segunda-feira, 18 de junho de 2012

HASSENPFLUG – CENTRALIDADE ... (9 - FINAL)

FINAL
HASSENPFLUG – CENTRALIDADE URBANA (9 - FINAL)

CENTRALIDADE URBANA

Dieter Hassenpflug

Dieter Hassenpflug (Prof. Dr. phil.habil.) é professor da Cátedra de Sociologia e História Social da Cidade desde 1993, na Universidade Bauhaus, em Weimar. Desde 2006 é o diretor do Instituto de Estudos Urbanos Europeus (IfEU). Diretor do Programa Internacional de Doutorado (IPP), patrocinado pelo DAAD (Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico). Atualmente é professor visitante da Universidade Tongji, em Xangai. Publicou vários livros e artigos em alemão, inglês e chinês.


(FINAL)

Erlebnisgesellschaft (sociedade dos eventos) significa prioridade da emoção (emoção sobre a razão) e rejeição do funcionalismo fordista refletido no slogan “a forma segue a função”. O atual slogan é “a forma segue a emoção”. Esta reviravolta está fortemente relacionada à reinterpretação do valor de uso. As pessoas em opulentos ambientes pós-industriais não se perguntam mais “do que eu preciso?”. Eles se esqueceram disso e simplesmente se questionam “do que eu gosto?”. A superficial sociedade dos eventos nos demonstra o triunfo da embalagem ou da aparência sobre o conteúdo. As pessoas não estão mais calçando sapatos – elas estão usando Nike, Adidas ou Puma. Elas precisam das marcas dos tênis, não deles em si. Ter e usar sapatos são atitudes normais. Entretanto, a marca importa. Esta imagem apóia a identificação e a criação de ambas identidades: individual e grupal. A sociedade dos eventos finalmente significa que tudo se torna entretenimento: infotainment, edutainment, citytainment.

Observemos agora as principais características da produção espacial pós-fordista. Estas são, primeiramente, recentralização, isto é, o redescobrimento dos aspectos sociais, funcionais e emocionais dos bons centros urbanos (reurbanização). Todos as demais podem ser consideradas derivadas da recentralização, como por exemplo:


 §  Temática: ou seja, produção espacial narrativa ou contadora de histórias (ver acima);

 §  Conversão, isto é, o desenvolvimento de brownfields para devolver à cidade áreas não utilizadas (ver os mais proeminentes dos inúmeros projetos de orlas por todo o mundo, especialmente em países desenvolvidos);

 §Promoção de projetos “carro-chefe”. Estratégias “carro-chefe” usam extraordinários arquitetura e desenho urbano para dar a cidades e regiões fracas e decadentes um forte impulso. Projetos “carro-chefe” como o Museu Guggenheim em Bilbao são capazes de revitalizar cidades atraindo turistas e fortalecendo fatores de localização “suaves” como a cultura. Ao usar as sinergias resultantes de estreitas relações com os centros urbanos, podem ajudar a desenvolver ambientes criativos.

 §  Festivalização. Atualmente, a festivalização pertence às mais importantes medidas do planejamento urbano pós-industrial. Somente grandes eventos como os Jogos Olímpicos, Exposições Internacionais, Copas do Mundo de futebol, festivais de arte, filmes ou música, Bienais de Arquitetura (por exemplo, de Veneza ou Pequim) são capazes de concentrar enormes recursos no mesmo lugar. Se analisarmos estes grandes eventos, encontraremos freqüentemente que uma grande quantidade de dinheiro é usada para reformar os decaídos centros urbanos. A razão é que os centros hospedam normalmente os recursos imagéticos da cidade, isto é, os mais importantes monumentos, edifícios, artefatos, texturas, etc. sustentando as histórias e mitos do lugar. Assim, os centros urbanos são palcos naturais onde a cidade bem saúda os visitantes de todo o mundo.

 §  De-diferenciação. Se a festivalização é considerada como um importante meio para atrair recursos e medidas para o melhoramento do centro da cidade, a de-diferenciação pode ser tomada como a meta para os esforços urbanísticos. A de-diferenciação é uma pré-condição para um tipo de espaço urbano demandado por jovens membros de alguns grupos sociais, como os conhecidos por gentrificadores, compradores on-line, yuppies, etc. Na Europa, os centros urbanos até mesmo se tornaram moda. No entanto, e como conseqüência da prioridade do zoneamento – áreas de usos mistos ainda são consideradas espaços inferiores, sobras ou restos. Somente sob pressão da mudança dos estilos de vida e da reinterpretação do espaço central da cidade, a avaliação do espaço urbano se modifica e libera o caminho para uma legenda espacial mais sofisticada.

Antes de finalizar, repassemos rapidamente à idéia de centralidade urbana de Jean Gottmann. Para ele, a centralidade urbana se refere, sobretudo, a um conjunto de importantes e típicas funções que dá às cidades um papel condutor no desenvolvimento de uma região ou país (30). Nos tempos modernos, ou melhor, na era da industrialização, a usina ou fábrica se tornou uma função guia. Enquanto a sua produtividade cresce, e os mercados crescem de locais para regionais, nacionais e, por último, para globais, o impacto da produção industrial sobre a centralidade muda de forte para fraco. O diagrama a seguir tenta resumir esta mudança.

À guisa de conclusão

Para resumir: a cidade, sendo uma obra social, é, acima de 
tudo, caracterizada pela centralidade, refletindo um alto significado simbólico, a acessibilidade e a escassez de espaço do centro urbano. O seu valor (da centralidade) é invariável. Existe desde que as cidades surgiram e não pode ser separado de seu significado. A centralidade é parte essencial da definição de cidade.

Durante o século XX – nós denominamos este período como Modernidade Fordista – os aspectos da centralidade foram subestimados e a relação entre função e significado se tornou desequilibrada. O funcionalismo da produção espacial fordista ameaçou o potencial narrativo e imagético da cidade européia. Interessantemente, o mercado se mostrou muito mais sensível às mudanças sociais, de acordo com o uso do espaço central da cidade. Então, uma enorme indústria de espaços urbanos imitados (espaços de consumo) se expandiu, a qual garantiu o abastecimento do novo mercado do citytainment. Somente gradualmente as novas demandas foram aceitas pelo planejamento profissional. Mas agora, no início do século XXI, a prática da recentralização está no topo da agenda do planejamento urbano. Estas práticas são “reflexivas” na medida em que elas acreditam na possibilidade de reconciliação entre a tradição e a modernidade, isto é, na harmonização da centralidade sócio-cultural tradicional com a nova centralidade funcional.

notas
1
O dualismo e a dialética entre comunidade e sociedade desenvolvidos na filosofia e sociologia – continentais – são formadores desta definição.
Ver Toennies 1991; Weber 1981; Lefébvre, 1972, 1975.

2
SIMMEL, Georg. Soziologie. Frankfurt/M, 1983.

3
PARK, Robert E. "Human Migration and the Marginal Man". In: American Journal of Sociology, Vol. 33, 1928.

4
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Vorlesungen über die Philosophie der Geschichte. Frankfurtam/M., Suhrkamp, 1970.

5
GODELIER, Maurice. Die Produktion der Großen Männer. Frankfurt/New York, Campus, 1987.

6
WEBER, Max. Wirtschaftsgeschichte - Abriß der universalen Sozial- und Wirtschaftsgeschichte. Berlin, 1981.

7
SOJA, Edward W. Postmetropolis. Oxford, 2000.

8
HABERMAS, Jürgen, Theorie des kommunikativen Handelns. Bd. 2: Zur Kritik der funktionalistischen Vernunft, Frankfurt/M., Suhrkamp, 1981.

9
POLANYI, Karl. Ökonomie und Gesellschaft.
Frankfurt/M., Suhrkamp, 1979.

10
Para os comerciantes, para aqueles cidadãos “reais”que eram dependentes existencialmente da economia de Mercado e assim da vida urbana, a cidade adquiriu uma certa ‘esquizotopia’, um lugar duplamente codificado que os incluía e excluía ao mesmo tempo.

11
Especialmente comerciantes de longa distância, muitos judeus entre eles, vindos da Ásia Menor, Norte da África, Espanha Árabe, Veneza, etc. que se estabeleceram após um período muito aventuroso de caravanas baseadas na mobilidade.

12
Talvez seja esta identidade híbrida o que faz estas cidades tão atrativas para ficções. Monte Cassino, próximo de Joanesburgo é um bom exemplo de uso destas potenciais narrativos.

13
HALL, Peter. Cities of Tomorrow - An Intellectual History of Urban Planning and Design in the Twenties Century.
Oxford, Cambridge, Blackwell, 1988.

14
O forte corrente movimento ‘Novo Urbanismo’, o qual poderia ser considerado como um descendente do Movimento “City Beautiful”, está perto de perder este status excepcional. Para uma visão crítica de relevância social, ver MARCUSE, Peter. The New Urbanism: The Dangers so Far. DISP 140, Nr. 1, 2000.

15
Na literatura sobre planejamento, alguns aspectos deste fenômeno têm sido também discutidos, no contexto dos ‘efeitos da aglomeração’ especial.
Cf. KRUGMANN, Peter. Geography and Trade. Cambridge, MIT University Press, 1991.

16
Deve-se levar em consideração que frequentemente ambos os conceitos – centralidade guiada pelo mercado e centralidade sócio política – estão misturados. A ocidentalização ou globalização espacial do urbanismo chinês nos dá um bom exemplo. Para o decifrador Pudong em Xangai, é necessário considerá-la como ambos um produto do Mercado e da política. Em todo caso, a centralidade em si parece ser inevitável e é por isso que tomamos este termo como parte de uma definição ontológica da cidade.

17
HARTEN, Hans-Christian; HARTEN, Elke: Die Versöhnung mit der Natur - Gärten, Freiheitsbäume, republikanische Wälder, heilige Berge und Tugendparks in der Französischen Revolution.
Reinbek, 1989.

18
EISOLD, Norbert. Das Dessau-Wörlitzer Gartenreich - Der Traum von der Vernunft.
Köln, 1993.

19
Ver Oswald Spengler, The Decline of the Occident. [SPENGLER, Oswald.
Der Untergang des Abendlandes. München, 1922]. Contado em edições, este livro deve ser tomado como um dos mais bem sucedidos já publicados em lingual alemã.

20
Ver CASTELLS, Manuel. "Towards a Political Urban Sociology". In: HARLOE, M. (Org.) Captive Cities.
London, 1977.

21
Em frente a todas estas características e aspectos fordistas, o sociólogo teuto-britânico Sir Ralph Dahrendorf certa vez denotou o século XX europeu como a era da Social Democracia.

22
GRUEN, Victor. Shopping Centers of Tomorrow. Catalogue, 1953.; DURTH, Werner; GUTSCOW, Niels. Architektur und Städtebau der fünfziger Jahre. Schriftenreihe des Deutschen Nationalkomitees für Denkmalschutz, Nr. 33, Köllen Druck+Verlag, 1987.

23
FELDKELLER, Andreas. Die zweckentfremdete Stadt - Wider die Zerstörung des öffentlichen Raums.
Frankfurt/M., New York, Campus, 1994.

24
‘Freqüência instável’ é um termo técnico que remete ao fato de que espaços especializados somente atrairão pessoas em determinadas horas do dia, enquanto espaços funcionalmente integrados são capazes de sempre prover razões para certas pessoas fazerem certas coisas. A crítica sobre a freqüência instável foi pronunciada proeminentemente por Jane Jacobs, que nos lembra que “os olhos sobre as ruas” sempre foi a melhor segurança contra crimes (Jacobs, 1963).

25
HASSENPFLUG, Dieter. "City and Consumption". In: ECKARDT, F., HASSENPFLUG, D. (Orgs.) Consumption and the Post-Industrial City. Frankfurt/M., Peter Lang, 2003.

26
BECK, U.; BECK-GERNSHEIM, E. Riskante Freiheiten. Individualisierung in modernen Gesellschaften. Frankfurt/M., 1994.

27
FISHMAN, Robert. "Bourgeois Utopias: Visions of Suburbia". In: FAINSTEIN, Susan S., CAMPBELL, Scott, (Orgs.) Readings in Urban Theory. Oxford (UK), Malden (USA), Blackwell Publishers, 1996/97.

28
Citytainment significa atmosferas urbanas imitadas (falsas), e para obter sucesso nesta tarefa, é preciso entender as regras da centralidade urbana. Seus elementos mais importantes são: espaços de multifuncionais, grande importância dada ao comércio, espaços públicos encenados, atrativos como monumentos ou projetos ‘carro-chefe’, etc. Os parques se tornaram os percussores da produção especial pós-fordista ou contadora de histórias (narrativa).

29
SORKIN, Michael (Org.). Variations on a Theme Park.
New York, 1992.

30   
GOTTMANN, Jean. The Evolution of Urban Centrality: Orientations for Research. Oxford, 1974.
bibliografia complementar

BENJAMIN, Walter. Das Passagenwerk. Gesammelte Schriften V, I und II, Frankfurt/M., 1974/82/91.

DAVIS, Mike. Magical Urbanism - Latinos Reinvent the U.S. City. London, New York 2000, Verso.

HASSENPFLUG, Dieter. "Germany, Weimar and the Bauhaus - A 
Micro-Analysis of Globalization". In: ECKARDT, F., 

HASSENPFLUG, D. (Orgs.). Urbanism and Globalization. Frankfurt/M., Peter Lang, 2004.

HUMPERT, Klaus; SCHENK, Martin. Entdeckung der mittelalterlichen Stadtplanung - Das Ende vom Mythos der gewachsenen Stadt. Stuttgart, DTV, 2001.

JACOBS, Jane. Tod und Leben großer amerikanischer Städte.  
Berlin/­Frankfurt/M., Ullstein, 1963.


JESSEN, Johann. "Amerikanische Stadt - Europäische Stadt". In: HASSENPFLUG, D. (org.) Die Europäische Stadt - Mythos und Wirklichkeit. Münster - Hamburg – London, 2000.

LEFÈBVRE, Henri. Die Revolution der Städte. 1972.

LICHTENBERGER, Elisabeth. Die Stadt - Von der Polis zur Metropolis. Darmstadt, (Wiss. Buchgesellschaft), 2002.

SCHULZE, Gerhard. Erlebnisgesellschaft, Kultursoziologie der Gegenwart. Frankfurt/M., New York: Campus, 1992.

TÖNNIES, Ferdinand. Gemeinschaft und Gesellschaft. Darmstadt: Wiss. Buchgesellschaft, 1991.

WEBER, Max. Wirtschaft und Gesellschaft. Grundriß der verstehenden Soziologie. Tübingen, 1980.

WIRTH, Louis. "Urbanität als Lebensform". In; HERLYN, Ulf (Org.). Stadt und Sozialstruktur. München, Nymphenburger, 1974.

WRIGHT, Frank Lloyd. The Living City. New York, 1958.

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