domingo, 15 de agosto de 2010

Magnani - A RUA ... (4 - FINAL)

Magnani - A RUA E A EVOLUÇÃO DA SOCIABILIDADE (4 - FINAL)
REVISTA DIGITAL DE ANTROPOLOGIA URBANA :::::: ISSN: 1806-0528


A RUA E A EVOLUÇÃO DA SOCIABILIDADE (3)

José Guilherme Cantor Magnani


Conclusão

Não se deve perder de vista o fato de as observações precedentes terem sido tiradas de duas pesquisas que, apesar de encadeadas por temática, orientação e metodologia, foram realizadas em contextos diferentes: as limitações de espaço não permitiram explicitar devidamente todas as pressuposições, passagens e mediações.

De qualquer maneira, o que se pretendia era mostrar que a metrópole - no caso, São Paulo - apesar de sua escala, diversidade e problemas comporta inúmeras e até mesmo surpreendentes formas através quais seus habitantes estabelecem vínculos entre si e com a cidade. Algumas dessas formas podem ser apreciadas em sua relação com o próprio espaço no qual ocorrem: são as experiências da rua, para recuperar um termo usado no texto.

Ademais, e contrariamente ao que pensa o senso comum, a cidade não se impõe de forma homogênea e absoluta sobre seus moradores. Há que se entender: não se trata de passar por alto ou minimizar as profundas contradições e perversidades do desenvolvimento urbano da metrópole paulistana. O que se propõe é apenas variar o ângulo, olhar desde outro lugar, apreciar a cidade do ponto de vista daqueles que, exatamente por causa da diversidade de seu modo de vida, se apropriam dela de forma também diferenciada.

Estas formas de apropriação não são o resultado de escolhas individuais, nem são aleatórias: são resultado de rotinas cotidianas - ditadas por injunções coletivas que regulam o trabalho, a devoção, a diversão, a convivência e que deixam suas marcas no mapa da cidade. O resultado é um desenho bastante particular e que se sobrepõe ao desenho oficial da cidade: às vezes rompe com ele, outras vezes o segue, outras ainda não tem alternativa senão adequar-se.

Pode-se afirmar que, entre os dois padrões paradigmáticos de apropriação do espaço - o privado e o público - existe uma gradação onde é possível distinguir inúmeros arranjos intermediários, escolhas reveladoras da dinâmica urbana: ora é o pedaço com sua lógica particularizante que agrupa os semelhantes e distingue claramente os "de fora"; ora é a mancha - mais ampla, com base não tanto nos signos diferenciadores mas na lógica territorial e que permite, por isso mesmo, encontros imprevistos mas desejáveis, propiciando toda espécie de trocas. Estabelecendo ligações entre uns e outras estão os trajetos que, através dos pórticos, também abrem passagens por espaços ainda não conquistados.

Como se pôde ver, de uma forma ou outra a rua e sua experiência estão vivas, assim como viva permanece, ao menos como ponto de referência, a "velha rua moderna", segundo a expressão usada por Berman para referir-se ao cenário da cena primordial.

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Bibliografia

Benjamin, W. - Paris, capital do século XIX e A Paris do Segundo Império em Baudelaire in Walter Benjamin, Kothe, F. (org.) São Paulo, Ática, 1985
Berman, M. - Tudo que é sólido desmancha no ar. São Paulo, Companhia das Letras, 1986
Chevalier, L. - Classes laborieuses et classes dangereuses. Paris, Pluriel, 1987
Da Matta, R. - A casa e a rua. São Paulo, Brasiliense, 1985
Da Matta, R. - O Ofício de Etnólogo ou Como ter Anthropological Blues, in Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. Rio, 1974
Geertz, C. - Local Knowledge. Basic Books, New York, 1983
Le Corbusier - A Carta de Atenas. São Paulo Hucitec, 1989
Lévi-Strauss, C - Totemismo Hoje. Petrópolis, Vozes, 1975
Magnani, J.G.Cantor - Os Pedaços da Cidade. Relatório de Pesquisa, USP/CNPq, 1991
Magnani, J.G.Cantor. - Festa no Pedaço: Cultura Popular e Lazer na Cidade. São Paulo, Brasiliense, 1984
Santos. C. N. e Vogel, A. (coord) - Quando a rua vira casa. São Paulo, Projeto, 1985
Simmel, G. - A Metrópole e a vida mental. In Velho, O. G.(cord.), O Fenômeno Urbano. Rio de Janeiro, Ed. Guanabara, 1987
Velho, G. e Viveiros de Castro, E.B. - O Conceito de Cultura nas Sociedades Complexas: uma perspectiva antropológica, in Artefato, Conselho Estadual de Cultura, Ano I, n.1, Rio de Janeiro, janeiro de 1978


São Paulo, Setembro de 1993
José Guilherme Cantor Magnani

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