ADORANDO ADONIRAN (5) – CEM ANOS DE ADONIRAN BARBOSA
Em TOCAR NA BANDA (gravado depois de Adoniram e dos “Demônios da Garoa” por Martinho da Vila e sua maestria de sempre) Adoniran foge um pouco da dramaticidade e da ortodoxia de outras obras.
Em TOCAR NA BANDA, Adoniran parece aconselhar: “pernas pro ar que ninguém é de ferro”. Isto porque uma sutil ironia abre janelas de irresponsabilidade e faz a apologia do bom vivant. São janelas de um grande salão que costuma abrigar a penumbra, a solaridade e, a um só tempo, a escuridão (!) que marcava a vida do homem adoniraniano tradicional e mais conhecido pelo grande público: responsável, pacífico, trabalhador-herói, às vezes conformado/;resignado diante da força bruta, apaixonado e otimista do tipo “só dói quando eu rio” , daquele indivíduo que diz esta frase com o pescoço atravessado por uma faca.
Tocar na banda
Pra ganhar o quê
Duas mariolas
E um cigarro iolanda
Este refrão tornou-se mais importante que o restante da letra TOCAR NA BANDA. Transformou-se num HIT como falamos hoje. A ponto de, na época em que ‘estourou’ nos rádios, ter se tornado uma expressão corriqueira, em praças, bares e ruas, para traduzir alguma coisa, alguma tarefa, que não merecia tanto esforço diante da ínfima remuneração, do parco dinheiro, que se ganharia para desempenhá-la, para cumprí-la. Qualquer coisa equivalente a “muita lida pra tão pouca vida” – outro dito popular consagrado.
Porém, o refrão não se satisfez em transitar apenas nos espaços e mentes populares. Ele se deixou apropriar pelos salões das universidades e da crítica musical. E virou hino e estandarte das ironias e dos comentários ácidos e demolidores contra artistas (muitos de renome) que negociavam qualquer coisa – “fazemos qualquer negócio” – para se apresentar, aparecer ou ver suas músicas tocar no rádio e, mais tarde, na TV. ‘Crucificavam-se' artistas que se violentavam por tão pouco: apenas por “duas mariolas e um cigarro iolanda”
“Iolanda” era – e é - marca de um cigarro. Mariola é um tipo de doce muito popular, barato e fácil de fazer. É apresentado em tabletes e feito com banana ou goiabada e, tradicionalmente, embrulhado em folha de bananeira seca. Hoje, utilizam-se papel fino e mesmo plástico como embalagens.
Fora do universo da doçaria , mariola é classificação utilizada para patifes, contraventores e pessoas de caráter duvidoso.
Impontual, cínico na justificativa descabida para sua impontualidade, (a culpa é dos diferentes fusos horários ...) eis o homem adoniraniano que emerge de TOCAR NA BANDA.
Num relógio
É quatro e vinte
No outro é quatro e meia
É que de um relógio pra outro
As horas vareia
Mas, para matar nossa saudade, reaparece regenerado, o herói adoniraniano (trabalhador, cheio de culpa e disposto a tudo pela paz tribal, pela paz mundial). Eis o seu solilóquio:
Marquei com a minha nega
Às cinco
Cheguei às cinco e quarenta
Esperar mais
Que vinte minutos
Quem é que agüenta
(MAIS ADONIRAN AMANHÃ – SÁBADO)
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