segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

GEY ESPINHEIRA - SOCIOLOGIA DA DELINQUENCIA (6 - FINAL)

GEY ESPINHEIRA - SOCIOLOGIA DA DELINQUENCIA (6 - FINAL) 

 

7.VIOLÊNCIA NA VIDA COTIDIANA: O LUGAR EM QUE SE MORRE

A região da cidade do Salvador do Subúrbio é uma das que apresentam os maiores índices de registros policiais de assassinatos ao longo dos anos. É importante salientar que a violência pode estar associada a determinadas pessoas ou grupos que durante algum tempo inquietam um bairro ou uma área da cidade e isso é visto como um “caso de polícia”, ou seja, desde que aquelas pessoas ou grupos sejam reprimidos a violência por eles desencadeada cede lugar à tranqüilidade, à vida normal, como se supõe que assim deva ser a vida em comunidade. Em outros lugares, entretanto, a violência tem uma duração longa e parece não poder ser relacionada com identidades pessoais, mas com condições sociais, ou seja, é despersonalizada, anônima e difusa. Os atores da violência se sucedem, são os filhos da vida madrasta, feitos heróis a valer, destituídos de tudo!

“Eu chego por volta das onze e meia da noite, escolho a rua mais movimentada, mas todas elas estão desertas a esta hora. Vou por uma que menos corra risco, mas todas são perigosas. É assim de segunda a sexta-feira” (depoimento de uma estudante).

Quando a violência se torna modo de ser, um ethos, ela é transmitida às novas gerações e assim, como um fluxo constante, marca o cotidiano de vida de uma comunidade. No mosaico do projeto Subúrbio há diferenças entre as diversas configurações que o compõem, de modo que não se pode falar genericamente, mas, por outro lado, deve-se reconhecer que a violência pode ocorrer em surtos nos lugares considerados mais tranqüilos. O que importa ressaltar é que a sociedade seleciona pessoas, umas são incluídas das mais diversas maneiras, outras excluídas e outras tantas eliminadas por não cumprirem os papéis que a sociedade exige delas, ou porque transpõem os limites da tolerabilidade institucionalizada.
Quando se fala na inclusão ou exclusão, também há que se falar em meios para que a inclusão se dê, por exemplo, o capital familial que vai permitir às novas gerações posições bem definidas no contexto social. A educação é um meio e ao mesmo tempo prática constante de socialização que permite aos indivíduos ingressarem na ordem social hierarquizada. A escola, como ressalta Bourdieu (1996), não apenas transmite conhecimentos, como também credencia as pessoas com o diploma, dá status e passaporte para diversas posições sociais e papéis que dependem de um determinado título.
Os pré-requisitos sociais são importantes para o itinerário de vida das pessoas. O não preenchimento de um conjunto de condições previamente exigidas para que outras, de hierarquia superior, possam ser alcançadas desqualificam os indivíduos não possuidores desses antecedentes. Em desvantagem social, esses indivíduos se vêem desfalcados e com dificuldades de competir socialmente. É o caso dos jovens pobres, sem formação educacional suficiente, sobretudo porque a sociedade não oferece a eles uma educação capaz de ajudá-los em suas dificuldades pessoais e familiares, mas um simulacro de aprendizagem que preenche a função social da socialização externa à família, mas com baixo nível de aprendizagem e formação para a vida social.
O tempo nos limita, a vida é homeopática e esta é uma dose inicial. Os que tiverem boa-fé continuem a refletir, mais logo e sempre, exercício permanente de construir o mundo tal como o desejamos, para a nossa sede, o nosso apetite, para o nosso tempo, para a nossa vida, e assimilemos o que nos diz o poeta T.S.Eliot: “e tudo é sempre agora”. Que o nosso país nos seja o país do presente e para cada um de nós um presente Brasil para a nossa satisfação.



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