segunda-feira, 9 de maio de 2011

FCCV - CASAMENTO E MORTE

FCCV - FORUM COMUNITÁRIO 
DE COMBATE À VIOLÊNCIA

Salvador - Bahia - Brasil

Leitura de fatos violentos publicados na mídia

CASAMENTO E MORTE: A NATUREZA INSÓLITA DA VIOLÊNCIA

Ano 11, nº 16, 09/05/11 

Ela foi à festa de casamento da sobrinha, em Santo André, na Grande São Paulo. Ela e o marido já estavam no interior do carro para retornar a casa, mas ao verem seu filho sendo agredido, desceram do automóvel com a intenção de defendê-lo, porém foram atacados pelos mesmos agressores do filho. Depois de muitos golpes violentos, um dos agressores entrou no carro da família vitimada, engatou a marcha ré e acelerou contra Rosa Maria Leite Alves que foi imprensada contra um outro veículo estacionado no pátio do bufê. Assim foi morta, no dia 18 de abril de 2011, aos 56 anos, a auxiliar de enfermagem, recém-aposentada. E quem a matou, conforme as notícias veiculadas pela mídia, foi o noivo do “casamento ao lado”. Também, de acordo com as notícias, o filho da vítima estava indo reclamar junto à gerência do estabelecimento a falta de oito reais que havia deixado em seu carro quando foi interpelado, de modo violento, pelo noivo do casamento ao lado, dando início aos espancamentos que resultaram na morte de Rosa. Depois de consumar os atos violentos, o algoz-nubente foi embora com a noiva e mais tarde foi preso, sem saber ao certo o que ocorrera, conforme as suas declarações.


As duas cerimônias de casamento têm como arremate dois cenários inauditos: a delegacia e o cemitério. Os envolvidos não tinham qualquer acerto pendente: eles nem se conheciam! Em princípio, estavam em clima de alegria, participando de um tipo de festa culturalmente marcado pela atmosfera de projeto e de sonho que costuma contaminar até o espírito dos próprios convidados.  
 
O desfecho insólito dá margem para se demonstrar a violência como uma constante social que tem se imiscuído em todos os espaços e ocasiões. Também permite repetir a expressão que já se constituiu fórmula corriqueira para se tratar de situações deste tipo e que é sintetizada pelas palavras “banalização da violência”. Dá ainda pretexto para se lembrar da falta de repertório mais moderado para a resolução de conflitos. A isto é possível acrescentar a constatação de que a nossa cultura tem contemplado, cada vez mais, o desconhecido, o outro como um oponente contra o qual se deve agir com hostilidade. No caso em tela, “o noivo ao lado” é um inimigo, tornando recusável a possibilidade de vê-lo mais como um idêntico do que como um suspeito ou um adversário a ser anulado.
Neste quadro, ante a disposição radical de violência, tem-se chegado a “um dia seguinte” pleno de exclamações: “Mas eu não acredito!” “O que foi isto?!”  De todos os modos são reclamados um porquê que vem seguido de explicações insuficientes e não reparadoras. Uma outra forma de inquietação tem a ver com as perdas sofridas pelo agressor. Em vez de lua-de-mel, a delegacia; em lugar de uma vida a dois, a experiência numa penitenciária. Tudo leva a crer que foi uma brutalidade não precedida por cálculos, ou, como se costuma dizer, foi mais um caso de violência gratuita.

A selvageria fica mais evidenciada ante o cenário, a peça e o papel de noivo matador. Ele abre mão de um protagonismo tão bem aclimatado no registro da ordem estabelecida e se insurge como um ator que contraria esta mesma ordem comprometendo-se, seriamente.

Como uma espécie de álibi, estava alcoolizado. Não estava em si, portanto, não era ele que se encontrava lá. A culpa cabe ao ente alcoolizado e, quem sabe, à própria bebida. Essa substância tem atropelado pessoas, tem se chocado contra postes, tem provocado vários acidentes fatais. Em sua sanha devastadora tem ferido muitas esposas, muitos filhos e terceiros, de um modo geral. Na hora da ressaca, o álcool já não mais dá suporte moral para a ausência do sujeito. Aí, a dor de cabeça é proporcional ao desempenho da substância quando ocupou o corpo. Se a sua presença deu motivo para potencializar a alegria, o mal-estar será contornado pela ingestão de água ou sucos e, eventualmente, pelo consumo de analgésicos. Mas, no caso da potencialização da agressividade, como na circunstância em tela, a ressaca tende a ser demorada e dificilmente o indivíduo devolvido pela embriaguez será o mesmo que no dia anterior bebeu até matar.

É oportuna a reflexão sobre a diminuição da distância entre a alegria e a tristeza, entre a vida e a morte e, entre ser inocente e ser assassino. Alguém vai a um casamento e resulta assassinada e outro vai se casar e ao final se torna assassino. Esta espécie de concomitância insólita retira a preposição até da clássica frase mencionada pelas autoridades religiosas ao término do rito matrimonial: que vivam em paz até que a morte os separe.


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