(Folha de São Paulo. São Paulo, 15 de maio de 2010, p. A3, Tendências/Debate)
O MINHOCÃO DEVE SER DEMOLIDO? (SIM)
SIM
Elevado é câncer urbano a ser extirpado
LÚCIO GOMES MACHADO
O MINHOCÃO deve ser demolido, fundamentalmente, porque nunca deveria ter sido construído.
De fato, São Paulo aderiu a uma voga de soluções de vias expressas em área urbanas quando já era internacionalmente objeto de críticas.
E, pior, as cidades que as haviam adotado contavam com um padrão de urbanização pautado em vias largas, ao passo que São Paulo é herdeira da tradição lusitana, de vias estreitas.
Eram modelos incompatíveis, e isso tornou-se evidente com a desastrosa interferência do elevado nos espaços em seu entorno. De nada adianta a proposta de maquiagens diversas -pinturas ou jardins. Trata-se de um câncer urbano a ser extirpado.
A solução adotada pela administração Maluf nada mais era do que a continuidade de série de equivocadas intervenções na nossa cidade, adotadas ao longo de todo o século 20.
São Paulo é tratada como um perpétuo acampamento provisório, para o qual são sistematicamente improvisadas soluções. Não se pensa nas consequências nem na sua escala, sem par no mundo: há 50 anos, a cidade tinha cerca de um décimo da população atual e nem se cogitava a formação de uma região metropolitana que hoje dobra seu tamanho disforme.
Exemplos dessa falta de perspectiva não faltam: a retificação dos rios Tietê e Pinheiros, sem reservar para a cidade as antigas áreas de várzea, a implantação das avenidas marginais aos rios ou das vias em fundos de vales com canalização dos córregos, desprezando seu potencial paisagístico e de suporte para outras atividades, além de cloacas regionais.
Há também o tamponamento do rio Tamanduateí, ou o irresponsável desmantelamento da rede de bondes, da qual algumas linhas seriam o que hoje se denomina pomposamente "sistema de veículo leve sobre trilhos", para dar lugar ao imprestável sistema de transporte por ônibus que hoje nos assola.
É bom lembrar também do "Fura-Fila" iniciado na gestão Pitta, hoje mascarado de expresso "não sei o que", caríssima relação de investimento por passageiro transportado, também correndo sobre um elevado, ainda mais prejudicial que seu irmão mais velho, mas que, por estar afastado da região mais rica da cidade, não é lembrado como outra horrível chaga.
A gestão Marta não teve coragem de interromper a obra, embora já fosse evidente o absurdo de sua proposta, além de concorrer com linha de metrô projetada na sua proximidade. Não havia solução técnica (como ainda não há) para os veículos então previstos, tendo sido investido várias vezes o orçamento inicial, proporcionando a degradação, como era fácil prever, das áreas por onde passa.
Aproveitando a proposta agora lançada pela prefeitura, por que não promover sua demolição, já! Será mais barato do que fazê-lo daqui a alguns anos. As vigas pré-moldadas dos dois minhocões podem ser reutilizadas em pontes e pontilhões, uso mais benéfico para a sociedade.
O Minhocão é, portanto, eminente símbolo das soluções imediatistas, adotadas emergencialmente em razão da falta de um efetivo sistema de planejamento, democraticamente conduzido. Mas, para isso, é preciso que a Câmara dos Vereadores assuma seu papel. Alguém se lembra de quando foi feita, em plenário, a última discussão sobre o futuro de São Paulo?
A proposta de demolição do Minhocão, anunciada pela prefeitura, é também iniciativa improvisada, não planejada. Não basta anunciar que será urbanizada a área ocupada por linhas de trem, a serem colocadas em túneis e para a qual seriam desviados veículos que circulam de leste a oeste.
É necessário prosseguir com os estudos previstos no Plano Diretor em vigor, com o necessário aprofundamento das propostas nele contidas e que devem abranger, além dos aspectos meramente econômicos, a estrutura espacial que deseja, a paisagem urbana que a população merece e a contribuição dessas intervenções para o desenvolvimento não só do centro mas de toda a cidade.
Da maneira proposta, essa intervenção nada mais será do que a abertura de frente para o investimento imobiliário, cujas lideranças não têm demonstrado capacidade de pensar em escala maior do que a de alguns quarteirões. O Executivo e o Legislativo devem assumir seus papéis na direção do desenvolvimento da cidade.
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LÚCIO GOMES MACHADO ,64, arquiteto, é professor da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP) e diretor da GMAA (Gomes Machado Arquitetos Associados).
segunda-feira, 17 de maio de 2010
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