domingo, 30 de maio de 2010

“NÓIS VIEMOS AQUI PRÁ BEBER OU PRÁ CONVERSAR?”

CRÔNICA DOMINICAL DE 29 DE MAIO DE 2010


“Numa folha qualquer eu desenho um navio de partida
Com alguns bons amigos, bebendo de bem com a vida”


(“Aquarela” – Vinicius de Moraes)



“NÓIS VIEMOS AQUI PRÁ BEBER OU PRÁ CONVERSAR?”

Esta frase que, durante muito tempo, integrou a campanha publicitária de uma indústria de cerveja, foi inspirada na letra NÓS VIEMOS AQUI PRA QUÊ? de Adoniran Barbosa. A frase e a campanha – amplamente veiculadas na TV, Rádio e mídia impressa - marcaram a história da propaganda brasileira. Mas, brasileiros somos em geral desinformados e desmemoriados, pensávamos que a frase houvesse sido criada por alguma agência onde a referida indústria tivesse conta. Vamos cantá-la, pois:




Falado: "silêncio, charóp,
Afinal de contas finarmente,
Nóis viemos aqui pra beber ou pra conversar".
Não me amole rapaz
Não me amole
Não me amole
Deixa de conversa mole
Agora não é hora de falá
Nóis viemos aqui
Prá beber ou prá conversá?
Quem gosta de discurso
É orador (é isso aí bixo)
Quem gosta de conversa
É camelô (falou psiu)
Agora não é hora de falá! (o home tá pagando, vamo aproveitá)
Nóis viemos aqui
Prá beber ou prá conversá?
(o que eu combinei foi o seguinte: nóis viemos aqui pra beber e não conversar)



Apaixonado pela noite paulista, Adoniran fez, dentre outras que falavam de cerveja, SAMBA DO BIXIGA:



Um domingo nóis fumo
Num samba no Bexiga
Na rua Major,
Na casa do Nicola
A mezza notte o'clock,
Saiu uma baita de uma briga.
Era só pizza que avoava
Junto com as brajola.
Nóis era estranho no lugar
E não quisemo se meter.
Não fumo lá pra brigá,
Nós fumo lá pra comê.
Na hora H se enfiemo
Debaixo da mesa,
Fiquemo alí de beleza,
Vendo o Nicola brigá.
Dali a pouco
Escuitemo a patrulha chegá
E o sargento Oliveira falá:
"Não tem importânça,
Vou chamar duas ambulânça.
Carma pessoá,
A situação aqui tá muito cínica.
Os mais pior
Vai pras Crínica."



Sem ser nem precisar ser sociólogo (e, melhor ainda, talvez sem saber disto) Adoniram produziu sociologia do urbano sob forma de arte. A obra acima divulga o bairro do Bexiga – de forte influência italiana e, para meus juízos estéticos e hedonistas, um dos lugares mais aprazíveis da noite/madrugada paulista: restaurantes, cantinas italianas, cafés, casas de espetáculos, etc. etc. etc.

(Na sua próxima ida a São Paulo não deixe de visitar e viver o Bixiga.)

Em SAMBA DO BIXIGA Adoniran faz, sem pose de intelectual de galocha – embora fosse ele um intelectual gramsciano – um retrato da relação(às vezes letal) entre bebida alcoólica/bar/violência urbana. E sofistica ainda mais as tonalidades deste retrato ao ambientar, em um DOMINGO, a trilogia bebida alcoólica/bar/violência urbana num domingo. São mais que conhecidas e divulgadas pela mídia as estatísticas que exibem o crescimento da violência entre a madrugada e o entardecer dos domingos.

Por que e para que domingo parece ser o dia em que mais se bebe – de bem com a vida, talvez - bebidas alcoólicas?

Por que brigas em bares e barracas de praia, e aacidentes de trânsito (batidas, atropelos ...) tendem a acontecer aos domingos (da madrugada ao anoitecer) influenciados pelo uso de bebidas alcoólicas ao volante de veículos?

Por que sempre aos domingos?

Por que esse dia alcoólico não é, via de regra, o sábado?

Quando se bebe, há uma sensação de estar comemorando alguma coisa ... muitas vezes nem se sabe o quê. Comemorar significa memorar (lembrar) juntos, coletivamente, seja o que for.

Com bebida alcoólica ou não, quando alguém está comemorando alguma coisa, está lembrando desse evento merecedor de comemoração e, ao mesmo tempo, esquecendo outros ... já que é humanamente impossível lembrar de tudo a um só tempo ou a vários tempos.


Nessa linha de raciocínio ou de palpite, pergunta-se: quem tem interesse de beber aos sábados para esquecer que é domingo o dia seguinte?
- Responde-se: Ninguém.

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