sábado, 2 de abril de 2011

CHICO BUARQUE E OS AMORES URBANOS (10)

CHICO BUARQUE E OS AMORES URBANOS (10)

2 - O MALANDRO (II)


Não é de surpreender - ao contrário é mais que esperado - que o malandro de Chico Buarque tenha perfil sociológico diferente daquele traçado pelos compositores da Velha Guarda da MPB. Afinal, às vésperas de completar, em 19 de junho,  67 anos, Chico nasceu em 1944 quando Noel Rosa, por exemplo,   já havia falecido  (1937). Assis Valente morreu em 1958 quando Chico Buarque tinha apenas 14 anos de idade.  De mais a mais, Chico é um homem de nosso tempo, nosso contemporâneo,  e coetâneo de muitos dos  leitores deste Blog.

Penso e vejo que Chico tem paixão especial por esse tipo urbano carioca: o malandro; se assim não o fora, como e por que teria composto tantas letras em homenagem a este tipo. E não só composto. Ele fez duas versões livres de Kurt Weil e Bertolt Brecht, intituladas "O malandro" e "O malandro nº 2" que não aparecem nas postagem de ontem, mas ... ei-las aqui e agora:

O Malandro

Chico Buarque

(1977/1978)
O malandro/Na dureza
Senta à mesa/Do café
Bebe um gole/De cachaça
Acha graça/E dá no pé
O garçom/No prejuízo
Sem sorriso/Sem freguês
De passagem/Pela caixa
Dá uma baixa/No português
O galego/Acha estranho
Que o seu ganho/Tá um horror
Pega o lápis/Soma os canos
Passa os danos/Pro distribuidor
Mas o frete/Vê que ao todo
Há engodo/Nos papéis
E pra cima/Do alambique
Dá um trambique/De cem mil réis
O usineiro/Nessa luta
Grita(ponte que partiu)
Não é idiota/Trunca a nota
Lesa o Banco/Do Brasil
Nosso banco/Tá cotado
'Tá cotado
No mercado/Exterior
Então taxa/A cachaça
A um preço/Assutador
Mas os ianques/Com seus tanques
Têm bem mais o/Que fazer
E proíbem/Os soldados
Aliados/De beber
A cachaça/Tá parada
Rejeitada/No barril
O alambique/Tem chilique
Contra o Banco/Do Brasil
O usineiro/Faz barulho
Com orgulho/De produtor
Mas a sua/Raiva cega
Descarrega/No carregador
Este chega/Pro galego
Nega arrego/Cobra mais
A cachaça/Tá de graça
Mas o frete/Como é que faz?
O galego/Tá apertado
Pro seu lado/Não tá bom
Então deixa/Congelada
A mesada/Do garçom
O garçom vê/Um malandro
Sai gritando/Pega ladrão
E o malandro/Autuado
É julgado e condenado culpado
Pela situação

Vamos também  cantar e contar Noel Rosa em "Conversa de Botequim" ... e assim constataremos a feliz e afinada união Chico/Noel, Noel/Chico.


Conversa de botequim

Noel Rosa/Vadico

Seu garçom, faça o favor de me trazer depressa
Uma boa média que não seja requentada,
Um pão bem quente com manteiga à beça,
Um guardanapo e um copo d'água bem gelada.
Feche a porta da direita com muito cuidado
Que eu não estou disposto a ficar exposto ao sol.
Vá perguntar ao seu freguês do lado
Qual foi o resultado do futebol.
Se você ficar limpando a mesa
Não me levanto nem pago a despesa.
Vá pedir ao seu patrão
Uma caneta, um tinteiro,
Um envelope e um cartão.
Não se esqueça de me dar palitos
E um cigarro pra espantar mosquitos.
Vá dizer ao charuteiro
Que me empreste umas revistas,
Um isqueiro e um cinzeiro.
(Refrão)
Seu garçom faça o favor de me trazer depressa...
Telefone ao menos uma vez
Para três quatro, quatro, três, três, três
E ordene ao seu Osório
Que me mande um guarda-chuva
Aqui pro nosso escritório.
Seu garçom me empresta algum dinheiro,
Que eu deixei o meu com o bicheiro.
Vá dizer ao seu gerente
Que pendure esta despesa
No cabide ali em frente.
(Refrão)
Seu garçom, faça o favor de me trazer depressa
Uma boa média que não seja requentada,
Um pão bem quente com manteiga à beça,
Um guardanapo e um copo d'água bem gelada.
Feche a porta da direita com muito cuidado
Que eu não estou disposto a ficar exposto ao sol.
Vá perguntar ao seu freguês do lado
Qual foi o resultado do futebol.


Vamos a "O Malandro nº 2":

O Malandro Nº 2

Chico Buarque

(1977/1978)
O malandro/Tá na greta
Na sargeta/Do país
E quem passa/Acha graça
Na desgraça/Do infeliz

O malandro/Tá de coma
Hematoma/No nariz
E resgando/Sua bunda
Um funda/Cicatriz

O seu rosto/Tem mais mosca
Que a birosca/Do Mané
O malandro/É um presunto
De pé junto/E com chulé

O coitado/Foi encontrado
Mais furado/Que Jesus
E do estranho/Abdômen
Desse homem/Jorra pus

O seu peito/Putrefeito
Tá com jeito/De pirão
O seu sangue/Forma lagos
E os seus bagos/Estão no chão

O cadáver/Do indigente
É evidente/Que morreu
E no entanto/Ele se move
Como prova/O Galileu
__________________
Até amanhã ...  dia de mais Chico e de seu AMOR  URBANO  pelo malandro carioca.

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