domingo, 3 de abril de 2011

CHICO BUARQUE E OS AMORES URBANOS (11)


CHICO BUARQUE E OS AMORES URBANOS (11)

2 - O MALANDRO (III)


Vicente Deocleciano Moreira

Na estética da MPB (e, creio, na música popular dos demais países e culturas), identifico o fenômeno do pertencimento. Dizer que  por exemplo "Com açúcar, com afeto" pertence a Chico Buarque de Hollanda não oferece grandes novidades.  A 'novidade', sem perder a riqueza da polêmica e da controvérsia, é defender que a interpretação de "Com açúcar, com afeto" pertence a Nara Leão. Agrada-me, mais que qualquer outra  (feminina ou mesmo masculina) a leveza e a doçura de Nara quando interpreta esse monumento buarqueano. Seria este petencimento interpretativo  uma unanimidade? Tendo a responder que sim, com todo o respeito ao dramaturgo recifense-carioca Nelson Rodrigues (1912-1980) quando ele adverte que "toda unanimidade é burra".

Aliás, quando Nelson Rodrigues proclamou esta frase - "toda unanimidade é burra" -  ele o fez como resposta pessoal e insatisfatória diante dos discuros que se repetiam dizendo que Chico Buarque era excelente compositor, o príncipe dos compositores brasileiros de então ... e que tais (merecidos) elogios recebia o aval de todos os brasileiros como uma unanimidade nacional. Não que ele achasse Chico Buarque burro, mas coondenava a unanimidade imposta à força de um hábito ou um dogma  a ponto de não deixar a menor margem para alguém que não gostasse do compositor e/ ou de suas composições - daí a "burrice" de tam unanimidade fosse dirigida a quem fosse!.

"Com açúcar, com afeto" com sutileza e gestão delicada revela o amor de Chico pelo malandro, e expõe  o amor, à façon do amor feminino da amada pelo malandro ... como se validasse a mulher e sua forma de amar eternizada no "Sonmeto da Mulher Ideal" do poeta  Vinicius de Moraes:

Eis a mulher de Vinicius de Moraes:

Soneto da Mulher Ideal

Vinicius de Moraes

Pra fazer poesia
Tem que ter inspiração
Se forçar ..
Nunca vai ficar boa

Se não..
É como amar uma mulher só linda
E daí !??

Uma mulher tem que ter alguma coisa alem da beleza
Qualquer coisa feliz
Qualquer coisa que ri
Qualquer coisa que sente saudade

Um pedaço de amor derramado
Uma beleza ...
Que vem da tristeza
Que faz um homem que como eu sonhar

Tem que saber amar
saber sofrer pelo seu amor
E ser só perdão


Eis a mulher de Chico Buarque eternizada, para mim, na voz e na interpretação de Nara Leão:

"Quando a noite enfim lhe cansa, você vem feito criança
Pra chorar o meu perdão, qual o quê!
Diz pra eu não ficar sentida, diz que vai mudar de vida
Pra agradar meu coração
E ao lhe ver assim cansado, maltrapilho e maltratado
Como vou me aborrecer? Qual o quê!
Logo vou esquentar seu prato, dou um beijo em seu retrato
E abro meus braços pra você"

Eis, agora,   a 'reciprocidade amorosa' do malandro amado ... tão amado ...

"Você diz que é um operário, sai em busca do salário
Pra poder me sustentar, qual o quê! ...

É a letra mais leve e mais discreta da produção buarqueana sobre o malandro. Vejam que das letras diretamente autorais que o Blog selecionou para a série de postagens em curso ("Juca", "Malandro quando morre", "Mambembe", "Homenagem ao malandro", "O desafio do malandro" e "A volta do malandro"), "Com açúcar, com afeto" é a única que não cita o nome malandro. E precisava?


Mas, apesar do amor urbano amplo, cósmico e irrestrito que Chico dedica ao  malandro  carioca, apesar de todo esse tamanho ele não cabe no infinito universo da MPB. Chico é autor  de ópera (e disco) chamado  ÓPERA DO MALANDRO. Foi para este trabalho operístico que Chico fez,  a partir de uma adaptação livre de Kurt Weil e Bertolt Brecht, as letras "O Malandro" e "malandro nº 2". Eis as capas do livro e do disco:

                                                                                                               
                                

           
Lançado em 1979, "Ópera do Malandro" recebeu inspiração básica de "´Ópera dos Mendigos" (1728) de John Gray e de "Ópera dos Três Vintens" de Brecht e Weil.

Além de livro e de ópera, "Ópera do Malandro" virou musical (1978) e filme  estreado em  1986 sob a direção de Rui Guerra baseado no musical de Chico Buarque.


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 Amanhã, segunda e depois de amanhã, terça, as últimas postagens da série    CHICO BUARQUE E OS AMORES URBANOS    com o capítulo final  3 - AMORES URBANOS DE CLASSE MÉDIA   dividido em parte I e parte II.



 


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