ADORANDO ADONIRAN (3)
Abrimos esta série de postagens com a letra de “Sampa”, de Caetano Veloso. E vamos fechar esta série com os respectivos comentários.
Por ora, vamos a Adoniran Barbosa.
Ao longo de sua vida, Adoniran Barbosa por diversas vezes foi indagado, por várias pessoas, porque ele escrevia palavras por assim dizer “erradas” (à luz da norma gramatical culta) como “Arnesto” no lugar de Ernesto, “encontremos”, “tauba”, álvaro” e “reiva” em vez de alvo, de raiva. Asoniran sempre respondia: ‘eu coloco nas minhas letras as palavras que eu ouço nas ruas, palavras faladas pelo povo de São Paulo”.
Pessoalmente, além de Adoniran não conheço outro compositor que tenha retratado São Paulo: seus bairros, ruas, avenidas e praças e, especialmente, seu povo com tanta fidelidade linguística,/antropológica/ sociológica. Adoniram fala de uma São Paulo que eu gosto de ver e de sentir saudade. E de lembrar e de chorar de emoção ao subir (saída) e ao descer (chegada) a escada do avião … sempre e toda as vezes.
Reconheço a beleza de cartões postais como Avenida Faria Lima, viadutos do Chá e de Santa Ifigênia, Rua Direita, Vale do Anhangabaú, Avenida Paulista, Parque do Ibirapuera, Parque Ypiranga, Sé (praça e catedral) … e quem não há-de? Porém dedico mais meu tempo e meus sentidos a observar e vivenciar a diversificada “floresta sociológica” de tipos físicos, modos de vestir, modos e lucus de comer, de falar e de correr e na luta diária contra semáforos, automóveis, catracas de metrô e transeuntes mais lentos, e de superpovoar terminais como o Tietê e outros.
Desde criança ouço Trem das Onze. E então, deixavam-me invadir pela solidão e pela noturnidade que, para mim, essa letra exalava. Conhecí a obra e o talento de Adoniran antes de conhecer a obra das INVEJÁVEIS competênciaS administrativa e política de vários governos chamada cidade de São Paulo.
SAMBA DO ARNESTO exibe, em tons vivos, a solidariedade entre nordestinos que, em São Paulo, vão buscar vida, dinheiro e a dignidade que nunca tiveram em suas cidades de origem. E por tudo isso há um preço elevado a pagar. Elevado porém menor do que continuar servindo de “escravos eleitoreiros” de coronéis impunes de um Nordeste atrasado e pré-medieval, senhores autoritários que insistem em perpetuar privilégios seculares. O samba tem extrema importância como momento de lazer, de agregação e de afirmação da identidade entre conterrâneos. A letra atesta esse grau de importância ao mostrar a frustração, decepção e alguma revolta decorrentes de um samba com hora e lugar marcados … e que não aconteceu. Atesta, por outro lado, o analfabetismo dos migrantes de pouca instrução escolar mas de muita esperança de vencer na vida … e até mesmo chegar a ser eleito presidente da República.
Se, de um lado, Adoniran fala de amores (que deram certo ou que deram errado … tudo muito natural) saudosista, ele recorda – recordar é viver - … de uma São Paulo que (já) no seu tempo (primeira metade do século XX) não mais existe (ao menos como antes): bondes, engraxates, clima ameno e menos poluição, relógios públicos, encontros despreocupados e seguros de namorados em praças igualmente seguras … uma cidade e uma ambiência calma e cordial. E mais silenciosa.
“É o progresso/É o progresso/Mudou tudo/Mudou até o clima”
("Praça da Sé" - Adoniran Barbosa)
quarta-feira, 26 de maio de 2010
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