"Ninguém pode construir em teu lugar as pontes que precisarás passar, para atravessar o rio da vida – ninguém, exceto tu, só tu. Existem, por certo, atalhos sem números, e pontes, e semideuses que se oferecerão para levar-te além do rio; mas isso te custaria a tua própria pessoa; tu te hipotecarias e te perderias. Existe no mundo um único caminho por onde só tu podes passar. Onde leva? Não perguntes, segue-o!"
(Nietzsche)
Vicente Deocleciano Moreira
É criação de Nietzsche o Zaratustra(*) sobre que, agora e doravante, estamos/estaremos a falar.
(Nietzsche)
Vicente Deocleciano Moreira
É criação de Nietzsche o Zaratustra(*) sobre que, agora e doravante, estamos/estaremos a falar.
Ao completar 30 anos, Zaratustra deixou sua pátria, e o lago desta, para viver solitário na montanha. Já vimos que é relativa a solidão do (único) ser falante: o humano; isto porque por mais que se isole das demais pessoas (como é o caso de Zaratustra antes da ida à cidade), dentro dele estarão presentes e lhe farão companhia, a linguagem, hábitos, crenças, idiomas e falares, visões de mundo, costumes etc. que o marcaram e lhe inauguraram a condição de ser humano. E Zaratustra já tem 30 anos quando decide trocar a cidade, as pessoas, pela montanha onde não estará assim tão só porque conta com a companhia de uma águia, uma serpente e, também, o sol, de quem ele se despede, liturgicamente, antes de descer a montanha, rumo à cidade:
"Ó grande astro! que felicidade poderia ser a tua se não tivesses aqueles a quem iluminar?
Há dez anos que sobes até minha caverna; estarias fatigado da tua luz e deste trajecto, se aqui não estivéssemos eu, a minha águia e a minha serpente ...
Deixando para trás a águia e a serpente, Zaratustra desceu a montanha e seguiu sozinho até que, em meio às árvores, encontrou um velho sabio que o aconselhou ou o adevertiu:
"Não vás junto dos homens, fica nos montes. Vai antes junto dos animais. Porque não queres ser como eu - urso entre os ursos, pássaro entre os pássaros?""
Segue-se um breve diálogo entre Zaratustra e o santo. Ao se despedirem - cada um pro e prol seu lado - riem "como duas crianças". Caminhando sempre na direção da cidade, Zaratustra entrega-se ao (antológico) solilóquio (nietzscheano) que lhe vem do fundo do coração:
"Será possível? Este velho santo na sua floresta não ouviu dizer ainda que Deus está morto!"
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Ora, se o santo está [isolado] na soledade de "sua floresta", tão só e distante de tudo e de todos ... a ponto de não ter ouvido dizer que "Deus está morto", a oposição convencional floresta X cidade(**) nos faz acreditar que foi a cidade, a arrogância racionalista e atéia da civilização urbana [e não a civilização rural], que "matou Deus". "Deus está morto, eu (cidade/Nietzsche) o matei!". Longe de ser uma conclusão ateista ou agnóstica, esta frase nietzscheana pode ser uma confissão cristã de culpa, de autocrítica, de autocondenação ... em que Nietzsche coloca sobre seus ombros a cruz e a culpa da humanidade e, em particular, de todo o Ocidente (de toda uma cidade?)
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(*)NIETZSCHE, Frederico - Assim falava Zaratustra: um livro para todos e para ninguém / Also Sprach Zaratustra: Ein Buch für Alle und Keinen / Trad.Carlos Grifo Babo. Lisboa, Editorial Presença, 1974. 351 p.
(**)
"Quero uma estrada que leve à verdade/ Quero a floresta em lugar da cidade" - "Quero" - Thomas Roth.
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(amanhã, quarta-feira, continuamos)
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"Quero uma estrada que leve à verdade/ Quero a floresta em lugar da cidade" - "Quero" - Thomas Roth.
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(amanhã, quarta-feira, continuamos)
Muito interessante e original sua ideia de sentimento de culpa de Nietzsche por ter matado Deus! A cidade, construção do homem, realmente afasta o homem do templo da natureza, esse divino.
ResponderExcluirParabéns!