O ESTANDARTE 18 DE MAIO
ANA MARIA DRUMMOND, diretora-executiva da Childhood Brasil, organização que trabalha pela proteção da infância contra o abuso e a exploração sexual.
Fonte: Jornal "Folha de S. Paulo". São Paulo,18/05/2010. p. A3 (Tendências/Debates)
Publicado por Promotor de Justiça às 18.5.10
No dia 18 de maio de 1973, no Estado do Espírito Santo, uma menina de oito anos chamada Araceli foi raptada, drogada, violentada, morta e carbonizada. Seus responsáveis nunca foram punidos. Esse crime, que chocou todo o país, foi escolhido no ano 2000 para ser o marco do Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes no Brasil, instituído pela lei nº 9.970/00.
Nesses dez anos, iniciativas e estudos têm permitido mapear, ainda que de forma incipiente, onde e como essa violência ocorre.
Alguns dos avanços mais significativos foram a adoção de um Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infantojuvenil e a transformação em política pública do Ligue 100, um disque-denúncia nacional que, administrado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos, recebe, encaminha e monitora denúncias de forma anônima e gratuita.
Desde 2003, quando o Ligue 100 foi adotado como política pública, até o ano passado, o número anual de denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes cresceu quase sete vezes, indo de cerca de 4.000 para mais de 29 mil.
Mas o que poderia ser visto como um aumento no número de casos pode indicar que as pessoas estão denunciando mais e rompendo a cultura do silêncio que permeia esse universo, o que é um fato positivo.
O número de programas especializados de atendimento a crianças e adolescentes tem aumentado, com destaque para a implantação dos Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas).
Também houve ganhos significativos em termos de legislação, como, por exemplo, a lei nº 11.829/2008, que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), conferindo mais rigidez às punições contra o abuso on-line e a pornografia infantojuvenil.
O setor privado vem assumindo a sua parcela de responsabilidade sobre a causa, a cobertura jornalística do fenômeno está aos poucos se qualificando e, de modo geral, podemos dizer que a sociedade está mais receptiva ao diálogo sobre a importância do respeito ao direto de crianças e adolescentes a um desenvolvimento pleno e saudável.
Entretanto, a proteção a esses direitos fundamentais só pode ser concretizada de forma eficaz por meio de ações integradas entre governos, empresas, organizações sociais e sociedade em geral.
O abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes são fenômenos multicausais e, ao contrário do que muitos ainda podem pensar, ocorrem de norte a sul do país e de maneira transversal em todas as camadas sociais.
Outro ponto a ser considerado é que, embora os estímulos ao sexo sejam encontrados em várias interfaces, o diálogo e a educação sexual continuam considerados tabus.
Conversar sobre sexo com os filhos não é estimulá-los. Faz parte do nosso papel de proteção instruir crianças e adolescentes sobre sexualidade saudável, sobre prevenção. O que vemos é que, apesar do entendimento legal sobre os direitos infantojuvenis, retirar de seus ombros a culpa por um abuso sexual, por exemplo, persiste ainda como um grande desafio.
Na outra ponta, é preciso garantir a responsabilização dos agressores e a proteção integral de crianças e adolescentes vítimas de violência, inclusive durante os processos de investigação criminal. Assim, fica claro que, apesar de avanços, ainda há muito em que trabalhar para a plena proteção da infância e da adolescência no país.
Sobretudo nos próximos anos, quando sediará a Copa do Mundo e a Olimpíada, o Brasil será chamado a reforçar suas redes de proteção, para prevenir a exploração sexual ligada ao turismo.
Precisamos promover melhores condições de vida para meninos e meninas em situação de vulnerabilidade, formar continuamente os profissionais que lidam com crianças e adolescentes em seu dia a dia, fomentar e qualificar o debate sobre a causa e intensificar campanhas que estimulem adultos a adotar postura mais protetiva, em grande ação de prevenção.
Somente mudando olhares e atitudes frente a problemas que antes pareciam distantes de nós é que poderemos caminhar para uma sociedade mais justa e harmônica, na qual os direitos humanos, especialmente os dos pequenos cidadãos em desenvolvimento, sejam devidamente assegurados. Dia 18 de maio é o grande estandarte dessa luta!
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