terça-feira, 13 de julho de 2010

A ALMA ... (8 ) – “Cena de sangue num bar da Av. São João “

A ALMA ... (8 ) – “Cena de sangue num bar da Av. São João “

A ALMA NOTURNA DA CIDADE (8 ) - “Cena de sangue num bar da Av. São João “


NOTURNOS DESENCONTROS AMOROSOS


"De noite eu rondo a cidade

A te procurar sem encontrar

No meio de olhares espio em todos os bares

Você não está

Volto pra casa abatida

Desencantada da vida

O sonho alegria me dá

Nele você está

Ah, se eu tivesse quem bem me quisesse

Esse alguém me diria

Desiste, esta busca é inútil

Eu não desistia

Porém, com perfeita paciência

Volto a te buscar

Hei de encontrar

Bebendo com outras mulheres

Rolando um dadinho

Jogando bilhar

E neste dia então

Vai dar na primeira edição

Cena de sangue num bar

Da avenida São João
"

(Paulo Vanzolino – “Ronda”)



Vicente Deocleciano Moreira

vicentedeocleciano@yahoo.com.br

vicentedeocleciano@gmail.com





Vou iniciar esta aligeirada crônica com os versos de outro poeta: Vinicius de Moraes (fragmento de “Samba da Bênção”):

“(...)

A vida não é brincadeira, amigo

A vida é arte do encontro

Embora haja tanto desencontro pela vida

Há sempre uma mulher à sua espera

Com os olhos cheios de carinho

E as mãos cheias de perdão (...)"



“RONDA”, composição (de 1953) de Paulo Vanzolini fala da situação existencial e, no caso, afetiva/amorosa, de quem procura e do não encontrar o que se está procurando. Uma situação que contraria a arte da vida que é, segundo Vinicius de Moraes, a “arte do encontro”. Só que isto é a regra; e como toda regra tem sua exceção (caso contrário não se trata de regra), a exceção é o desencontro. O sujeito lírico de “Ronda” mergulhou de cabeça nesta exceção com toda a teimosia que o caso requer e, talvez, exija. Ele(a) não encontrou seu amor fugitivo, fugidio.


Porém quando é o ser humano que procura ele encontra o que está procurando mesmo sem tê-lo encontrado, sem ter encontrado a coisa ou a pessoa procurada. Os outros animais, ao procurar alguma coisa, algum alimento, alguma caça, só encontra esse alimento ou essa caça quando os encontra. O humano só procura o que já encontrou, isto porque a coisa ou a pessoa procurada tem a imagem projetada pelo/no seu cérebro, na sua memória; o humano sabe como é a coisa ou as feições da pessoa ... está tudo na sua mente racional. Por isso é que estamos dizendo que o ser humano só procura o que já encontrou ... mesmo que a coisa ou a pessoa procurada/encontrada esteja somente em sua memória.

Há um repetido e surrado exemplo que é o seguinte: o que a abelha mais inteligente ser 'pior' (menos inteligente) do que o 'pior' (menos inteligente) arquiteto é que, este último já traz a casa "pronta" na "cabeça", na imaginação, antes mesmo de concluir o projeto que está traçando sobre a prancheta. E isto não acontece com a abelha.


Deixando um pouco as reflexões filosóficas, vamos rondar a “Ronda” de Vanzolini. Paulo Emílio Vanzolini nasceu em São Paulo em 24 de abril de 1924. Compôs também “Volta por cima”, mas parece ter sido “Ronda” seu maior sucesso, o qual foi inspirado nas situações dramático-afetivas que presenciou em boates de São Paulo quando, soldado, servia o Exército (1940) na Companhia de Polícia e fazia rondas noturnas nestes estabelecimentos na busca de soldados ‘desgarrados”.

Vanzolini, único compositor da Velha Guarda que realmente era Doutor, formou-se em Medicina e fez Doutorado na Universidade de Harward (Estados Unidos). Ingressou na USP (Universidade de São Paulo) como pesquisador do Museu de Zoologia (do qual foi diretor durante 25 anos). Foi um doa zoólogos mais respeitados do mundo.

Quem conhece a Avenida São João (São Paulo), à noite, altas horas da madrugada, conclui facilmente tratar-se do cenário perfeito para a cena em que, de bar em bar, o sujeito lírico procura o(a) amado(a) olha todo(a)s e é olhado(a) por todo(a)s – troca de olhares curiosos. Frustrado retorna à casa, sonha com seu “objeto” de desejo. E isto corresponde a um certo conforto pois no sonho é o único lugar em que ele(a) está. Contra todos os conselhos e sugestões de desistência e depois de (mais) uma noite de “mãos vazias”, a esperança volta a nascer:

"Porém, com perfeita paciência

Volto a te buscar

Hei de encontrar

Bebendo com outras mulheres

Rolando um dadinho

Jogando bilhar

E neste dia então

Vai dar na primeira edição

Cena de sangue num bar

Da avenida São João"


Uma esperança temperada com tragédia:


"Hei de encontrar

Bebendo com outras mulheres

Rolando um dadinho

Jogando bilhar (...)
"


“... cena de sangue num bar da Avenida São João” ... bem ao gosto de uma certa imprensa sensacionalista, dessa cujo jornal – como se diz jocosamente – se espremer pinga sangue.

Retomando a reflexão presente em postagens anteriores da série A ALMA NOUTURNA DA CIDADE, vale repetir que a vida noturna não é apenas vivida e tecida pelos ricos, pessoas elegantes, bem nascidas ou bem instruídas em seus bairros e bares/restaurantes da moda. A vida noturna de uma cuidade é também a noite nas ruas e praças do “centro antigo” de uma cidade.

E a Avenida São João, principalmente quando cruza com a Ipiranga (Caetano Veloso – ”Sampa”) é a alma noturna, democrática boêmia e noctívaga da capital paulista.

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