domingo, 8 de maio de 2011

TEMPOESIA NAS CIDADES - EURICO ALVES

TEMPOESIA NAS CIDADES - POSTAGENS DOMINICAIS DE POESIAS QUE EXIBAM  ALGUM DESTAQUE À CIDADE





CANÇÃO MELANCÓLICA

Eurico Alves

Agora, sobre a vila, há uma doçura casta,
na conversa banal das meninas à janela,
pondo uma nota de melancolia na hora mansa.

A melancolia da vilazinha absorta, sem vaidade...

Melancolia das ruas vazias, das praças ermas e nuas,
quando o sol é como um vinho velho para o meu paladar
e o riso das crianças, na tarde, lembra rosas orvalhadas
e se desprende este cheiro ingênuo de vestidos engomados
dos grupos de moças nas janelas discretas...

As andorinhas estão tecendo redes para a noite dormir.

Melancolia da tarde, quando passam crianças despreocupadas,
cheirando a água de chuva e sabonete barato,
após o banho vesperal...
Melancolia da tarde cheia de adolescentes que se benzem e  rezam,
ao dobre sonâmbulo do sino...
Eu devia ser puro assim e ter a coragem clínica de rezar, ao crepúsculo.

Melancolia dos senhores cansados com modestos pacotes de massa,
indo para a casa, onde tirarão o casaco, imediatamente,
arregaçarão as mangas da camisa
e terão um suspiro de alívio e de cansaço...

Melancolia das mesas postas nas salas em penumbra
e das donas de casa ainda de óculos, costurando...
    
Melancolia da vila sem nenhuma sombra de maldade...

A noite desce. Passam agora mulheres pintadas de crepúsculos.
Quanta pureza! Até o pecado é puro na vila sossegada.
Serei, por acaso, o único mau na vila?
Melancolia dos crepúsculos doces, quando há uma lágrima
e um romance humilde numa canção sentimental...
Melancolia dos cumprimentos educados, infalíveis:
- Boa noite, Dr.,  - Boa noite... - Até amanhã.
Até amanhã para começar tudo de novo,
esta deliciosa melancolia de viver na vilazinha.

Em mim, esta melancolia se espalha
como o rumor de uma canção contada por mulher,
ou a doçura de um beijo ardente sobre os lábios...

A melancolia da vila sem nenhuma da vila sem nenhum vislumbre de maldade...

Capivari, 12 de abril de 1935.                                                                                            
(In:ALVES,Eurico.Poesias. Salvador: Fundação das Artes/EGBA, 1990, p.131-132)    


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