domingo, 15 de maio de 2011

EMCONTO COM A CIDADE - VICENTE D MOREIRA



EMCONTO COM AS CIDADES - 
POSTAGENS DOMINICAIS DE CONTOS 
QUE EXIBAM ALGUM DESTAQUE À CIDADE

UMA  BOA AÇÃO


Vicente Deocleciano Moreira

Quando um comerciante como eu, que já tem dezenas de janeiros nas costas só aqui  na 25 de Março,  consegue guardar  na memória um rosto em meio a milhares que todos os dias olham a vitrine da loja, é porque esse rosto, além de comparecer do outro lado da vitrine todos os dias e várias horas por dia, tem qualquer coisa de estranho ... alguma doença .. algo de melancólico ... de mãos finas e ossudas de tão acostumadas com a solidão e com  a indiferença de outras mãos.

O rosto era de um rapaz já entrando na casa dos trinta anos. Mas o que me fez guardar na memória, com mais força,  a fisionomia pálida daquele rapaz foi seu hábito de olhar -  sempre e de modo fixo – para uma mesma manequim feminino, cuja roupa eu trocava duas a três vezes por semana e ele não tirava os olhos da boneca; daquela boneca com intensa exclusividade, cega fidelidade.  Muito bonita por sinal.


O rapaz nada  dizia,  nada pedia, nem entrava na loja. Apertava as mãos  uma contra a outra e, dava pra notar,  com bastante força. Bem, tudo sempre tem uma primeira vez. Começou tímido, depois submisso e, questão de dias, tornou-se irreconhecível na agressividade com a tamanha insistência com que me pedia para lhe vendesse a manequim e com a oferta de  dinheiro, cada vez mais dinheiro.

 Bem, quem é comerciante haverá de me entender melhor; a verdade é que terminei vendendo a manequim por um preço muito bom, tão bom que me permitiu comprar  mais três. Imagina se eu não ia querer ganhar o  dinheiro daquele maluco !!!

Imaginei  coisas e, por imaginar coisas,   fiquei um pouco arrependido de ter vendido a manequim. Até que parei de imaginar coisas sobre as razões que levariam o rapaz a comprar a manequim; parei porque concluí que se continuasse a me preocupar poderia estar pecando contra as leis de Deus,  tanto quanto ele.

O moço desapareceu depois da esquisita transação comercial. Não me lembro  quanto tempo se passou desde então – só sei que já tinha esquecido de tudo o que  aconteceu quando ele reapareceu na loja. Entrou depressa  e me deu uma abraço como só um filho pode abraçar um pai. Fiquei confuso, não entendi  nada até a reconhecer o rapaz depois de alguma  demora. Foi difícil acreditar, mas o rosto do rapaz estava cheio de luz, alegria transbordante, rosto corado e todo sorrisos  ... felicidade  de um noivo em lua-de-mel.

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