Duelo de Compadres: Gil e Caetano discutem o Creative Commons – Folha de São Paulo


Abaixo reproduzo o artigo Duelo de compadres, publicado na Folha de São Paulo em 22/02/2010, com entrevistas de Gil e Caetano.

Em polos opostos , Caetano Veloso e Gilberto Gil encabeçam discussão sobre direito autoral que dividiu a MPB desde que o selo das licenças Creative Commons foi retirado do site do MinC.
Caetano Veloso no escritório de sua produtora, a Natasha Enterprises, no bairro da Gávea (RJ), na semana passada

MARCUS PRETO ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Caetano Veloso de um lado, Gilberto Gil do outro.Parceiros na criação do movimento tropicalista, em 1967, os dois acabaram se tornando, nas últimas semanas, símbolos da polarização de opiniões dos artistas da MPB na discussão em torno da lei de direito autoral.Em 20 de janeiro, a ministra Ana de Hollanda retirou o selo Creative Commons do site do MinC, colocado na gestão de Gil (2003-2008).As licenças Creative Commons tornam mais flexível o uso de obras artísticas (como liberação prévia para uso em blogs ou remixes), em contraposição ao “copyright” (no qual o artista precisa autorizar caso a caso).De um lado do ringue, Gil entende que as flexibilidades das licenças CC estão mais de acordo com a era digital, com o mundo pós-internet.Do outro lado, Caetano, apoiado pela maior parte dos compositores que entraram na discussão -Roberto Carlos, Joyce, Jorge Mautner e outros- se posicionou contra as CC, dizendo que “ninguém toca em um centavo dos meus direitos autorais”.Em seguida, Gil criticou os opositores às CC de não levarem o diálogo para “uma dimensão esclarecedora”.Procurado pela Folha no começo da semana passada, Caetano disse, por e-mail, que vestia a carapuça tecida pelo velho companheiro.”Visto. Mas não me causa incômodo”, disse. “Eu não teria tocado no tema se a discussão, que o ministério Gil trouxe para dentro da política oficial, não me parecesse atraente e inevitável.”

STATUS QUO

“Pois está na hora de ele tirar a carapuça”, rebateu Gil, na quarta-feira passada, depois de fazer um show para internet. “De encarapuçados não precisamos. Todos têm que estar com suas feições claras, nítidas, à mostra, dizendo o que acham.” E seguiu. “Foi sempre assim: os que defendem o novo têm que ter argumentos mais nítidos. Os que reagem, porque estão defendidos pelo status quo, não precisam disso, precisam apenas reagir.”A reportagem retomou o assunto com Caetano, no dia seguinte. O músico chamou a paixão de Gil pelos avanços tecnológicos de “um pouco fascinada demais, tendendo para deslumbrada”.”Gil escreveu [a canção] “Pela Internet”, mas, diferentemente de mim, não é uma pessoa de internet. Não é muito familiarizado, não anda muito nem no e-mail. Ele gosta mais é da ideia.”

MUDANÇA



Segundo Gil, “a vida anda, a fila anda”
DO ENVIADO AO RIO


A seguir, os principais trechos da entrevista com Gilberto Gil.

Folha – Os opositores a licenças mais flexíveis, como é o caso das Creative Commons, estão apenas adiando o inevitável?

Gilberto Gil – É assim. É natural. Quando [Johannes] Gutenberg inventou a imprensa, os copistas também se revoltaram. Mas não teve jeito. Era o imperativo tecnológico que veio e varreu as coisas.
 É mentira. Ao contrário, [as CC] vão dar autonomia aos criadores de determinar como, quando e quais usos serão feitos de suas canções, de seus textos, de sua dramaturgia. E que consequências esses usos podem ter para quem usa e para os próprios autores.E, vale lembrar, ninguém precisa usá-las se não quiser. As CC não são monopólio. Não está interessado em que você mesmo dê controle a suas obras? Prefere que isso se dê através de uma editora ou de uma gestão coletiva? Então fique com elas.
Os anti-CC argumentam que as licenças enfraquecem os direitos deles sobre a própria obra. Concorda?


O que é preciso fazer para iluminar essa discussão?


A discussão precisa subir de patamar. Os opositores precisam apresentar um set de argumentos válidos. Não podem vir com conversa fiada. Quem é contra tende a ter uma reação mais emocional, típica do reativo. Esse estágio precisa passar e todos devem convergir para uma discussão de o que significam essas coisas de fato. O que significa transformar, atualizar leis, hábitos e acessos a novas condições tecnológicas. A vida anda, a fila anda. (MP)

PERMANÊNCIA

Sobre arakinmonteiro

Sociólogo, doutorando em Ciências Sociais pela UNESP, com especialização em Sociologia do Trabalho.