terça-feira, 12 de abril de 2011

FCCV - VIOLÊNCIA EM REALENGO E A VOLTA DA SENSIBILIDADE

FCCV - Forum Comnunitário de Combate à Violência - Salvador Bahia - Brasil

Leitura de fatos violentos publicados na mídia

Ano 11, nº 13, 11/04/11 





VIOLÊNCIA EM REALENGO E A VOLTA DA SENSIBILIDADE
   Como que do nada ele chega à escola, entra nas salas, escolhe as suas vítimas, atira mais de sessenta vezes contra elas e talvez tenha pensado que estaria matando todas. É ferido por um policial e depois se mata sobre uma escada da escola.
Ele é um dos mortos de sua alucinada ação, o único com mais de vinte anos. Matou 11 crianças e adolescentes e deixou mais outros 18 feridos. Sua obra macabra fez chorar autoridades, mobilizou a população do País em comovente desalento, levou populares à escola em difusos sinais de solidariedade. 
E a mídia ficou ali, ao pé da obra, a recolher vestígios de explicação associados com as faces da dor e do desespero. As câmeras internas à instituição alvejada reunidas às imagens de celulares são os recursos usados para mostrar um caos de natureza extraordinária. Gritos desesperados são mensagens reveladoras de um grau agudo de risco e de pedido de socorro.
Desta vez chegou ao Rio uma forma de ataque violento não comum ao contexto carioca. E rapidamente, preenchendo a necessidade de se fazer sentido, a mídia toma de empréstimo as experiências americanas e de outros países onde escolas foram atacadas por indivíduos aos quais são atribuídas perturbações mentais. O Brasil teria sido alcançado por mais esta forma de insegurança, mais este viés da violência.
Do autor da barbaridade são buscados traços de seu histórico que esclareçam ações tão brutais. Não são suficientes, como nos crimes habituais, as explicações a partir da ficha criminal do agressor, em lugar disto são preferidos indícios dedutíveis de seu perfil comportamental, dando-se ênfase à sua forma de viver e de ser no cotidiano. Desta busca por elucidação emerge um jovem de 23 anos, uma pessoa discreta, que fala muito pouco, que vive sozinha, que trabalha e, em casa, passa o tempo no computador. É um filho adotivo e órfão que habita numa casa própria, fruto de herança.  Ex-colegas de escola relatam o uso de roupas pretas, de calças apertadas e a dificuldade relativa à integração com os estudantes. Excertos dessa natureza, expostas de forma dramática como numa liturgia reveladora de mistérios profundos, vão dando ao algoz uma fachada que se espera compatível com os seus derradeiros gestos. Mais que abjeta, uma pessoa bizarra, apesar de tão repetitivos os seus atos diários. É da sua precária distinção no mundo que é construído o sentido para os seus últimos atos. Uma pessoa que não representava o perigo na forma convencional e explícita foi capaz de surpreender a todos com gestos tão cruéis.  
Deixa uma carta que logo ganha a consistência de peça-chave para a explicação de atitudes tão cruéis. Pelas lentes de peritos da área da saúde mental, tenta-se avançar num diagnóstico que poderia contribuir para amenizar um tipo de dor que se afirma sobre a estranheza do fato. Todos se perguntam mais ou menos assim: “mas por que isto?!”
O que se consegue arrancar dos especialistas é uma concordância de que se trata de atos perpetrados por um indivíduo que, certamente, sofria e tinha desconfortos psicológicos ou psiquiátricos graves. Algumas opiniões avançam mais, entretanto, são cogitações difíceis de serem confirmadas. Estas respostas não são suficientes para barrar a aposta numa explicação que associa o ataque ao bullying que teria sofrido o aluno naquela escola.
Observa-se, na tentativa de dar um nome ao caso e uma classificação ao algoz, a necessidade de dotar o acontecimento de expressão no domínio da linguagem, a exemplo da dor misteriosa que sofre certo alívio ao ser expressa em palavra (tão misteriosa quanto) pela autoridade médica. Tal operação simbólica comporta uma primeira capa de acomodação ao problema, pois, já que ele tem um nome, não é mais tão estranho assim. Nesse sentido, cabe lembrar que, boa parte dos problemas relativos às práticas violentas mais recorrentes em nosso contexto começou por este estágio de aclimatação simbólica e, depois que os motes foram internalizados coletivamente, já não comove tanto a concretude de suas representações diárias que também ceifam crianças e adolescentes salpicados nos espaços mais pobres das grandes metrópoles.
 A dor expressa no caso que agora machuca a todos tem a proporção de seu ineditismo. Isso, também, é muito dramático e merece reflexão porque a “dorzinha diária” que mina das violências registradas por todos os lados como se fossem indefectíveis sinais do nosso tempo teve seu dia de dor maior, de comoção social e de mobilização coletiva contrária ao seu cabimento em nosso contexto.    



2 comentários:

  1. Sem querer bancar a advogada do diabo, acredito que esse rapaz é também uma vítima da nossa sociedade cruel e excludente em que só tem vez aquele que fala e se veste bem. Nesse caso, especificamente, acho que muita gente teve sua parcela de culpa: os colegas de escola que agrediam ele, os pais dos colegas que não repreenderam tais atitudes em seus filhos, os professores que fizeram vista grossa e não tomaram as atitudes certas no momento necessário permitindo que esse menino fosse sempre rejeitado e humilhado pelos colegas, a família do rapaz que deve ter sempre subestimado seu comportamento introspectivo sem imaginar o turbilhão de coisas que passavam pela cabeça dele e a proporção que essas coisas poderiam tomar, a sociedade com sua tendencia cada vez mais individualista que não se preocupa com os problemas do próxima, o estado que não investe como deveria na capacitação dos profissionais para que estes estejam aptos a reconhecer "welligtons" em potencial e comecem a trabalhar o psicologico desses individuos precocemente, enfim, todos nós somos culpados.
    O Welligton é um monstro, sem dúvidas, mas um monstro que NÓS criamos. E não se espantem se nos próximos anos surgirem novos "welligtons" pelo Brasil, sedentos por chamar atenção da pior forma possível.

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