quinta-feira, 5 de maio de 2011

BRENER - A CIDADE ... DE RUBENS FONSECA (3 - final)

REPRESENTAÇÃO DA CIDADE NOS CONTOS DE RUBEM
FONSECA (3 - final)

Fernanda Machado BRENER (UEL)
ISBN: 978-85-99680-05-6

REFERÊNCIA:

BRENER, Fernanda Machado. A representação da
cidade nos contos de Rubem Fonseca. In: CELLI –
COLÓQUIO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E
LITERÁRIOS. 3, 2007, Maringá. Anais... Maringá,
2009, p. 364-371.

(final)

O narrador está aterrorizado por aquele indivíduo que percorre as ruas a seu lado. As ruas não são seguras. Diferente de Augusto, o personagem andarilho de A Arte de andar nas ruas do Rio de Janeiro , ele deseja não ter que enxergar aquele indivíduo, não possui a “arte” da observação. “Eu não queria mais ver aquele sujeito, que culpa eu tinha de ele ser pobre?” (p. 41). A convivência é insuportável para este personagem e à proporção que seu medo cresce a imagem que faz do pedinte se avulta. “Ele era mais alto do que eu, forte e ameaçador” (p.41). A tensão se torna incontrolável e conduz á um desfecho violento. E é só quando recobra o controle da situação que o narrador vê a real fisionomia de seu oponente.

“Ele caiu no chão, então vi que era um menino franzino, de espinhas
no rosto e de uma palidez tão grande que nem mesmo o sangue, que
foi cobrindo sua face, conseguiu esconder”. (O outro, p.42)

4. A NOSTALGIA

A cidade de Rubem Fonseca está marcada pela transformações impostas pelo progresso. O crescimento urbano é impulsionado pelo interesse financeiro, o pensamento capitalista dá forma e funcionalidade às ruas, edifícios e ações das pessoas.

A cidade constitui assim um organismo em permanente mutação em favor do crescimento econômico. Antigos edifícios dão lugar às novas necessidades da vida moderna, o progresso recusa a tradição. Neste processo, o centro da cidade, principalmente o centro do Rio de Janeiro, tornou-se um lugar de não permanência, de passagem. Já não há mais residências, somente empreendimentos. Os moradores que resistem constituem um grupo decadente e rechaçado.

Augusto, de A Arte de andar nas ruas do Rio de Janeiro, procura recuperar nas ruas do centro as memórias perdidas de sua infância, da casa do avô e de fachadas familiares. A cidade transforma-se em seu objeto de desejo (GOMES, 1994, p.154) e ele almeja unir-se a ela. Em suas caminhadas estabelece um mapa afetivo da cidade, repleto de conexões significativas, “quer encontrar uma arte e uma filosofia peripatéticas que o ajudem a estabelecer uma melhor comunhão com a cidade.” (A Arte de andar nas ruas do Rio de Janeiro, 1994, p. 600). Metaforicamente ele tenta se unir às árvores do Campo de Santana a procura de suas raízes profundamente fincadas naquele solo.

Porém, apesar de transitar entre seus ocupantes ele não pertence àquele lugar, seus verdadeiros habitantes são os excluídos, aqueles que fazem das calçadas e marquises suas casas. O catador de papel Benvides, resume sua posição quando ameaçado de ser expulso de sua calçada,

“Não quero sair daqui, (...) E eu estou aqui há dois anos, o que
significa que ninguém vai mexer com a nossa casa, faz parte do
ambiente, entendeu?” (A Arte de andar nas ruas do Rio de Janeiro,
1994, p. 614)

O que resta é a nostálgica sensação de que a cidade do passado era mais romântica, mais humana, e formava uma comunidade no sentido mais verdadeiro da palavra. Já Oduvaldo, o narrador do conto Família é uma merda, estabelece uma relação diferenciada com seu bairro, Santo Cristo, localizado no centro velho do Rio de Janeiro.

O narrador se reconhece na cidade e sente-se inserido na comunidade. Seu bairro ainda mantém a sensação de continuidade e preservação, da comunhão almejada por Augusto. Oduvaldo não cobiça nada da vida da classe média alta da zona sul carioca, nem mesmo a praia. A namorada que se mudou para a Barra deixa de ser interessante. Reconhece nos edifícios sua própria história,e estabelece sua cartografia afetiva, por isso o bairro é ‘perfeito’.

‘Santo Cristo é um lugar perfeito, nasci e me criei lá, não tem boteco,
loja, oficina, casa que eu não conheça, pelo menos por fora. Sei onde
se pode comer uma boa gororoba, claro que o melhor lugar é o
restaurante do meu irmão. Santo Cristo é um paraíso, eu podia passar
a vida sem sair do bairro nem pra ir à praia.” (Família é uma merda,
p.32).

A cidade de Rubem Fonseca assume diversas formas, mas principalmente as da violência que atravessam a sociedade, da segregação e degradação tanto social quanto espacial. Assume ainda as formas da tristeza pela perda da comunhão entre os habitantes, a falência afetiva, representada pelo anonimato conferido pela multidão e a indiferença. Porta-voz dos personagens invisíveis que habitam as cidades, o contista vai revelando ao leitor, numa linguagem por vezes brutal, imagens de uma cidade multifaceta cuja realidade se mostra implacável.

“Raimundo treme convulsivamente e cai, desmaiado. Fica estendido
por algum tempo com a cara na sarjeta, molhado pela forte chuva,
uma espuma branca escorrendo do canto da boca, sem despertar
atenção das almas cariocas, da polícia ou dos transeuntes em geral. (A
Arte de andar nas ruas do Rio de Janeiro, 1994, p.621)

Contudo, por mais cruéis que possam parecer, os personagens são capazes de momentos de humanidade e sensibilidade, o delegado Vilela é uma pessoa sensível que lê poesias ou a prostituta Kelly que se preocupa em alimentar os ratos e trata o Velho com respeito. O choque mais bárbaro está presente no encontro entre classes socioculturais distintas, em sua incapacidade de conviver com a alteridade.

Denunciando a cidade desumana, talvez consiga construir, mesmo que não materialmente, uma cidade cujo coração de concreto não martirize nem seja martirizado
por seus habitantes.

REFERÊNCIAS

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romance policial de Leo Malet. 2004. Dissertação (Mestrado em Sociologia e
Antropologia) UFRS/IFCS - Rio de Janeiro.
ABREU, Jean Luiz Neves. O flâneur e a cidade na literatura brasileira: proposta de uma
leitura benjaminiana. Mneme – Revista Virtual de Humanidades, n.10, v.5, abr./jun.
2004. Disponível em http://www.seol.com.br/mneme
CORTÁZAR, Júlio. Valise de Cronópio. Trad. Davi Arrigucci Jr. e João Alexandre
Barbosa. São Paulo: Perspectiva, 1993.
FONSECA, Rubem. Contos Reunidos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
______. Rubem. “O outro”. In: Contos pra um Natal brasileiro. Rio de janeiro:
Relume-Dumará: IBASE, 1996.
______. Rubem. Pequenas Criaturas. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
GIL, Fernando C. O prazer na morte: a poética da destrutividade em Rubem Fonseca.
Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, Brasília, n. 23, jan./jun. 2004.
GINZBURG, Jaime. Violência e Literatura; notas sobre Dalton Trevisan e Rubem
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GOMES, Renato Cordeiro.”Representações da cidade na narrativa brasileira pósmoderna:
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MAIOLINO, Ana Lúcia G.; MANCEBO, Deise. Territórios urbanos: espaço, indivíduo
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WALLY, Ivete L. Camargos. Leitura literária em tempos de crise. Scripta, Belo
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