quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

ZARATUSTRA: DA MONTANHA PARA A CIDADE (4)

ZARATUSTRA: DA MONTANHA PARA A CIDADE (4)

"Amo aquele que da sua virtude faz a sua tendência e a sua fatalidade; é assim que, por amor da sua virtude,  ele quer, ao mesmo tempo, continuar vivo e deixar de viver.
Amo aquele que não quer ter demasiado virtudes. Uma virtude é mais virtude que duas, é um nó mais seguro a que o destino se prende"

(Zaratustra)


Vicente Deocleciano. Moreira

No lugar do equilibrista, um profeta ... ou o que o valha ... que aproveita a multidão na praça principal da cidade e começa sua pregação:


"Venho anunciar-vos o Super-homem"
(...)
"Eis que venho anunciar-vos o Super-homem.
O Super-homem é o sentido da terra. Que a vossa vontade diga: Possa o Super-homem tornar-se o sentido da terra!
Eu vos conjuro, ó meus irmãos, mantende-vos fiéis à terra e não acrediteis naqueles que vos falam de esperanças supraterrenas. Cientes disso ou não, são envenenadores" 
(...)
"Eis que venho anunciar-vos o Super-homem. É ele esse raio, é ele essa loucura"


Movido pela frustração (afinal, todos estavam a esperar um   equilibrista!) ou pela descrença no Superhomem propagandeado por Zaratustra, um homem do meio da multidão gritou:


"Já basta de falar desse saltibanco! Mostra-no-lo agora!


Ato contínuo as  pessoas, pensando que o Super-homem era o saltibanco que os arrancou de suas casas e qual esperavam com ansiedade, começaram a zombar de Zaratustra. O autêntico e tão aguardado saltibanco estava ali, fazia tempo, e ao ouvir a palavra saltibanco imaginou que o chamavam, que exigiam sua presença.  E começou imediatamente sua exibição.


Assustado, Zaratustra exclamou:

"O homem é uma corda estendida entre o animal e o Super-homem - uma corda por cima de um abismo.
Perigoso é atravessar o abismo - perigoso seguir esse caminho - perigoso olhar para trás - perigoso ser tomado de pavor e parar!
A grandeza do Homem está em ser ele uma ponte e não um final; o que podemos amar no Homem, é ser ele transição e naufrágio."

Zaratustra prosseguiu sua doutrinação, e teve como resposta um conjunto de provocações:

"Dá-nos esse Último Homem, ó Zaratustra!"

"Transforma-nos nesses Últimos Homens! E guarda para tí esse teu Super-homem!"

Todos, então, começaram a estalar a língua; e isso muito afligiu Zaratustra que disse, desde o mais fundo de seu coração:

"Não nos compreendem, não sou eu a boca que convém a esses ouvidos".

Espírito cheio de mágoa, Zaratustra continua a queixar-se de si para si:

"Demasiado foi o tempo que vivi na montanha, demasiado escutei os ribeiros e as árvores; agora, falo-lhes como se fala aos cabreiros.
A minha alma não está turva, mas clara como a montanha na madrugada. Porém, eles julgam-me frio, tomam-me por algum sinistro farsante.
E agora olham-me, trocistas; não contentes com a troça, ainda por cima me odeiam. Há gelo nas suas risadas"

Mas um acontecimento transformou, de repente,  a algazarra reinante  em silêncio sepulcral, em mudez coletiva.

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(Amanhã, sexta-feira, prosseguiremos)

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