domingo, 4 de julho de 2010

CRÔNICA DOMINICAL - “DOMINGUEIRAS”, “DE VER DEUS”

CRÔNICA DOMINICAL – 4 de julho de 2010
ROUPAS “DOMINGUEIRAS” E ROUPAS “DE VER DEUS”

Sou do tempo em que, em Salvador (Bahia – Brasil), as pessoas vestiam sua melhor roupa (não lembro se havia no dicionário aportuguesado da vida ordinária a palavra “grife”) para ir à Rua Chile (centro de Salvador). Essa ordem resistiu até os anos 60/70 (século XX). Comprar nas lojas – quase todas “chiques”, luxuosas e caras – da Rua Chile era possível para alguns apenas. Mas, mesmo quando qualquer mortal ia somente passar (ou no máximo passear) por essa rua, o costume era vestir a melhor roupa a fim de não “passar por vergonha” ou “não fazer ave de si para que outros atirassem”. A roupa de ir à Rua Chile era, para a maioria dos soteropolitanos (pessoas que nascem em Salvador) a mesma “domingueira” ou a “roupa de ver Deus”.

Nem sempre a “domingueira” era a mesma “roupa de ver Deus” – a não ser que a pessoa não pudesse se dar ao luxo de ter as duas tipologias da melhor roupa de seu armário ou do baú. O armário embutido nasceu no final da década de 60 ... ao menos em Salvador. Na impossibilidade de ter ambos os tipos de roupa e de sapatos, era inevitável unir numa só roupa o profano (“domingueira”) e o sagrado (“roupa de ver Deus”).

Exceções à parte, o esperado era que a “domingueira” fosse utilizada em passeios pelo centro da cidade, aos domingo: ninguém suspeitava que passear no centro das cidades, principalmente aos domingos, iria tornar-se tão perigoso quanto desaconselhável meio século depois. Vestia-se a “domingueira” também para visitar parentes, amigos, ir a parques de diversões ao ar livre; depois, o ar ficou “preso” nas ruas e praças dos shopping centers.

A “roupa de ver Deus” era a vestimenta repetida,a cada domingo, nas missas católicas e nos cultos evangélicos em geral. Era preciso estar especialmente vestido para “ver Deus” ... não com roupas luxuosas e ostensivas embora respeitosas. Estando limpa e bem “engomada”, a roupa "domingueira" - acreditava-se - agradava aos/os olhos de Deus.

Andei freqüentando missas e cultos, em alguns domingos, para fazer esta crônica, e não observei o uso de roupas ostensivamente sofisticadas. Observei também diversos shopping centers, sábados e domingos à tarde, também não vi – no geral – grandes ostentações, tanto que pessoas trajando roupas visivelmente caras e ao mesmo tempo elegantes chamaram a atenção de todos e entravam e saíam das lojas mais caras e sofisticadas.

Encontros internacionais de adventistas têm momento especial aos sábados, quando os fiéis aguardam (para esse dia) a vinda de Jesus Cristo. Nesses encontros, comumente realizados em estádios esportivos ou equipamentos de igual oferta de assentos e de espaços, atrai a curiosidade geral o modo elegante, sofisticado até, de como os fiéis estão vestidos. É preciso estar bem vestido para receber Cristo.

Aos domingos, observo a maneira como famílias inteiras saem às ruas e batem às portas a fim de pregar a palavras de Deus, através da Bíblia, evangelizar, distribuir revistas e jornais da instituição. Quando essas pessoas não estão usando ‘uniformes’ identificadores daquele grupo religioso, estão vestidos ... os homens (e às vezes as crianças) de terno ou de palitó, sapatos lustrosos, as mulheres usando longos ou saias cumpridas (cobrindo joelhos e meio das pernas), cores discretas. Em muitos casos dá pra notar, facilmente, que os tecidos (de ternos, vestidos, saias, calças) não são muito caros e trazem as marcas e as tonalidades do uso freqüente. Mas a elegância nem por isso fica prejudicada.

Há, sempre aos domingos, pastores e obreiros que vestem camisa social, mangas compridas, calças vincadas e bem caídas. Tudo para “ver Deus”.

Fora dos espaços sagrados, não sei se as roupas do domingo ainda têm tanto prestígio como outrora.Talvez o uso dos jeans - de segunda a domingo - tenha ajudado a massificar, a banalizar, o traje contemporâneo; a ponto de esse tipo de roupa (com ou sem grife) resolver, de modo bastante pragmático, as dificuldades e hesitações do que vestir aos domingos. Não estou seguro de que a maioria das pessoas, hoje em dia, tenham em seu guarda roupas, vestes separadas não exatamente para uso em dias de festa ou para ir a algum restaurante ou barzinho, mas para vestir aos domingos, sempre aos domingos.

2 comentários:

  1. Ótima crônica, parabéns! Chequei aqui porque estou escrevendo uma música e não sei se uso "Roupa de Domingo" ou "Domingueira", qual você usaria?

    ResponderExcluir