sexta-feira, 22 de abril de 2011

GAETA - AS CIDADES DE BAUDELAIRE E HUGO ... (1)

GAETA  - AS CIDADES DE BAUDELAIRE E HUGO NA PARIS MODERNA DE BENJAMIN  (1)

AS CIDADES DE BAUDELAIRE E HUGO NA PARIS MODERNA DE WALTER BENJAMIN

Antonio Carlos Gaeta (UNESP)
Universidade Estadual Paulista – Faculdade de Ciências e Letras (Araraquara) – Departamento de Administração Pública
Doutor em Geografia Humana
gaeta@fclar.unesp.br

RESUMO : O artigo analisa a proximidade dos retratos da Paris do século XIX feitos por Charles Baudelaire, Victor Hugo e Walter Benjamin, de modo a compreender de modo mais amplo a filosofia do espaço que Benjamin desenvolve. Parte-se da Paris de Baudelaire, suas escolhas, a consideração dos pequenos lugares, a “alma” e a universalidade desses espaços, e a repercussão de tais perspectivas no interior de “A Paris do Segundo Império” de Walter Benjamin. Confronta a Paris monumental de Victor Hugo com a Paris trivial de Baudelaire. Busca descrever as escolhas dos autores, bem como apreender o sentido profundo da afinidade entre o poeta, o romancista e o filósofo, de modo a iluminar as interpretações e conceitos sobre o espaço, desenvolvidos por Benjamin.
Palavras-chave: Walter Benjamin – Charles Baudelaire – Victor Hugo

ABSTRACT : The article analyzes the proximity of the portraits of Paris of the century XIX done by Charles Baudelaire, Victor Hugo and Walter Benjamin, in way to understand in a wider way the philosophy of the space that Benjamin develops. We left of the consideration of Paris of Baudelaire, of their choices, of the consideration of the small places, of the "soul" of those places, of the universality there present, and the repercussion of those perspectives in the work of Benjamin "Paris of the Second Empire". It is confronted monumental Paris of Victor Hugo with to trivial Paris of Baudelaire. It is looked for to describe the authors' choices, as well as to apprehend the deep sense of the likeness among the poet, the novelist and the philosopher, in way to illuminate the interpretations and concepts on the space, developed by Benjamin. 

[FONTE: MORPHEU, revista eletrônica em Ciências Humanas – Conhecimento e Sociedade. publicação on line semestral – ISSN 1676-2924 Laboratório de Linguagens e Mídias, do Centro de Ciências Humanas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro (Brasil)]


A compreensão da filosofia do espaço benjaminiana requer a consideração da sua Paris, a qual compreende a consideração das várias cidades presentes no autor. Trata-se do espaço não apenas como “sede” da modernidade, mas também como revelador de sua complexidade e contradições. Em A Paris do Segundo Império (ou A Paris do Segundo Império em Baudelaire), nos quais Baudelaire é seguidamente citado, estão importantes e reconhecidas interpretações da modernidade por Walter Benjamin. 

A crítica da cultura e da sociedade são eixos importantes do pensamento do autor. Benjamin analisa o nascimento de valores e da destruição de outros tantos que ocorrem durante o século XIX, em especial em sua primeira metade, e que marcarão profundamente o século XX. A mercantilização acentuada da vida é tratada pelo autor através das sutilezas, das nuances e dos pequenos acontecimentos. Acompanha, sem dúvida, a mudança na própria estruturação e interpretação do tempo que a modernidade traz, projetando o cotidiano como uma dimensão heróica. 

Porém, ainda que não acentuado pelos seus intérpretes, o pensamento de Walter Benjamin dedica-se também ao espaço. Não é apenas a cidade eleita, pois de fato ela é o espaço símbolo da modernidade, em especial a grande cidade, como Paris. Também trata da revolução na vivência e na interpretação do espaço. Atém-se aos pequenos lugares, às estruturas novas e antiquadas que a grande cidade cria e recria. 

Por outro lado, uma das questões sempre presente é a afinidade eletiva do autor diante de tão importantes intérpretes de Paris como Victor Hugo. O porque de Baudelaire também deve ser procurado na sua análise citadina, nas suas escolhas de cidade e o contraponto com Victor Hugo contribui para tal estudo. Baudelaire apresenta uma peculiaridade de pensamento e diferenciação frente às análises de sua época, peculiaridade e diferenciação que conquistaram Benjamin. 

* * *

Nos escritos de Benjamin para a sua inacabada obra prima __ o chamado “Trabalho das Passagens” __ há inúmeras referências à cidade de Paris, símbolo da modernidade urbana. Há nos escritos voltados ao Trabalho das Passagens uma preocupação intensa em incluir a grande cidade como suporte de suas reflexões sobre a modernidade. Isto pode ser observado de modo evidente no esboço “Paris, capital do século XIX”, bem como na parte central __ única concluída __ denominada “A Paris do Segundo Império em Charles Baudelaire”.

A consideração de tais escritos permite afirmar que há um importante retrato de cidade em Walter Benjamin, fruto das reflexões do autor. Este, por sua vez, toma diversas outras “cidades”, como suporte, citadas no corpo do texto: a cidade de Baudelaire, de Victor Hugo, de Haussmann, de Simmel, de Balzac, de Aragon, e, talvez menos explicitamente, a cidade de Splenger.

Os escritos de Walter Benjamin sobre a Paris moderna __ a do século XIX __ atentam de modo significativo para os intérpretes da cidade, em especial, para os literatos. A sua referência fundamental, a sua principal afinidade é, como se sabe, com Charles Baudelaire. 

A obra mais importante de Charles Baudelaire __ As Flores do Mal __ é a eleita por Walter Benjamin como fonte de seu mais ambicioso projeto __ O Trabalho das Passagens. A parte concluída, denominada A Paris do Segundo Império (ou A Paris do Segundo Império em Baudelaire), está subdividida em três partes intituladas A Boêmia, O Flâneur, e A Modernidade. 

No caso de Baudelaire, o estudo de Benjamin dirige-se para várias de suas dimensões: o poeta, o crítico da modernidade, a testemunha da modernização social. Mas há também uma significativa referência ao seu sensibilidade interpretativa urbana. 

De fato, no esboço “Paris, capital do século XIX”, um dos pares é “Baudelaire ou as ruas de Paris”. Sujeito e espaço urbano estão aí postos lado a lado. Dos diversos pares propostos no esboço será este o que ficará definido para o trabalho final das Passagens. A preocupação de Benjamin com as tríades espaço – tempo - sujeito têm Baudelaire como o grande tema.

Na parte concluída para o Trabalho das Passagens, a referência mais importante a Baudelaire dá-se a partir de sua obra prima “Flores do Mal”. Menos citados estão “Meu Coração Desnudado” e “O pintor da vida moderna”.

Flores do Mal, primeiramente editada em 1857, em plena época de Napoleão III e de Haussmann, apresenta no seu conteúdo e na sua construção diversos elementos de abordagem da grande cidade que serão tema da filosofia de Benjamin. A estrutura desse livro de poesias é composta por seis partes, além da “Introdução”: Spleen e Ideal; Quadros Parisienses; O Vinho; Flores do Mal; Revolta; e A morte. 

Na estrutura da obra de Baudelaire há a revelação de parte de sua vida. O início pelo “spleen” revela o seu estado de ânimo e sua visão crítica da modernidade. O sentido imediato de spleen é o de entediado da vida. Tome-se como exemplo um de seus poemas “Spleen”:
Quando o céu baixo e hostil pesa como uma tampa/ Sobre a alma que, gemendo, ao tédio ainda resiste,/ E do horizonte todo enleando a curva escampa,/ Destila um dia escuro e mais que as noites triste;/ Quando a terra se torna em úmida enxovia/ Onde a Esperança, como um morcego perdido,/ Nos muros vai bater a asa tímida e fria/ E a cabeça ferir no teto apodrecido;/ Quando a chuva, a escorrer suas cordas tamanhas,/ De uma vasta prisão as grades delineia,/ E a muda multidão das infames aranhas/ No cérebro da gente estende a sua teia,/ Sinos badalam, de repente, furibundos/ E lançam contra o céu um rugido insolente,/ Como espíritos que, sem pátria e vagabundos,/ Começam a gemer recalcitrantemente./ __ E enterros longos, sem tambor e sem trombeta,/ Desfilam lentamente em minha alma; a Esperança,/ Vencida, chora, e a Angústia prepotente avança/ E em meu crânio infeliz planta a bandeira preta.
A sua revolta com os modelos familiares e a dificuldade em fazer-se reconhecer pela sua sensibilidade marcaram a sua formação, bem como se refletiram ao longo de sua vida. O uso dos recursos financeiros familiares, os endividamentos conseqüentes, os amores proibidos, levaram sua família a interditá-lo através de uma tutela judicial. Baudelaire, então como despossuído, passa a ser marcado pela errância de moradias. Supõe-se que tenha vivido em torno de 44 endereços, até a sua morte com 46 anos. A motivação para a errância, no entanto, não estaria apenas na miséria, segundo Robert Sctrick, um dos intérpretes de Baudelaire (1998: p. 20).

Esse estado de ânimo encontrou afinidades em Benjamin, principalmente tendo em vista o olhar estrangeiro, enviesado, revelador de uma riqueza oculta ao indivíduo comum.

Na obra de Benjamin a referência mais explícita à cidade de Baudelaire centra-se em “Quadros Parisienses”. Ele já os havia traduzido para o alemão (1921). Dos dezesseis poemas aí contidos, são reproduzidos sete em parte ou na íntegra ao longo do texto central das Passagens: O Sol; O Cisne; Os Sete Velhos; As Velhinhas; A uma Passante; O Esqueleto Lavrador; O Crepúsculo Vespertino.

Pode-se dizer que a obra de Baudelaire, além de toda a sua complexidade e riqueza estética, é importante para Benjamin por dois aspectos essenciais que dizem respeito a características externas e internas complementares: o estado de ânimo e olhar do qual parte o autor, e o seu cotidiano e realidade de vivência e reflexão. Eles são o seu olhar de desconforto, de inadaptado, que lhe revela com maior precisão a transitoriedade como alma da vida moderna. Em segundo lugar, a grande cidade, produto da nova sociedade. O encontro dos dois aspectos dá-se na procura da interioridade na cidade moderna. A propósito, Benjamin afirma sobre a cidade de Baudelaire: “A Paris de seus poemas é uma cidade submersa” (1991a: p. 39).

Os aspectos contraditórios presentes na sociedade moderna, bem como os aspectos distintos do qual parte Baudelaire __ ou seja, o seu olhar sensível e a cidade concreta __ revela-se no próprio título da obra maior, Flores do Mal, mas também nos seus títulos iniciais, pré-titulos, As Lésbicas e Os Limbos, no qual destacam-se os estados vagos, imprecisos, transitórios que o autor interpreta na modernidade. E também se identificam como o nostálgico, o entediado, o inadaptado.

Desse modo, o assunto da poesia de Baudelaire é, também, o universo cotidiano representado pela cidade, na qual procura a vida interior e o que ela pode conter de simbolicamente universal. Mas, além disto, ele procura encontrar ou transformar a própria cidade em interior.

A busca da interioridade em Baudelaire encontra uma expressão citadina. Isto é, em Baudelaire a interioridade não se perdeu para sempre. Ela pode ser encontrada no símbolo da própria modernidade, na cidade moderna. A cidade moderna em Baudelaire é a grande cidade, a Paris do século XIX. Mas, no essencial, é a sociedade que vive em uma grande cidade. Neste sentido, a preocupação central é com a “cidade” e não com a “urbe”. 

Mas a estrutura urbana, ainda assim, aparece. Lugares de encontro são destacados, bem como são destacadas as ruas, esse novo elemento de encontro que é realçado com as reformas urbanas no século XIX, em especial com os bulevares de Haussmann. Ou seja, Baudelaire parte da constatação comum aos seus contemporâneos: a percepção da perda de totalidade. 

Victor Hugo também vê na cidade moderna __ ainda que por outra perspectiva __ a perda de uma visão de totalidade, simbolizada pelo ocaso da arquitetura frente ao que veio da Idade Média. 

Mesmo entre os não críticos à ordem que se estabelece, como os burocratas, como Haussmann, o reformador de Paris, há a consciência da perda de totalidade na cidade e a necessidade de uma reformulação que a una, que a integre. 

(CONTINUA  AMANHÃ, SÁBADO)

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