sábado, 26 de fevereiro de 2011

ZARATUSTRA: DA MONTANHA PARA A CIDADE (6)

ZARATUSTRA: DA MONTANHA PARA A CIDADE (6)

"Sem a música, a vida seria um erro"

(Nietzsche)

Vicente Deocleciano Moreira

Cadáver do saltibanco sobre os ombos, Zaratustra começa sua jornada, abandonando a cidade. Antes de dar cem passos, um homem lhe chegou subrepticiamente e lhe disse, ao ouvido, as seguintes palavras:

"Afasta-te dessa cidade, ó Zaratustra. Há aqui muita gente que te odeia. Os bons e os justos odeiam-te e dizem que és seu inimigo e os desprezas; os fiéia à verdadeira fé odeiam-te e dizem que és um perigo para o povo. Tiveste sorte em se terem rido de ti; e a verdade é que falaste como  um bobo. Tiveste sorte também  em te teres ligado a esse cão morto: ao rebaixara-te desse modo, salvaste-te por hoje. Mas afasta-te desta cidade - senão amanhã talvez pule por cima de ti, eu, vivo, por cima de um morto."

O homem - talvez dê para perceber - era o 'palhaço', o  qual, logo após as ameaças, desapareceu como por encanto. Ruelas sombrias testemunharam a marcha de Zaratustra que,  ao transpor as portas da cidade, teve o rosto iluminado pelos archotes de dois coveiros que dele zombaram e riram, a não poder mais:

"Vejam Zaratustra que leva este cão morto! Ainda bem que Zaratustra se fez coveiro! Sim, que nós não íamos sujar as mãos com semelhante animal. Com que então Zaratustra quer tirar a comida da boca do Diabo? Enfim, seja: muita coragem e bom apetite! Só esperamos que o Diabo não seja um ladrão mais astuto que Zaratustra!  É capaz de os levar aos dois, de os devorar a ambos!"

Os coveiros riam e cochichavam, enquanto Zaratustra prosseguia sua jornada que iria durar quatro horas - orientado pela luz das estrelas - entre bosques, animais selvagens, solidariedade de um velho solitário que lhe ofereceu pão e vinho ...

A alvorada surpreendeu Zaratustra numa floresta espessa, fechada, e sem nenhuma vereda. Colocou o falecido dentro do tronco oco de uma árvore; alí, o cadáver estava protegido contra o ataque  dos lobos e de outros animais.

Dormiu durante muito tempo, e - de repente - levantou exultante e confidenciou ao próprio coração:

"Deparou-se-me uma luz: tenho necessidade de companheiros vivos, não de companheiros mortos e de cadáveres que levo comigo para onde quero.
É de companheiros vivos que necessito, de compenhrios que me sigam porque desejarão seguir-me, e seguir-me para onde eu quero.
Deparou-se-me uma luz: não é à multidão que Zaratustra deve falar, mas a companheiros. Zaratustra não será nem pastor de um rebanho nem o cão de um pastor.
Vim para desviar do rebanho muitas ovelhas. É necessário que a multidão e o rebanho se irritem contra mim; Zaratustra quer que os pastores vejam nele um  ladrão.
(...)


(Amanhã, domingo, sétima e útlima postagem de ZARATUSTRA: DA MONTANHA PARA A CIDADE)


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