sexta-feira, 15 de abril de 2011

DIVERSÃO ... NAS CULTURAS URBANAS (4)

DIVERSÃO ... NAS CULTURAS URBANAS (4)

"Devagar se vai ao longe"
(ditado popular brasileiro)

Vicente Deocleciano Moreira

Desde que iniciamos a trajetória da divisão sexual do trabalho, humanos prosseguimos elegendo o jogo (os jogos) como atividade preferida para os momentos de diversão, ou seja, quando realizávamos atividades divertidas e, por isso mesmo, opostas à caça, à pesca, ao cuidados com plantações e criações de animais – vale dizer atividades que produziam riqueza  e proviam a existência de sua inescapável base material; acrescentamos a estes afazeres produtivos as táticas, estratégias e práticas  de guerra (ataque e defesa).

Divertir-se jogando, competindo, com toda alegria e prazer,  era um meio de, por assim dizer, ‘repetir’ o cotidiano produtivo sob o manto de símbolos e signos ...  diferentes sim, mas com semelhantes eficácia simbólicas.

Divertir-se jogando, competindo, com toda alegria e prazer,  era também um meio de ‘manter-se em forma’, ‘exercitar-se’ – ainda que sem plena consciência disto – para os momentos geradores  e promotores de riqueza  e de  guerra.

Estranho é que a palavra exercício  tem origem grega e significa, em português, ascese. Daí, o ácido ascético ...  popularmente conhecido como vinagre (vino acre ou vinho azedo).  Estamos às vésperas da Semana Santa dos cristãos católicos (apostólicos romanos); e no ritual da Paixão (Pathos) de Jesus Cristo esses religiosos lembrarão que  este homem pedira água (para matar a sede) e no lugar deste líquido os soldados  colocaram em sua boca vinagre balsâmico. Este foi um dos momentos da ascese de Cristo, de Seu exercício de santidade e superação mística, de Seu sacrifício.

Se  para nossos antepassados a diversão era ascese era  sacrifício, onde estava pois  o prazer  e alegria dos momentos de diversão preenchidos pelo jogo, pelo lúdico?
A lembrança de duas  considerações podem ajudar a responder esta pergunta:  primeiramente, cabe lembrar que a ascese é, primitivamente, um episódio  mítico/místico/mágico/religioso. Nas mitologias  de criação do mundo em todas as culturas, o fundador ‘se reserva’ o direito ao descanso. A dimensão mística (de mistério) está assentada no não  revelado, no misterioso. A face mágico-religiosa olha para um horizonte de complementariedade entre o profano, isto é, a atividade produtiva, o trabalho, e o sagrado, isto é, o descanso, a diversão.

O fato é que ontem e hoje, trabalhar e divertir-se, o profano e o sagrado, não são atividades tão distanciadas uma da outra como enganam as aparências.

Hoje (2011 depois de Cristo), a exemplo dos nossos antepassados, ao ocupar nossos instantes de diversão com jogos nada mais fazemos do que atestar que, nesse mister, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos antepassados da divisão sexual do trabalho. Jogamos, competimos, ficamos até estressados e, ainda assim,  acreditamos, dizemos e nos convencemos (e aos outros)  que estamos a nos divertir. Não conseguimos, nem mesmo nos momentos de diversão, nos desligar da produção de riqueza, da copetição e das disputas do cotidiano dos dias “úteis”.

Sim, o tipo conceitual e operacional  de jogo a que estamos aqui nos referindo nada tem a ver com jogo(s) mediados por dinheiro: roletas, loterias, “jogo de bicho”, baralho e qualquer outro jogo a dinheiro. Nada tem a ver com jogos desportivos protagonizados por profissionais.

Via de regra,  como protagonistas ou como observadores, espectadores estamos envolvidos com algum tipo de jogo em nossos momentos de diversão:

Atravessamos noite e madrugada jogando baralho, cartas;

Na areia da praia, jogamos  futebol, volley, frescobol;

Sentados nos degraus (ou na arquibancadas) do estádio, refestelados no sofá da sala diante da TV, assistimos o jogo de times de futebol, volley, basquete, rtc.

No bar, entre goles  de cerveja, jogamos  sinuca, bilhar, ‘pauzinho” ...

“Atletas de fim de semana”, jogamos futebol de várzea (baba);

Crianças e adolescentes costumam jogar gude, baleô, amarelinha (macaco), “castanha”, caxangá, etc.

Meninos empinam pipas (arraias) num jogo, numa disputa de guerra com o objetivo de cortar a linha do adversário e jogar por terra a arraia do ‘adversário’;

Praticamos com a seriedade e o espírito competitivo de um militar ou de um empresário, jogos de caixa como “War”, “Banco Imobiliário”, e congêneres.

Jogamos  dominó, dupla contra dupla, e nos divertimos ganhando, reclamando, competindo ... como estivéssemos em situações extremas de vida e morte;

Jogamos dama, xadrez, gamão ...

Jogamos games (computador, celular) em casa e nos shopping centers.

Poucas coisas fazem a felicidade dos filhos como jogar com os pais ... e a alegria comemorada aos pulos e gritos quando ganham deles.



Não poderia encerrar esta postagem sem retomar o sentido de complementariedade entre trabalho e jogo. Por exemplo, alguém corre o risco de   ser ADVERTIDO se estiver se DIVERTINDO jogando Paciência (ou qualquer outro jogo de computador) no espaço e na jornada de trabalho.

Outro exemplo: em muitos países ricos, indústrias disponibilizam espaço, logística  e material para que seus operários joguem (dominó, futebol ...), enquanto descansam ou folgam, sem que devam se afastar da fábrica. Tal ‘concessão’ traz como contrapartida o aumento da produtividade.

__________
(continua amanhã)


Nenhum comentário:

Postar um comentário