domingo, 17 de junho de 2012

HASSENPFLUG – CENTRALIDADE URBANA (8)



HASSENPFLUG – CENTRALIDADE URBANA (8)

CENTRALIDADE URBANA

Dieter Hassenpflug

Dieter Hassenpflug (Prof. Dr. phil.habil.) é professor da Cátedra de Sociologia e História Social da Cidade desde 1993, na Universidade Bauhaus, em Weimar. Desde 2006 é o diretor do Instituto de Estudos Urbanos Europeus (IfEU). Diretor do Programa Internacional de Doutorado (IPP), patrocinado pelo DAAD (Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico). Atualmente é professor visitante da Universidade Tongji, em Xangai. Publicou vários livros e artigos em alemão, inglês e chinês.



A produção espacial fordista foi criticada. Alegou-se que a aceleração e a especialização espaciais:


§  Têm sustentado freqüências oscilantes e assim contribuído para tornar os espaços mais perigosos (24); Têm, sobretudo deformado e finalmente demolido a cultura, mais ou menos, teatral (encenada) dos espaços públicos (25);
§  Têm fragmentado a entidade urbana em um arquipélago de localidades especializadas. O crescimento desta fragmentação (isolamento) vem provocando uma mobilidade insustentável, ineficiente e insalubre (26);
§  Têm encorajado a expansão urbana e o crescimento urbano periférico ao centralizar o transporte automotivo individual e ao promover estilos de vida guiados pelo carro. Como apontou Robert Fishman, o carro tem sido o responsável pela criação de um novo tipo de paisagem urbana, a qual ele denominou de “cidade construída no tempo” (27).
§  E finalmente, a produção espacial fordista foi culpada por enfraquecer as virtudes urbanas como tolerância, compreensão, cosmopolitismo, auto-responsabilidade, etc. ao negligenciar a centralidade urbana. A este respeito, o fordismo fez a cidade até mesmo perder a sua capacidade de integrar a diversidade.

Extraordinariamente, não foi tanto a crítica dos arquitetos, planejadores urbanos, sociólogos e designers que revitalizou e fez progredir a prática da recentralização. Foi a crítica popular, em outras palavras, o mercado. As pessoas estavam sentindo falta das atmosferas urbanas, lugares, narrativas, eventos. Almejavam aqueles mitos, histórias e imagens urbanas, que fazem as cidades excepcionais, e os quais podem usar para suas estratégias individuais de identificação local e construção de identidade.
A mídia foi a primeira a decifrar a nova demanda espacial e a identificar o seu grande potencial. Ela reagiu oferecendo uma nova mercadoria, ou melhor, um novo serviço. Eu o denomino citytainment (28). O citytainment deve ser entendido como uma produção típica da modernidade reflexiva, enquanto combina e mistura aspectos da cidade tradicional e reivindicações modernas por boa vida. O citytainment se refere às práticas de imitar atmosferas urbanas reproduzindo os aspectos da centralidade urbana tradicional. Walt Disney é um bom exemplo. Ele foi o primeiro a equipar seus parques temáticos com Main Street-US’ fictícias, contando a história e encenando o mito dos bons tempos idos. Desde então, o citytainment do Disney-World se tornou o mais importante, até mesmo inevitável componente da produção especial narrativa, isto é, da arte de dreamscaping (criação de cenários de sonhos) ou imagineering (engenharia da imagem) como Disney a denominava (29).

Foi também Walt Disney, o subestimado pioneiro do citytainment, quem deu ao movimento Novo Urbanismo um impulso inicial, devido aos experimentos do seu EPCOT-center (Experimental Prototype Community of Tomorrow). Neste lugar, ele e sua equipe estudaram as tradições da cidade ideal do Renascimento e do Barroco. Finalmente esta instituição preparou o desenvolvimento de Celebration, uma cidade que poderia ser considerada como um projeto do proto-Novo Urbanismo. Celebration apresenta um centro urbano fortemente articulado consistindo em duas praças situadas no fim de um eixo barroco. Lá, o centro coleta os mais importantes prédios públicos (a prefeitura) e serviços (governo municipal) – os quais atualmente são privados. Celebration é uma cidade interessante, que nos mostra o que acontece quando uma cidade se torna completamente privatizada, um tipo de mercadoria. Nesta ‘cidade privada’ até mesmo o prefeito – em razão da ausência de legitimidade política – deve ser levado como um ator que está somente interpretando o papel de prefeito nesta versão extrema do citytainment!

Neste meio tempo, encontramos imitações de ruas ou praças por todo o mundo, não apenas em parques temáticos, mas também – na verdade mais numerosos – em centros comerciais, centros urbanos de entretenimento e outros shopping centers, que têm se aproveitado, sobretudo, das vantagens da arquitetura das arcadas. Os enormes centros comerciais atuais estão imitando os centros urbanos. Eles não parecem apenas zonas de pedestres, mas são também organizados como elas. Assim, encontramos ímãs ou lojas âncora para manter altas freqüências, encontramos espaços multifuncionais para manter freqüências estáveis, encontramos construções em borda de quadra, normalmente enquadramento de fachadas em empena, espaço privado encenado que parece público, e espaços antiquados como restaurantes, cafés, etc.
Existe uma clara ligação entre a precedente Main Street da antiga cidade e o enorme centro comercial atual. O último é um resultado da expansão urbana, dos estilos de vida suburbanos, sustentados pelo automóvel e iniciativas como lotes baratos e, freqüentemente, subsídios estatais, redução de impostos e outros auxílios. Quando os cidadãos se mudam para o campo, procurando por paisagens pitorescas, árcades ou bucólicas, o comércio tem que segui-los. Primeiramente eles se mudam para a periferia e assim transformam as rodovias arteriais em faixas comerciais. Mais tarde aparecem os blocos tributáveis e depois de algum tempo estes shopping centers em faixas têm que se mudar para mais longe, onde finalmente se dilatam em grandes centros comerciais. Estes enormes centros comerciais freqüentemente se tornam pontos iniciais de novos centros urbanizados periféricos. Eles levam os antigos centros urbanos para onde as pessoas estão vivendo. Eles o fazem funcionalmente com a sua multiplicidade de serviços privados e públicos, suas lojas normais e de departamentos, cinemas, restaurantes, instalações recreativas e hotéis. E eles o fazem esteticamente em ambientes urbanos falsos, encenando (semi-) espaços públicos como praças, ruas de pedestres, etc.
Ambas as práticas do citytainment, a Imagineering e a imitação da centralidade urbana, prepararam para a ascensão do movimento conhecido como Novo Urbanismo. Este movimento pode ser considerado como uma resposta nova e atual ao movimento city beautiful. Ele já influenciou o planejamento urbano nos Estados Unidos e, a levar pela velha e comprovada trajetória da ‘travessia transatlântica’ reversa, influenciou também as políticas da recentralização do Reino Unido (ver, por exemplo, os notáveis resultados da revitalização do centro antigo da cidade de Manchester durantes os últimos dez anos).
Para entendermos corretamente e avaliarmos o impacto estrutural do fordismo, foi necessário fixar as suas características de produção espacial no extenso contexto sócio-cultural da industrialização intensiva. O mesmo é adequado ao citytainment. Essas práticas de imitação de qualidades urbanas têm que ser relacionadas à nova camada da industrialização flexível, isto é, à emergência da sociedade pós-industrial (pós-fordista). Na sociologia existem inúmeros termos para caracterizar este período: sociedade do conhecimento, sociedade dos serviços, e etc. Todas estas categorias enfatizam alguns aspectos da nova camada societária. O mesmo acontece com “sociedade dos eventos” (em alemão: Erlebnisgesellschaft). Esta categoria proporciona um útil contexto estrutural para o fenômeno do citytainment. O modelo da sociedade dos eventos cita, inter alias, as seguintes características gerais: produção de pequenas séries baseadas em IT, flexitime (tempo flexível), isto é, pagamento por hora de trabalho, períodos flexíveis de trabalho; privatização (desregulação) dos serviços públicos; gerenciamento de recursos humanos (por exemplo, descentralização de responsabilidades, hierarquias horizontais, etc.) e estetização, isto é, o renascimento da imagem e do mito (discutida muito freqüentemente no contexto do estilo pós-moderno).

HASSENPFLUG – CENTRALIDADE URBANA
CONTINUA AMANHÃ, SEGUNDA-FEIRA

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