TEMPOESIA NAS CIDADES - POSTAGENS DOMINICAIS DE POESIAS QUE EXIBAM ALGUM DESTAQUE À CIDADE
CANÇÃO MELANCÓLICA
Eurico Alves
Agora, sobre a vila, há uma doçura casta,
na conversa banal das meninas à janela,
pondo uma nota de melancolia na hora mansa.
A melancolia da vilazinha absorta, sem vaidade...
Melancolia das ruas vazias, das praças ermas e nuas,
quando o sol é como um vinho velho para o meu paladar
e o riso das crianças, na tarde, lembra rosas orvalhadas
e se desprende este cheiro ingênuo de vestidos engomados
dos grupos de moças nas janelas discretas...
As andorinhas estão tecendo redes para a noite dormir.
Melancolia da tarde, quando passam crianças despreocupadas,
cheirando a água de chuva e sabonete barato,
após o banho vesperal...
Melancolia da tarde cheia de adolescentes que se benzem e rezam,
ao dobre sonâmbulo do sino...
Eu devia ser puro assim e ter a coragem clínica de rezar, ao crepúsculo.
Melancolia dos senhores cansados com modestos pacotes de massa,
indo para a casa, onde tirarão o casaco, imediatamente,
arregaçarão as mangas da camisa
e terão um suspiro de alívio e de cansaço...
Melancolia das mesas postas nas salas em penumbra
e das donas de casa ainda de óculos, costurando...
Melancolia da vila sem nenhuma sombra de maldade...
A noite desce. Passam agora mulheres pintadas de crepúsculos.
Quanta pureza! Até o pecado é puro na vila sossegada.
Serei, por acaso, o único mau na vila?
Melancolia dos crepúsculos doces, quando há uma lágrima
e um romance humilde numa canção sentimental...
Melancolia dos cumprimentos educados, infalíveis:
- Boa noite, Dr., - Boa noite... - Até amanhã.
Até amanhã para começar tudo de novo,
esta deliciosa melancolia de viver na vilazinha.
Em mim, esta melancolia se espalha
como o rumor de uma canção contada por mulher,
ou a doçura de um beijo ardente sobre os lábios...
A melancolia da vila sem nenhuma da vila sem nenhum vislumbre de maldade...
Capivari, 12 de abril de 1935.
(In:ALVES,Eurico.Poesias. Salvador: Fundação das Artes/EGBA, 1990, p.131-132)
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