucura? Sorôco (com seu tão sugestivo nome) ou sua mãe s e sua filha?. Ou, ainda, todos os moradores – exceto a mãe e a filha de Sorôco que, nesta hipótese, estariam partindo do sanatório, deixando os loucos para trás?

- A “verdadeira casa” era, sem dúvida, a casa de Sorôco. Mas que casa seria aquela? Uma casa residencial comum e igual a qualquer outra? Ou seria uma casa manicomial? “A gente, com ele, ia até onde ia aquela cantiga”. Na hipótese de casa manicomial, ela não seria apenas a casa de Sorôco ... mas de todos quantos o acompanharam seguindo aquela cantiga (?)

Lembramos a letra “Vai Passar”, de Francis Hime e Chico Buarque:


VAI PASSAR

Vai passar
Nessa avenida um samba
popular
Cada paralelepípedo
Da velha cidade
Essa noite vai
Se arrepiar
Ao lembrar
Que aqui passaram
sambas imortais
Que aqui sangraram pelos
nossos pés
Que aqui sambaram
nossos ancestrais

Num tempo
Página infeliz da nossa
história
Passagem desbotada na
memória
Das nossas novas
gerações
Dormia
A nossa pátria mãe tão
distraída
Sem perceber que era
subtraída
Em tenebrosas
transações

Seus filhos
Erravam cegos pelo
continente
Levavam pedras feito
penitentes
Erguendo estranhas
catedrais
E um dia, afinal
Tinham direito a uma
alegria fugaz
Uma ofegante epidemia
Que se chamava carnaval
O carnaval, o carnaval
(Vai passar)

Palmas pra ala dos
barões famintos
O bloco dos napoleões
retintos
E os pigmeus do bulevar
Meu Deus, vem olhar
Vem ver de perto uma
cidade a cantar
A evolução da liberdade
Até o dia clarear

Ai, que vida boa, olerê
Ai, que vida boa, olará
O estandarte do sanatório
geral vai passar
Ai, que vida boa, olerê
Ai, que vida boa, olará
O estandarte do sanatório
geral
Vai passar


Destacamos os dois versos finais de “Vai Passar” porque neles encontramos alguma identidade com o séqüito (de “Napoleões retintos”) que acompanha Sorôco até sua casa “de verdade”, (na “ofegante epidemia” de loucura chamada Carnaval), todos ostentando “o estandarte do sanatório geral”.

“Napoleões retintos”: na loucura do carnaval, na folia momesca (loucura em francês é folie) quem teria coragem de dizer que aqueles barões famintos, que aqueles napoleões retintos não são barões de tão pobres (afinal, barões eram geralmente muito ricos!) nem nenhum napoleão de tão negros que são (Napoleão Bonaparte era branco!)?

A loucura se abriga na certeza absoluta – sem a menor sombra de dúvida. Só um louco – um doido de pedra! - questionaria a certeza de que esses pobretões têm de que são barões e que cada um desses negros-retintos é Napoleão.

Como seria a fisionomia de Sorôco? Pusemo-nos a imaginar e aí lembramos de rostos famosos como o de Artaud, Bispo do Rosário ... até que abrimos um volume da coleção Gênios da Pintura, especificamente em Bosch e nos personagens que ele pintou encontramos os possíveis rostos de Sorôco.

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