sábado, 21 de agosto de 2010

MATINÉES CINÉFILAS - CRÔNICA DOMINICAL

CRÔNICA DOMINICAL DE 21 DE AGOSTO DE 2010

DOMINGO À TARDE, DIA DE MATINÉE NOS CINEMAS DO CENTRO ,


Não quero mais
Essas tardes mornais, normais
Não quero mais
Video-tapes, mormaço, março, abril
Eu quero pulgas mil na geral
Eu quero a geral
Eu quero ouvir gargalhada geral
Quero um lugar para mim, pra você
Na matiné do cinema Olympia
Tom Mix, Buck Jones
Tela e palco
Sorvetes e vedetes
Socos e coladas
Pernas e gatilhos
Atilhos e gargalhada geral
Do meio-dia até o amanhecer
Na matiné do cinema Olympia


(Caetano Veloso – “Cinema Olympia”)

Sou do tempo em que os domingos à tarde eram reservados para ir ao cinema. Sim, claro, no centro da cidade de Salvador; ou de algum bairro da capital baiana … como o Cine Roma, no bairro do mesmo nome, península de Itapagipe. No Cine Roma, vestido com a camisa (então)da moda, a “camisa volta ao mundo” (penso que a primeira a ser confeccionada com tecido sintético) assisti os primeiros shows (anos 60, século XX) de Raulzito e seus Panteras – o depois famoso e saudoso Raul Seixas.

Nessa época (anos 60, 70), lembro da rivalidade Cidade Alta X Cidade Baixa em Salvador. Essa rivalidade tinha várias caras. Uma delas, entre o Teatro Vila Velha (Cidade Alta) e o Cine Roma (Cidade Baixa). No Vila Velha, o público e os artistas (hoje famosos internacionalmente) ... aplaudindo e cantando MPB e músicas de protesto político; e, também, lançando as primeiras sementes do Tropicalismo e da Bossa Nova. Dos salões do Vila Velha e debruçados sobre a baía de Todos os Santos chamavam de "americanizados" e de "alienados" as pessoas e os cantores de Rock e de Jovem Guarda que lotavam o Cine Roma nas tardes dominicais; jovens "americanizados" e "alienados" que aplaudiam Valdir Serrão, o animador de programas de auditório da recém-nascida TV Itapuã, e Raulzito e os Panteras (depois conhecido como Raul Seixas).

Fosse onde fosse, Cidade Alta ou Cidade Baixa, dia de ir ao cinema era somente domingo à tarde; não tinha vez para outro dia e horário. Quando alguém dizia “fui (ou vou) a uma matinée” … não precisava perguntar o dia e a hora; pra bom entendedor só podia ser domingo à tarde.

Ainda não exisitiiam os shopping centeres (nem Iguatemi, nem Piedade, Center Lapa ...) com seus cinemas e suas vizinhas e cúmplices praças de alimentação. As “praças de alimentação” ficavam dentro do próprio salão de espera dos cinemas; ali mesmo, os balcões vendiam pipocas, doces, refrigerantes … com os quais podíamos entrar na sala de projeção. A sala de espera do Cine Tupi, na Baixa dos Sapateiros, era considerada uma das mais bonitas, pasmem!, da América do Sul.

Os cinemas do centro ficavam em prédios autónomos, soberbos em sua independência de qualquer equipamento de apoio. Como se estivéssemos ante o Tejo no poema de Alberto Caeiro/Fernando Pessoa, quem estava ao pé destes prédios estava só ao pé destes prédios cinemáticos; não necessariamente cinematográficois. Alguma pessoa podia estar até à espera de alguém - e sequer entrar no cinema - mas o que importava era que o encontro era marcado defronte do cinema, domingo à tarde.

Hoje, ao menos em Salvador, infelizmente não existe um só cinema de rua. Todos estão nos shopping centers de Salvador – cidade que,depois de São Paulo, talvez abrigue a maior quantidade destes ‘templos de consumo’ em todo o Brasil.

Nestes nosos dias de ira e de medo, quem está ao pé dos cinemas de shopping ninguém sabe se está só ao pé do cinema ou se está também ao pé (e à cadeira e mesa) da praça de alimentação. É preciso ver o cinéfilo entrar no cinema para sabermos que está indo, realmente, ao cinema. E olhe lá!

Domingo à tarde - todos e todas ao cinema. E isso era tão sagrado como a missa ou o culto na manhã desse mesmo dia da semana. Os cinemas localizados na Baixa dos Sapateiros (Jandaia – o meu preferido, Pax …) e o Cine Liceu na Praça da Sé, exibiam dois filmes (um deles de bang bang), eram duas sessões por um ingresso mais baixo (a metade) do que os (então) recém inaugurados e (então) modernos Cine Bahia, na Rua Carlos Gomes e Polytheama (ambos no centro) que exibiam apenas um filme … geralmente filme cult como dizemos hoje (2010).

"Marcelino Pão e Vinho", filme religioso católico, foi o primeiro que eu assistí. "Um homem, uma mulher" foi meu primeiro cult. O cinema?: Cine Bahia é claro!

Quando os cinemas de rua de Salvador já começavam a amargar a decadência e a morte (anos 70, 80), encontrei esse mesmo clima de matiné dominical ainda nos cinemas do centrão de São Paulo. Avenida São João, Ipiranga e vizinhanças. Jovens ... seus tênis caros e suas domingueiras de grife ao circular, entrando e saindo dos cinemas ...

A força da grana pode até estar erguendo e destruindo coisas belas em São Paulo e no Mundo. Mas muito da São Paulo da primeira metade do século passado, dos anos 60, 70 está preservado em plenas avenidas hipermodernas, centros financeiros internacionais

O comércio antigo de São Paulo - que chegou e se estabeleceu antes do Minhocão, dos shopping e do Metrô - ainda sobrevive. E vai mnuito bem, obrigado!

- O "Salão (barbearia) Phidias, Rua 24 de maio, nº 77, desde 1965, atendeu Jânio Quadros e os homens da família Safra.

- O "Posto Parker", 1951, que vendeu canetas-tinteiro ao ex-governador Carvalho Pinto.

- "Chapelaria Plas", desde 1954, Rua Augusta, 724. Começa a ser procurada pelo público jovem.

- "Botequim do Hugo", Rua Pedrosa Alvarenga, 1.014, sepre cheio desde 1927.


A cultura e o clima de matiné aos domingos ainda sobrevive em São Paulo em seus cinemas do centro. O centro de Salvador domingo à tarde, é uma cidade morta. E perigosa.

Amofinou-se a força da grana que ergueu tantas coisas belas: o prédio do Cine Jandaia e os casarões do bairro da Saúde são dois entre mil exemplos de abandono, em Salvador. É todo um passado recente que acabou como chegaram ao fim as moedas de ouro e a fortuna do filho pródigo da Bíblia.

Triste Bahia





Triste Bahia! Ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.
A ti trocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando, e tem trocado,
Tanto negócio e tanto negociante.
Deste em dar tanto açúcar excelente
Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote.
Oh se quisera Deus que de repente
Um dia amanheceras tão sisuda
Que fora de algodão o teu capote!


Gregório de Mattos, o “boca do inferno”, poeta baiano (1623-1696)

Nenhum comentário:

Postar um comentário