terça-feira, 18 de maio de 2010

O MINHOCÃO DEVE SER DEMOLIDO? (NÂO)

O MINHOCÃO DEVE SER DEMOLIDO? (NÂO)

(Folha de São Paulo. São Paulo, 15 de maio de 2010, p. A3, Tendências/Debate)


NÃO

Revitalização é a melhor estratégia

ISSAO MINAMI

O TERMO "meio urbano", atualmente, talvez expresse mais corretamente do que "cidade" a condição de homem contemporâneo inserido na cultura global.

As grandes cidades são como símbolos e sínteses dessa condição: em qualquer lugar, em qualquer circunstância, representam imageticamente ícones (símbolos e signos) que são atributos do meio urbano.

A cidade contemporânea é um palco em que o olhar não contempla só detalhes, sendo importantes as relações entre a arquitetura e seus arredores, impondo regra de sustentabilidade, pós-uso politicamente correto.

O Minhocão, ou o elevado Costa e Silva, encarna uma proposta urbana que surge em 1969 como a maior via elevada da América Latina, com fortes pretextos e argumentações desenvolvimentistas, que se baseavam na perspectiva de descongestionar o centro de São Paulo na direção leste-oeste com um conjunto de vias expressas construídas na época.

Na região leste, foram construídas vias na superfície, mas, na região oeste, na porção mais urbanizada, a solução em elevado ganhou força por menor custo e interferências urbanas.

A decadência e a deterioração do entorno é motivo de preocupação, e soluções para tanto são necessárias.
De fato, empreender esforços no sentido de reverter o processo, transformando o local por revalorização, controle da poluição ambiental e revitalização urbana.

O que se coloca é a necessária transformação do Minhocão, e cabe perguntar: revitalizar ou demolir?

A resposta a essa questão passa por uma argumentação rica e estratégica, com uma reflexão que afaste a ideia imediatista onde se implemente a requalificação urbana.

Hoje, o elevado, com seus 3,4 km de extensão, é via de circulação com fluxo diário médio de 70 mil veículos.

Retirá-lo significaria uma maior degradação do centro, em vista dos congestionamentos que provocaria.

A sua presença molesta cerca de 140 edifícios do entorno, o que, na verdade, decorre da má condição técnica do elevado, resolvível em um horizonte muito próximo.

Sua demolição provocaria transtornos mais violentos no entorno e seria cara e demorada, colocando em risco os velhos edifícios lindeiros.

Ademais, o elevado já está incorporado ao cotidiano da população mais carente da região, e a sua falta exigiria a construção de uma alternativa emergencial, um túnel sob o traçado atual, absolutamente inviável por conta das interferências, especialmente as estações e a linha de metrô.

Sugerimos a transformação do elevado em algo como uma parceria público-privada de conexão viária, que chamaremos de ecoelevado.

Essa proposta surgiu em 2006, no concurso público de requalificação do Minhocão, elaborada por equipe de arquitetos e engenheiros, a maioria da USP, composta por Bruno Padovano, Issao Minami, Patrícia Bertac, Silvio Padilha e Roberto Righi, e segue, em linha gerais, o mesmo princípio do da equipe vencedora do concurso, coordenada por José Alves e Juliana Corradini.

O ecoelevado poderá ter a instalação de uma estrutura metálica de apoio para abafadores de ruído e de equipamentos para paisagismo e comunicação visual, garantindo imediata qualidade ambiental do entorno.

Em certa ocasião, percorri Tóquio, no Japão, vindo de Shizuoka em direção ao aeroporto de Narita, onde uma solução semelhante de abafadores vegetais garantia a qualidade ambiental em áreas mais densamente povoadas.

Uma estrutura de bulevares poderá garantir área de lazer para pedestres e ciclistas, com áreas verdes ligadas.

Finalmente ,a fase de reurbanização do entorno próximo ao elevado, transformando-as em praças, logradouros e áreas comerciais, com substituição de pisos, iluminação, sinalização e outras manutenções.

Na realidade, essas propostas são baseadas na não saturação atual da demanda de circulação viária, o que não justifica a construção de alternativas de maior capacidade, pois as tendências de estímulo ao transporte de massa devem frear tal crescimento. Portanto, é melhor revitalizar o Minhocão.


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ISSAO MINAMI , mestre e doutor em arquitetura e urbanismo, é arquiteto, urbanista, designer e professor da FAU-USP, onde é coordenador técnico do Laboratório de Imagem da Comunicação Visual Urbana.

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