segunda-feira, 2 de agosto de 2010

PRECISAMOS SUPERAR OS MOTIVOS DE STALLONE - (FCVV) -

FORUM COMUNITÁRIO DE COMBATE À VIOLÊNCIA (FCVV)

Leitura de fatos violentos publicados na mídia
Ano 10, nº 24, 02/08/10
PRECISAMOS SUPERAR OS MOTIVOS DE STALLONE

“Você pode explodir o país inteiro e eles ainda dizem para você, obrigado e tome aqui um macaco para você levar para casa”. São palavras de Sylvester Stallone a propósito do que significou para ele filmar no Brasil. Ainda conforme as suas declarações: “filmamos no Brasil porque lá você pode machucar as pessoas enquanto filma”. De acordo com a sua fala, a produção de seu filme contou com mais liberdade para gravar lutas mais agressivas com o emprego de armas de fogo mais perigosas e a destruição de edifícios e veículos. Além de tudo isto, atentou para a desproporcionalidade na relação entre 70 seguranças disponíveis para 65 pessoas envolvidas na equipe de filmagem.

O caso coloca em evidência muitos dos nossos delicados problemas, especialmente o do nosso brio. Nós costumamos dizer que aqui no Brasil tudo é possível, mas este discurso é nosso e privativo. Precisamos ouvir no adeus de nossos visitantes que eles amaram a estada e não esquecerão jamais os dias maravilhosos aqui vividos. Temos um modelo de recepção do estrangeiro, em especial daqueles que provêm de países ricos, que é, muitas vezes, extremamente obsequioso, uma sorte de cuidado subalterno que evidencia um comportamento coadunável com uma perspectiva de país colonizado. Talvez venha deste padrão de tratamento o ânimo que embalou a fala do ator americano.

É interessante observar a indignada reação dos brasileiros que, através do Twitter, lançaram a campanha “Cala a boca Stallone” e conseguiram excepcional adesão, colocando o assunto em primeiro lugar na rede. Foi esta onda de descontentamento que exigiu do artista uma retratação, a ser compreendida como um sinal de cuidados para com os negócios comerciais que envolvem tanto o lançamento do filme “Os mercenários” quanto a marca Stallone em projetos futuros os quais não devem deixar de fora a nossa “bilheteria nacional”.

Parece que o ator tomou um banho de liberdade à brasileira e se esqueceu de sair do chuveiro enquanto respondia ao mercado, um lugar onde nem tudo é possível. Foi aí, onde ele é produto, que ele decidiu pôr em prática o que viu por aqui: um set de filmagens sem limites, a ponto de confundir até o mais compenetrado mercenário.
Temos, desde então, defendido a nossa pátria com afinco e a idéia de um boicote ao filme cresce como resposta à indelicadeza e ingratidão do ilustre visitante. Enquanto esta onda ganha corpo de protesto apaixonante, assistimos à história da morte do filho da atriz Cissa Guimarães. Ficamos comovidos ante a sua juventude, sua beleza e a forma brutal de sua morte por atropelamento em um túnel que estava fechado à circulação de veículos, mas foi usado por motoristas para fazerem “pega”, enquanto o filho da atriz ocupava o espaço para andar de skate com amigos.

Não há relação direta entre as duas histórias, mas há alguns elementos que permitem uma aproximação. O ponto escolhido para a reflexão diz respeito à forma com que o pai do motorista responsável pelo atropelamento reagiu. Tomando por base a “máxima” de Stallone pela qual aqui você “pode machucar as pessoas” e a ela acrescentar “depois pagar a conta à polícia”, podemos identificar a conduta do pai aqui mencionado. Ele atua com aquela liberdade sem lei, referida pelo ator americano, ao negociar com os policiais que estavam presentes ao acidente e quando já avançava nas tratativas, com parte do pagamento já feito e o carro devidamente encerrado em uma oficina para os devidos reparos, recebeu de sua mulher um telefonema redefinidor das operações. Ela avisou que a vítima era o filho da atriz Cissa Guimarães. É este telefonema que altera a conduta “livre” daquele genitor. A partir daí ele passa a narrar à polícia e à mídia toda a história que se deu depois do acidente. Para isto foi necessário não a moral ou a Lei, mas o peso de um nome de prestígio na mídia nacional. Assim como Stallone precisou de um temor mais efetivo que a mera conduta civilizada, ao pai do motorista responsável pela morte do jovem skatista foi indispensável a fama de uma atriz para que ele se rendesse aos ritos estabelecidos pelas leis brasileiras.

Por este caso vê-se que quase tudo pode, mas há certas pedras colocadas no caminho dos agentes ilegais e dos mal agradecidos que retiram deles, de vez em quando, a sorte de serem apenas fazedores de regras circunstanciais muito próprias ao apetite fílmico e às inocências inventadas. Por outro lado, é uma pena que a nossa indignação seja pouco expressiva quando o assunto é a corrupção policial e mais: é preocupante o quanto não nos abalamos com o comportamento de um pai que negocia a impunidade de um filho e só abre mão deste recurso diante de uma informação que evidencia as suas desvantagens perante conjunto de forças simbólicas envolvidas na ocorrência.

Tudo isto lembra, infelizmente, Stallone e suas razões. Por que quase tudo é possível, para alguns? Quem sabe possamos dar um troco útil à arrogância do ator ao nos inquietarmos com alguns sinais de razão para as suas desconfortáveis e grosseiras declarações.

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