Magnani - A RUA E A EVOLUÇÃO DA SOCIABILIDADE (4 - FINAL)
REVISTA DIGITAL DE ANTROPOLOGIA URBANA :::::: ISSN: 1806-0528
A RUA E A EVOLUÇÃO DA SOCIABILIDADE (3)
José Guilherme Cantor Magnani
Conclusão
Não se deve perder de vista o fato de as observações precedentes terem sido tiradas de duas pesquisas que, apesar de encadeadas por temática, orientação e metodologia, foram realizadas em contextos diferentes: as limitações de espaço não permitiram explicitar devidamente todas as pressuposições, passagens e mediações.
De qualquer maneira, o que se pretendia era mostrar que a metrópole - no caso, São Paulo - apesar de sua escala, diversidade e problemas comporta inúmeras e até mesmo surpreendentes formas através quais seus habitantes estabelecem vínculos entre si e com a cidade. Algumas dessas formas podem ser apreciadas em sua relação com o próprio espaço no qual ocorrem: são as experiências da rua, para recuperar um termo usado no texto.
Ademais, e contrariamente ao que pensa o senso comum, a cidade não se impõe de forma homogênea e absoluta sobre seus moradores. Há que se entender: não se trata de passar por alto ou minimizar as profundas contradições e perversidades do desenvolvimento urbano da metrópole paulistana. O que se propõe é apenas variar o ângulo, olhar desde outro lugar, apreciar a cidade do ponto de vista daqueles que, exatamente por causa da diversidade de seu modo de vida, se apropriam dela de forma também diferenciada.
Estas formas de apropriação não são o resultado de escolhas individuais, nem são aleatórias: são resultado de rotinas cotidianas - ditadas por injunções coletivas que regulam o trabalho, a devoção, a diversão, a convivência e que deixam suas marcas no mapa da cidade. O resultado é um desenho bastante particular e que se sobrepõe ao desenho oficial da cidade: às vezes rompe com ele, outras vezes o segue, outras ainda não tem alternativa senão adequar-se.
Pode-se afirmar que, entre os dois padrões paradigmáticos de apropriação do espaço - o privado e o público - existe uma gradação onde é possível distinguir inúmeros arranjos intermediários, escolhas reveladoras da dinâmica urbana: ora é o pedaço com sua lógica particularizante que agrupa os semelhantes e distingue claramente os "de fora"; ora é a mancha - mais ampla, com base não tanto nos signos diferenciadores mas na lógica territorial e que permite, por isso mesmo, encontros imprevistos mas desejáveis, propiciando toda espécie de trocas. Estabelecendo ligações entre uns e outras estão os trajetos que, através dos pórticos, também abrem passagens por espaços ainda não conquistados.
Como se pôde ver, de uma forma ou outra a rua e sua experiência estão vivas, assim como viva permanece, ao menos como ponto de referência, a "velha rua moderna", segundo a expressão usada por Berman para referir-se ao cenário da cena primordial.
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Bibliografia
Benjamin, W. - Paris, capital do século XIX e A Paris do Segundo Império em Baudelaire in Walter Benjamin, Kothe, F. (org.) São Paulo, Ática, 1985
Berman, M. - Tudo que é sólido desmancha no ar. São Paulo, Companhia das Letras, 1986
Chevalier, L. - Classes laborieuses et classes dangereuses. Paris, Pluriel, 1987
Da Matta, R. - A casa e a rua. São Paulo, Brasiliense, 1985
Da Matta, R. - O Ofício de Etnólogo ou Como ter Anthropological Blues, in Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. Rio, 1974
Geertz, C. - Local Knowledge. Basic Books, New York, 1983
Le Corbusier - A Carta de Atenas. São Paulo Hucitec, 1989
Lévi-Strauss, C - Totemismo Hoje. Petrópolis, Vozes, 1975
Magnani, J.G.Cantor - Os Pedaços da Cidade. Relatório de Pesquisa, USP/CNPq, 1991
Magnani, J.G.Cantor. - Festa no Pedaço: Cultura Popular e Lazer na Cidade. São Paulo, Brasiliense, 1984
Santos. C. N. e Vogel, A. (coord) - Quando a rua vira casa. São Paulo, Projeto, 1985
Simmel, G. - A Metrópole e a vida mental. In Velho, O. G.(cord.), O Fenômeno Urbano. Rio de Janeiro, Ed. Guanabara, 1987
Velho, G. e Viveiros de Castro, E.B. - O Conceito de Cultura nas Sociedades Complexas: uma perspectiva antropológica, in Artefato, Conselho Estadual de Cultura, Ano I, n.1, Rio de Janeiro, janeiro de 1978
São Paulo, Setembro de 1993
José Guilherme Cantor Magnani
domingo, 15 de agosto de 2010
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