terça-feira, 19 de junho de 2012

FCCV - QUANDO A VÍTIMA É NOTÍCIA

FCCV
FORUM COMUNITÁRIO 
DE COMBATE À VIOLÊNCIA


Salvador - Bahia - Brasil  



 

Leitura de

 fatos violentos publicados na mídia  

Ano 12, nº 06, 19/06/2012 


Quando a vítima é a notícia

Diante de tantos casos de crimes que encerram alta periculosidade, os delitos considerados pouco perigosos se tornam matérias de difícil interesse midiático. Para que um “modesto furto” venha a integrar a agenda da mídia é necessário que haja algum elemento peculiar que explique tal atenção. Uma possibilidade concreta se dá, por exemplo, quando o furtado é uma pessoa muito famosa no meio artístico, esportivo ou portador de grande fortuna. Nos últimos dias, o jogador chileno Valdivia, que atua no futebol paulista, deu motivo para a veiculação ampla e repetitiva de um sequestro-relâmpago sofrido por ele e sua esposa. O prestígio do desportista imprimiu um nível de noticiabilidade ao episódio não mais frequente quando este tipo de sequestro vitima indivíduos desprovidos de glamour midiático. Os traumas decorrentes do ato violento sobre a vida do casal ganhou espaço nos meios de comunicação, dando-se a impressão de novidade, quando “a inovação” foi transformar aquele mal-estar que se seguiu ao fato criminoso, em notícia, pois, certamente, qualquer pessoa que passa por esta experiência fica perplexa, amedrontada, insegura, enfim. Mas nem todo entrevistado porta um distintivo como Valdivia, que defende a camisa 10 do Palmeiras.

A vítima de sequestro-relâmpago não tem garantia de qualquer deferência, afinal, este tipo de crime saiu da condição de circunstância extraordinária e se encastelou no cotidiano. Com esta “perda de status”, a ação criminosa perdeu a gravidade dos seus tempos inaugurais, tirando das vítimas a aura de nobreza que era emprestada pela sociedade, especialmente pela classe média, ao se ver possuída pela certeza de ser sequestrável.

Com o tempo, a tal modalidade de sequestro foi se adaptando a mundos cada vez mais precários, atingindo alvos inimagináveis, a exemplo de uma cesta básica pedida como resgate para uma família pobre no Estado do Rio de Janeiro. Não se pode assegurar que estas incursões do mundo do crime tenham obedecido à dinâmica econômica do nosso País, que tem se caracterizado por uma inclusão cujos níveis modestos correspondem à compra regular de produtos alimentares básicos. De qualquer modo, vivemos em tempos de sequestros para todos os bolsos. E quando se chega a este grau de transversalidade, a ocorrência criminosa tende a ser tão inevitável quanto banal.

Assim sendo, quando o raio do sequestro cai sobre o personagem que foge ao padrão, surge o espanto reprimido: e a mulher do jogador não quer mais morar no Brasil, ele ainda não sabe o que vai fazer, afinal, tem custosos compromissos com o time brasileiro. Estes dramas familiares foram representados de modo tão consistente nos espaços midiáticos que renderam noticiável o capítulo relativo à captura do suspeito, fecho já não é habitual nas ocorrências regulares destes crimes os quais, quando são noticiados, são expressados enquanto fatos brutos sem passado e sem futuro.

E assim, a novidade é que o sequestro-relâmpago parece ressurgir do silêncio, mas cabe recordar que esta visibilidade não vem de um lampejo das indústrias da mídia com o intuito de revelarem as condições atuais referentes a estes atos criminosos. O sucesso do caso não vem do sugestivo relâmpago que lhe nomeia, mas do poder de um grande time, de um grande estado, do País do futebol.

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