domingo, 19 de setembro de 2010

LISBOA DISCUTIU SEU 22 DE SETEMBRO DE 2000

LISBOA DISCUTIU SEU 22 DE SETEMBRO DE 2000 (1)


Dia Sem Carros nas Cidades: Balanço e Perspectivas
2000/10/18

A Mesa-redonda teve lugar no dia 18 de Outubro, entre as 10.00 e as 13.00 horas, no ISCTE, em Lisboa.


Tabela de conteúdo:

1 Resumo
2 Doze pontos para um balanço
3 Participantes
3.1 Participantes da ACA-M
3.2 Memorando enviado a, entre outros

Resumo

Esta Mesa-redonda constituiu um primeiro balanço problematizador da iniciativa promovida pelo Ministério do Ambiente no dia 22 de Setembro de 2000 e propôs ser uma reflexão séria sobre a importância da participação cívica "auto-mobilizada" na tomada de decisões política sobre o futuro das cidades portuguesas, tanto ao nível local como regional e nacional.
Tornou-se claro ser urgente uma articulação entre ordenamento do território, dos transportes, do estacionamento, da política fiscal e do financiamento cruzado. Por outro lado, a valorização e reaproveitamento do património edificado nos centros urbanos é a via para uma mais que necessária densificação das cidades.
Os participantes convidados (ver lista abaixo) apresentaram informação concreta e objectiva sobre o impacto económico, ambiental, cultural, etc., daquela iniciativa, numa perspectiva pluridisciplinar.



Doze pontos para um balanço


1. Foi promovida uma discussão sobre o panorama urbano em Portugal, que sublinhou haver um deficiente e não integrado ordenamento territorial e do sector de transportes, marcado por políticas tendentes a sobrevalorizar a mobilidade em detrimento da acessibilidade, e a expansão territorial urbana em detrimento do conceito de "cidade densa".
A discussão centrou-se sobretudo em torno da área metropolitana de Lisboa, pelo facto de aí os problemas de urbanismo, transportes e ambiente serem mais intensos que em qualquer outra cidade do país.

2. É relativamente consensual que o Dia Sem Carros nas Cidades foi uma declaração explícita de esperança, que teve a participação activa de algumas camadas da população, bem como dos sectores dos transportes colectivos.
Para uma devida análise antropológica e sociológica do fenómeno do Dia Sem Carros será de reter a existência de formas de resistência passiva a uma iniciativa governamental, autárquica e europeia, bem como uma evidente falta de preparação da classe política portuguesa para discutir questões de ordenamento territorial e de transportes, bem como de ecologia humana.

3. No dia 22 de Setembro, os operadores de transportes públicos na área da Grande Lisboa aumentaram a oferta de serviçoe monitorizaram os movimentos, por comparação com o dia 20 de Setembro. Na zona do perímetro interdito à circulação de automóveis privados, o aumento foi de mais 15% de oferta. Os parques dissuasores não foram utilizados, excepto junto às estações da Fertagus - é importante tentar perceber esta diferença. Em termos de segurança, e apesar do frequente excesso de velocidade de táxis e autocarros, houve 0% de acidentes. Em termos de segurança rodoviária, pode ser afirmado que o dia 22 de Setembro foi um êxito.

As empresas de transporte público, sofrendo de má imagem congénita entre os não-frequentadores, apostaram em ser julgadas pela sua participação nesse dia, menos em termos globais, já que esse era um dia de atracção do utilizador pontual. É por isso de grande importância sociológica e psicológica a fuga de parte da população a um esperado caos nos transportes (não verificado). Por outro lado, se os transportadores cumpriram o plano de oferta, e o sistema mostrou fiabilidade, não é menos verdade que não foram plenamente testados, dada a fraca participação cívica.

4. Foi, no dia 22 de Setembro, clara a falta de "auto-mobilização dos cidadãos da grande Lisboa" (i.e., falta de participação cívica). Parte substancial da população suburbana não repeliu a iniciativa, fugiu a ela. Também a preparação, a divulgação, e o debate - tanto prévio como posterior - foram atabalhoados e redutores (não se negando, antes valorizando o voluntarismo das entidades envolvidas).

Não houve apresentação, em tempo útil, de informação detalhada e multi-sectorial sobre o funcionamento do dia 22 de Setembro, o que contribuiu grandemente para discussões vazias de sentido, já que não houve lugar a formular opiniões plenamente informadas (ao contrário do que aconteceu em França, Itália e em Espanha). Houve excesso de marketing político e falta de seriedade na avaliação do problema de fundo, que não é apenas nem sobretudo de ordem ambiental - nessa medida, haverá que refrear os ímpetos dos fundamentalismos ecologistas.

Tal não será aliás possível enquanto os processos de financiamento autárquico estiverem centrados nas colectas provenientes dos licenciamentos de novas construções imobiliárias, os quais são os principais responsáveis de uma expansão territorial desmesurada e indiscriminada das áreas metropolitanas, devidas a uma perversa estrutura fundiária e de capital imobiliário.

É importante também lembrar que a necessidade de transporte, colectivo e individual, é um dado e não uma opção - existe e não vai desaparecer em virtude de sonhos utopistas. A necessidade de mobilidade é um factor essencial de condicionamento económico, social, ecológico, etc. da vida actual.

5. A população da área metropolitana de Lisboa é fortemente dependente do automóvel privado. Por isso, ainda que o Dia sem Carros tivesse possibilitado momentaneamente a fruição de uma cidade em funcionamento e com alguma qualidade de vida, a iniciativa não deverá ser considerada um êxito, já que a sua preparação foi tíbia - sem uma reflexão séria e participada sobre o pano de fundo urbanístico, sociológico, económico e territorial em que a iniciativa se inscreveu, e que é o de uma vida urbana desqualificada e desordenada.

6. Os transportes públicos não se adaptaram ainda a uma nova realidade de ordenamento territorial. Actualmente, surgem indícios de um policentrismo urbano algo incipiente, que pode ser a base para uma sustentabilidade futura das grandes cidades: surgem centros de comércio e serviços alternativos nas linhas de Sintra e de Cascais (o que é confirmado pelos movimentos bidireccionais da CP, entre Lisboa e aqueles centros). O desinvestimento estatal infra-estrutural e funcional nos transportes públicos (por exemplo, ausência de investimento em interfaces racionalizados), assim como a expansão de áreas suburbanas de densidades populacionais baixas e a contínua valorização do automóvel privado e das redes viárias que potenciam o seu uso excessivo causam uma dependência sociológica e psicológica do automóvel que tem efeitos desvastadores em termos urbanísticos - foi aliás nessas zonas de densidades baixas que mais se sentiu a incapacidade de captação das populações para o uso de transportes colectivos, no dia 22 de Setembro.

Em termos genéricos, e ao contrário do que se passava até há alguns anos, é importante lembrar que a área metropolitana de Lisboa tem hoje dimensão suficiente para tornar sustentável uma rede densa e eficaz de transportes públicos colectivos capaz de fazer regredir a dependência generalizada do automóvel privado.

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