segunda-feira, 11 de junho de 2012

HASSENPFLUG – CENTRALIDADE URBANA (2)


HASSENPFLUG – CENTRALIDADE URBANA (2)

CENTRALIDADE URBANA

Dieter Hassenpflug

Dieter Hassenpflug (Prof. Dr. phil.habil.) é professor da Cátedra de Sociologia e História Social da Cidade desde 1993, na Universidade Bauhaus, em Weimar. Desde 2006 é o diretor do Instituto de Estudos Urbanos Europeus (IfEU). Diretor do Programa Internacional de Doutorado (IPP), patrocinado pelo DAAD (Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico). Atualmente é professor visitante da Universidade Tongji, em Xangai. Publicou vários livros e artigos em alemão, inglês e chinês.

[fonte – Arquitextos ISSN 1809 – 6298 085.00 year 08, jun 2007]


(CONTINUAÇÃO)

A ágora definiu uma instituição total (8), isto é, sistemas sócio-espaciais que ainda não se diferenciaram funcionalmente como os sistemas modernos. Compreendia todas as funções e instituições importantes da sociedade antiga: o parlamento, um tipo de proto-prefeitura, o tribunal, vários templos, a casa da moeda, escolas, a primeira universidade (stoa), teatro, e eventos. Servia como lugar de muitos eventos sociais, para cerimônias religiosas, procissões, celebrações e festivais de todas as sortes, como um palco para contadores de histórias e aqueles que traziam as últimas notícias e por último, mas não pior – e até mesmo mais extraordinário – como um antepassado da praça do mercado. A ágora era a representação espacial da transformação da economia palaciana (rural e de subsistência) para a economia civil (urbana e de mercado), simbolizando então a economia de mercado emergente (9).

Não é de surpreender que sob essas circunstâncias a economia de mercado parecesse duvidosa e a imagem do comércio não fosse tão boa. A sociedade grega excluiu mercadores profissionais dos direitos civis por um longo período (10) e, de tempos em tempos, o governo fechava a ágora alegando que atividades indecentes estavam conectadas às transações mercantis. Não foi ninguém menos do que Aristóteles quem nos deu a explicação para este comportamento. Ele argumentou que a troca direta de produtos era boa e que o uso do dinheiro para comprar commodities (mercadorias) era também capaz de suportar o ideal de boa vida. Em contrapartida, a barganha objetivando lucro deve ser considerada incompatível com as regras da boa vida e do bom governo. A propósito: este princípio se tornou fonte das maiores proibições canônicas de interesses da Igreja Católica Romana medieval.

Esta instituição religiosa ocidental, sendo a mais importante herança do Império Romano arruinado, manteve e transmitiu um pouco da sua cultura, especialmente a língua e, relacionada com ela, sua memória cultural. Enquanto os imperadores continentais medievais (primeiramente aqueles do então chamado Império Romano Sagrado das Nações Germânicas) residiam em palácios capitais móveis denominados palatinos, os bispos reinavam em centros estáveis chamados civitates (no singular civitas). Até hoje e com muita freqüência, estas civitates são consideradas meras cidades. Entretanto, isto é obviamente errado. As civitates eram centros predominantemente de cultura rural. Elas eram castelos, palácios, residências de bispos, centros administrativos e espirituais de dioceses com catedrais, mosteiros e outras instituições religiosas – mas sem praças ou atividades de mercado consideráveis e assim, sem comerciantes ou outros habitantes civis. Por outro lado, as civitates pertenciam aos primeiros a ganhar direitos urbanos.

Nos tempos medievais, começando em aproximadamente 1000 D.C., a economia de mercado tomou outro rumo na Europa feudal. O comércio se tornou o poder dirigente do renascimento urbano. Entretanto, tal renascimento não deve ser entendido como mera reanimação da antiga cidade romana. 

Deparamo-nos com um desenvolvimento completamente novo, o qual trouxe finalmente cidade e cidadania em acordo. Enquanto polis, cidade romana e civitas tinham sido criações de sociedades basicamente agrárias, isto é, sociedades culturalmente fundamentadas na vida rural e suas ideologias e ideais. A ‘cidade medieval’ era, sobretudo, uma criação de comerciantes, mercadores e artesãos, ou melhor, de negociantes leigos, isto é, pessoas existencialmente dependentes da economia mercantil. A cidade medieval é uma criação do – segundo – synecism dos mercadores. 
Denominamos estas novas irmandades de guildas. Como as cidades de guildas (corporações) são, apesar de muito religiosas, centradas na economia mercantil, a praça do mercado se tornou o mais importante símbolo do seu status urbano.
Independentemente das reformas e novas tecnologias agrícolas, foi a economia mercantil que se tornou a força condutora por trás da rápida urbanização medieval. Em menos de 300 anos, de aproximadamente 1000 a 1300, foram fundadas cerca de 80% de todas as cidades européias. Como os documentos de fundação – leis (direitos) de empréstimos de mercado, comércio, impostos, casa da moeda, eleições, tribunal de justiça, assembléia, segurança, auto-governo, etc. para a câmara municipal – eram assinados e entregues por imperadores, reis, bispos, eleitores, duques ou príncipes poderosos, muitos historiadores consideravam (e ainda consideram) estes soberanos feudais como os verdadeiros fundadores das cidades medievais.

Porém, esta interpretação é errônea: ela subestima a contribuição real dos ‘mercatores’ e ‘negociatores’ (11) para a revitalização da cultura urbana. Especialmente os mercadores distantes, aqueles patrícios comerciais, ajudaram as cidades e estabeleceram a sua cultura urbana medieval. Os imperadores, reis e duques, por desfrutar das vantagens fiscais de uma próspera economia de mercado, meramente cooperaram e deram a sua bênção aos resultados que foram, acima de tudo, alcançados por estes atores. Nós podemos considerar os nobres citados como os fundadores formais da cidade. Entretanto, os comerciantes, mercadores e artesãos foram os fundadores reais da cidade.


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CENTRALIDADE URBANA - Dieter Hassenpflug
(Continua amanhã, terça-feira)






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