sábado, 14 de maio de 2011

A CIDADE COMO ARTE DO ENCONTRO ... (4)

A CIDADE COMO ARTE DO ENCONTRO, EMBORA HAJA TANTO DESENCONTRO PELA CIDADE (4)

“A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida. É preciso encontrar as coisas certas da vida, para que ela tenha o sentido que se deseja. Assim, a escolha de uma profissão também é a arte do encontro, porque a vida só adquire vida, quando a gente empresta a nossa vida, para o resto da vida.”
(Vinicius de Moraes)


    (Descendo a Rua da Consolação, centro de São Paulo (SP) - Brasil)

SIMPLESMENTE

Samuel Rosa  e  Chico Amaral

Simplesmente posso esperar
Aqui por você, uma eternidade
Uma tarde inteira
Simplesmente posso encontrar
Qualquer distração, ruas da cidade
Restos de uma feira

Tomo um atalho lá
Só pra te perder
Enquanto olho os aviões
Nada tremeu no ar
Não vi nem um sinal
Simplesmente eu posso esperar

Simplesmente posso esquecer
Da guerra ou da paz
Uma eternidade, uma tarde inteira
Calmamente posso contar
As nuvens no céu
Rostos na vidraça, flores nessa praça
Desço a Consolação só pra coincidir
Leio manchetes por aí
Nada tremeu no ar
Não vi nem um sinal
Mesmo assim eu posso esperar

Até deixar um recado na tarde
Uma simples saudade
Que você vai sentir quando sentar-se a mesa
Uma simples certeza
Que agora é você quem espera por mim

(Clique http://letras.terra.com.br/pedro-mariano/1421922/ para ouvir  a interpretação de Pedro Mariano).

Mesmo como arte do encontro, ou talvez por causa disso, a cidade abriga desencontros. Desencontros que, não raras vezes, são frutos da impaciência do esperar quem se espera; quando não são sequelas da impontualidade. E aí, horas depois, minutos depois,  o esperado passa a ser quem espera; e quem antes esperava deixa-se capturar pela impaciência, ansiedade, e pela desesperança e, então, transfigura-se no alguém esperado. SIMPLESMENTE, há poucos retratos tão fiéis ao desencontro como este.

Ao menos o idioma português nos permite usar e abusar das diferenças sutís entre o IR AO ENCONTRO (ou seja, encontrar pessoas, ideias …) e o IR DE ENCONTRO (quer dizer, discordar, confrontar, enfrentar pessoas, ideias, opiniões …).

Na letra SIMPLESMENTE, o personagem lírico se envolve com as duas situações: ao IR AO ENCONTRO do outro ele, também, vai DE ENCONTRO com suas reais e verdadeiras intenções anteriores e que sempre estiveram presentes no seu mundo interior, na sua vontade consciente ou inconsciente: confrontar-se consigo mesmo simplesmente (aliás, o título da composição) desviando-se do caminho que o levaria AO ENCONTRO, pode-se dizer, fugindo do ato de  encontrar-se com a pessoa.

(Entre psicanalistas, há uma ‘brincadeira’ que tenta fazer a diferença entre o sujeito obsessivo, o sujeito  histérica e o sujeito  psicótico: O obsessivo chega antes – não raras vezes muito antes – do horário marcado; o sujeito histérica chega sempre atrasado … depois da hora; o psicótico simplesmente não vai ao compromisso).

O sujeito lírico da letra em exame se permite uma atitude contemplativa:

" Simplesmente posso encontrar
Qualquer distração, ruas da cidade,
Restos de uma feira"

(...)

"Calmamente posso contar as nuvens no céu
Rostos na vidraça, flores nessa praça"


Mais dramático é quando alguém – como o nosso sujeito lírico em questão - está se dirigindo ao ponto e à hora do encontro ou está a esperar …  e, de repente, resolve deliberadamente desviar-se do caminho ou simplesmente não mais esperar e ir-se embora; num caso e noutro, o desencontro é proposital, a pessoa muda de ideia e não quer mais se encontrar. Simplesmente se esconde ao avistar  a outra pessoa ou, simplesmente, vai embora. “Só pra te perder”
Os paradoxos são também alimentos para a elevada complexidade afetiva do ser humano e de sua singularidade de ser do desejo et pour cause de ser faltoso, de ser incompleto/imperfeito - em meio à fauna onde se aglomeram seres da necessidade: gatos, cachorros, papagaios, macacos, gafanhotos …

Vicente D. Moreira

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