domingo, 17 de abril de 2011

DIVERSÃO ... NAS CULTURAS URBANAS (7)

DIVERSÃO  ... NAS CULTURAS URBANAS (7)

Não deve ser apenas uma questão gramatical – até mesmo porque nada é apenas uma questão gramatical (!) - o fato de alguém poder DIVERTIR  (sujeito da ação) e, outrossim, DIVERTIR-SE (ser sujeito e ser  “objeto” da ação) – até aí tudo bem!. Mas  soari no mínimo estranho que além de poder , na condição de sujeito,  RECREAR alguém: estudantes, enfermos, idosos ...  uma pessoa  pudesse RECREAR-SE; ser sujeito e ser “objeto” ao mesmo tempo numa fragmentação patológica, esquizóide do eu.

NOTA DA REDAÇÃO

A palavra “OBJETO” aparece assim entre aspas porque estamos tratando sobre seres humanos. Como comigo me desavim peço-lhes que substituam “OBJETO” por ‘ALVO” . E leiam Francisco Sá de Miranda  ((1481-1558) poeta português nascido em Coimbra,  para ajudar a me perdoar:

Comigo me desavim
.
Comigo me desavim, 
Sou posto em todo perigo; 
Não posso viver comigo 
Nem posso fugir de mim. 

Com dor, da gente fugia, 
Antes que esta assim crescesse: 
Agora já fugiria 
De mim, se de mim pudesse. 
Que meio espero ou que fim 
Do vão trabalho que sigo, 
Pois que trago a mim comigo 
Tamanho inimigo de mim? 
. 

FIM DA NOTA DA REDAÇÃO


O ato de RECREAR implica na ação de alguém que cria, novamente ... uma, duas, “n” vezes ... o que já está ou já foi criado. Há um sujeito que recria e outro (“objeto”) que é recriado. O recre(i)ador reinventa o ato da criação praticado, primitivamente, pelos pais, professores  ou por alguém ou alguma instituição que os substitua. Esta nova maternagem ou paternagem aos cuidados do profissional recreador não se faz senão através de regras e de um saber/poder do ato RECREATIVO. 

Tome-se por  base e princípio que, segundo o psicanalista Jacques  Lacan, o “desejo do homem é o desejo do outro”. E que, conforme o cantor e compositor Caetano Veloso (“O Quereres”): 

Onde queres revólver, sou coqueiro
E onde queres dinheiro, sou paixão
Onde queres descanso, sou desejo
E onde sou só desejo, queres não
E onde não queres nada, nada falta
E onde voas bem alto, eu sou o chão
E onde pisas o chão, minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão
Onde queres família, sou maluco
E onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon, sou Pernambuco
E onde queres eunuco, garanhão
Onde queres o sim e o não, talvez
E onde vês, eu não vislumbro razão
Onde o queres o lobo, eu sou o irmão
E onde queres cowboy, eu sou chinês
Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor
Onde queres o ato, eu sou o espírito
E onde queres ternura, eu sou tesão
Onde queres o livre, decassílabo
E onde buscas o anjo, sou mulher
Onde queres prazer, sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres um lar, revolução
E onde queres bandido, sou herói
Eu queria querer-te amar o amor
Construir-nos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e é de viés
E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero (e não queres) como sou
Não te quero (e não queres) como és
Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor
Onde queres comício, flipper-vídeo
E onde queres romance, rock?n roll
Onde queres a lua, eu sou o sol
E onde a pura natura, o inseticídio
Onde queres mistério, eu sou a luz
E onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde queres quaresma, fevereiro
E onde queres coqueiro, eu sou obus
O quereres e o estares sempre a fim
Do que em ti é em mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal
Bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente impessoal
E eu querendo querer-te sem ter fim
E, querendo-te, aprender o total
Do querer que há, e do que não há em mim



Onde queres uma coisa sou outra, não raras vezes diferente e até oposta ao que você quer que eu seja. “O Quereres”, um dos marcos da criatividade de Caetano, poderia muito bem chamar-se “O Desejo” ou “Os Desejos” e teria dado muito bem conta da impossibilidade de o meu desejo enganchar-se  - completa e perfeitamente sem folgas e falhas – no desejo do outro. Não há discurso  sobre a ‘perfeição’ do marido, feito orgulhosamente pela esposa, que no meio ou no fim não abrigue a conjunção adversativa MAS (ou porém, todavia, contudo ...): “Ele é um marido perfeito ... MAS ...”.

Se eu não sou o meu próprio desejo e se eu não me construí, a mim mesmo, com minhas próprias mãos – se sou/somos SEMPRE  uma ‘escultura’ feita por  alguém – também não posso RECREIAR-ME ou RECRIAR-ME.

Para não cansá-los para além da conta do humano,  o exemplo do palhaço, do duplo papel do palhaço – enquanto palhaço – é bem mais eloqüente:

O palhaço DIVERTE, se DIVERTE e nos  DIVERTE a toda a gente ... miúdos (crianças) e adultos. Todos nós nos divertimos.

O palhaço pode RECREAR, por exemplo. estudantes, operários, crianças hospitalizadas (estou lembrando agora do grupo  “Doutores da Alegria” que RECREIAM e DIVERTEM crianças internadas em hospitais.

A RECREAÇÃO tem um propósito EDUCATIVO, PEDAGÓGICO, TERAPÊUTICO ... e resulta da ação de um sujeito RECREADOR. Mas não podemos recrearmos a nós mesmo, cabe repetir.

A DIVERSÃO quer apenas  DIVERTIR.

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Continua amanhã



  




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