A CIDADE DE ORAN, COMENTÁRIO.
Vicente Deocleciano Moreira
“A própria cidade, vamos admiti-lo, é feia”
Camus inicia sua descrição de Oran com um juízo estético: "feia”. Porém sua tranquilidade faz a diferença em relação a outras cidades do mundo. De um lugar e de um olhar europeus, causa estranheza uma cidade que não tenha pombos ... que não mostre idosos alimentando voluntaria e alegremente esses pássaros ... que não seja, por exemplo, a Praça de São Marco em Veneza (Itália).
Sem pássaros, sem árvores e sem jardins, Oran é o próprio exemplo de uma cidade vitimada pelo descaso (ou pela ignorância?) ambiental que a transforma num ente surdo e mudo ante as mudanças de estações deixando apenas o céu por testemunho dessas transformações climáticas.
Ama-se, trabalha-se e morre-se tudo ao mesmo tempo e sob o domínio do tédio e do frenesi da acumulação de riquezas numa cidade calma, sem suspeitas e, ao mesmo tempo, moderna com dias agendados para o exercício do pão e para a ascese do circo.
Parodiando a letra “Quereres”, de Caetano Veloso, onde queremos, sonhamos e desejamos uma Oran romântica ela responde como uma cidade burguesa ... onde a queremos alegria e sofisticação leblonianas ela é sola uma pernambucana carranca-rio-sanfranciscana-zangada-ameaçadora-paranoica;
Bate-se às suas portas perguntando "quo vadis"(?) ao prazer o mais prosaico, e se é tragado pela cisterna-desativada-feirense-de-Feira de Santana-Bahia da dor bubônica.
Triste Oran - "oh quão dessemelhantes!" - de “tantos negócios e tantos negociantes” ... completaria o também baiano Gregório de Matos. Tudo é rotina e para tudo e em tudo há falta de tempo: para ficar doente, para morrer.
Se “tempo é dinheiro” – como advertem os ganhadores de dinheiro – na medida em que não se tem muito tempo para muitas coisas, também não há muito dinheiro; e sua raridade faz seus habitantes clamarem (o tempo todo) por ele.
Fria, calculista e além de surda e muda às mudanças de estações, Oran também é cega à beleza que tem, que é e que lhe serve de entorno ... ou seja, o mar, a baía; como se não bastasse, ela está fixada numa só posição: de costas para o mar. Também por estas limitações, ela é uma cidade feia. Tão feia que é escolhida pelo acaso para abrigar e fazer prosperar a fealdade da peste bubônica. Ratos os há em toda a parte, os ratos que morrem e matam, os ratos que enchem piscinas e acumulam riquezas sobre a fome e a pobreza daqueles que têm a estranha mania de ter fé na vida. E no futuro.
Oran é um espelho e um conselho às avessas que vêm desde a primeira metade do século XX para abrir os olhos, os ouvidos e os passos dessa conturbada (e prenhe de epidemias velhas, novas e renovadas) como está sabendo ser esta nossa primeira metade do século XXI.
sexta-feira, 21 de maio de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário