domingo, 20 de fevereiro de 2011

Debate: "O trem-bala deve ser construído?"

Nota do Blog:
Encerrando as postagens avulsas, dos últimos dias,  sobre transporte urbano, publicaremos dois artigos ... um contrário outro favorável ...  à construção do trem bala em São Paulo - Brasil)
Vicente


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[jornal  Folha de São Paulo. São Paulo (Brasil), 19 de fevereiro de 2011, p. A3 (Tendências/Debates)

NÃO
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Hoje,  projeto não é prioridade
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MANSUETO ALMEIDA

Não há dúvida de que é agradável viajar em trens de alta velocidade. Esse tipo de transporte é pouco poluente, rápido e confortável.

No entanto, sabe-se também que é ainda melhor morar em um país que possui escolas públicas de boa qualidade para qualquer criança, independente do local de nascimento ou do poder aquisitivo da família, como ocorre na Finlândia.

É também agradável morar em um país em que os hospitais são tão bons que não se sabe quais deles são públicos ou privados, como acontece na Alemanha.
O ideal seria morar em um país que possuísse boa infraestrutura, inclusive com disponibilidade de trens de alta velocidade, boas escolas, com professores capacitados, e excelente serviço de saúde pública.

Infelizmente, o Brasil ainda está longe de ser esse país; assim, não pode se dar ao luxo de embarcar em aventura de elevado custo, cujo retorno social é altamente incerto.
O projeto do trem-bala não é prioritário para um país que ainda sofre para melhorar a qualidade do seu ensino, melhorar os serviços de saúde e recuperar a infraestrutura que tira a competitividade do setor privado, devido à carência de investimentos em portos, aeroportos, energia e rodovias, como mostraram vários estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (comunicados nº 48, 50, 51, 52 e 54).

Projetos de trens de alta velocidade são caros em qualquer lugar do mundo, e o Brasil não é exceção. O projeto do trem-bala brasileiro está orçado em R$ 33 bilhões, mas nesse valor não está incluída a parcela de reserva de contingência para arcar com eventuais custos não programados do projeto.

Some-se a isso os fatos de o projeto envolver subsídios de até R$ 5 bilhões para as concessionárias e de a maior parcela do financiamento ser de recursos do BNDES, que não os tem e vai precisar de mais um empréstimo do Tesouro Nacional, como autorizado pela medida provisória nº 511, de 5 de novembro de 2010, que empresta R$ 20 bilhões para o BNDES financiar o projeto.

É bom olhar o exemplo dos casos dos trens de alta velocidade da Itália, que começaram como projetos de parceria público-privada e terminaram sendo absorvidos integralmente pelo setor público, devido a sucessivos aumentos no custo de tal projeto. Isso levou a um aumento da dívida pública e do deficit público em mais de um ponto percentual do PIB.

No Brasil, o custo do trem-bala é tão incerto que a medida provisória acima mencionada dá carta branca para que o ministro da Fazenda renegocie esse empréstimo para 20, 30, 40 anos ou mais para compatibilizar o fluxo caixa do banco ao financiamento do projeto.
Adicionalmente, o artigo 4º dessa mesma medida estabelece que, no caso de não pagamento, o BNDES será perdoado da dívida, que será arcada, integralmente, pelo Tesouro Nacional (leia-se nós, contribuintes).

Projeto de trens de alta velocidade têm elevado custo fiscal e não se sustentam sem elevados subsídios públicos. Esse não é um investimento prioritário para o Brasil neste e nos próximos anos, principalmente quando se reconhece que ainda precisamos avançar, além dos investimentos em saúde, educação e infraestrutura, na agenda de desoneração tributária da folha salarial e do investimento, que ainda não avançou por conta da impossibilidade de o governo abrir mão de receita fiscal.

Insistir no projeto do trem-bala é mais uma prova de que ainda sofremos um pouco da megalomania do "Brasil do futuro" da década de 70, que nos levou à década perdida.


MANSUETO ALMEIDA é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

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SIM
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O Brasil precisa e merece
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BERNARDO  FIGUEIREDO

O projeto do Trem de Alta Velocidade (TAV) ligando Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas foi incluído no PAC em janeiro de 2007, num momento em que se evidenciava a necessidade de intervir estruturalmente no equacionamento do transporte de passageiros, por causa da saturação da infraestrutura aeroportuária e rodoviária neste eixo que concentra boa parte da população e da renda nacional.

O TAV nessa distância é um concorrente implacável com os transportes aéreo e rodoviário. O mesmo não ocorre com trens de média velocidade, que também têm custos elevados de implantação, mas não são competitivos por causa do tempo maior das viagens.

A interligação dos aeroportos do Galeão, de Guarulhos e de Viracopos e destes com as regiões centrais do Rio e São Paulo permitirá a otimização do uso dessas infraestruturas e viabilizará a exploração da capacidade potencial de Viracopos. As alternativas que se apresentavam para esse corredor eram a construção de novos aeroportos e a de uma nova rodovia ligando o Rio a São Paulo, como chegou a ser proposto pelo governador de São Paulo na época.

Essas opções, além de não resolverem estruturalmente o problema, porque rapidamente estariam saturadas, implicavam graves custos ambientais e sociais, pelos efeitos negativos que o incremento do tráfego aéreo e rodoviário gera na qualidade de vida e no meio ambiente nos aglomerados urbanos.

Quantos aeroportos ainda podem ser construídos nas áreas urbanas do Rio de Janeiro e de São Paulo? Quantas rodovias ainda cabem no Vale do Paraíba?

O transporte ferroviário de alta velocidade é a solução tecnológica mais moderna, adotada mundialmente em função da qualidade dos serviços que oferece e de ser uma alternativa de transporte capaz de expandir sua capacidade com investimentos marginais.

O eixo Rio-São Paulo é considerado por especialistas internacionais como um caso típico em que se encontram todos os atributos necessários à implantação de trens de alta velocidade.

Os estudos técnicos do projeto foram feitos por especialistas reconhecidos internacionalmente e a modelagem de concessão adotada é inovadora, desafiante para os investidores e a que menos recursos públicos exige dentre as adotadas em todos os sistemas semelhantes.

As exigências de transferência de tecnologia garantem o domínio desse conhecimento pelo poder público e níveis crescentes de nacionalização da produção de equipamentos e sistemas.
Os custos do investimento dimensionados para o projeto exigem padrões elevados de competitividade dos fornecedores, especialmente do segmento de construção civil, e a modelagem da concessão garante que os impactos de eventuais aumentos nos custos do investimentos terão efeitos apenas na rentabilidade do capital dos investidores, majoritariamente privados. O projeto do TAV Rio-São Paulo-Campinas tem por objetivo oferecer um serviço de transporte de qualidade, seguro, confiável e sustentável à população da região.

O TAV não concorre com outras necessidades de investimento. O governo está construindo 5 mil km de ferrovias, um investimento inédito no país, e está apoiando todas as iniciativas estaduais e municipais de construção de sistemas urbanos de transporte de massa.

O fato de existirem outras carências na nossa infraestrutura de transportes não justifica negligenciar no atendimento às necessidades de transporte do maior aglomerado urbano do mundo. O Brasil precisa se atualizar tecnologicamente no transporte de passageiros, e Rio e São Paulo merecem um serviço de transporte à altura de sua importância.


BERNARDO FIGUEIREDO é diretor-geral da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres).


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