HASSENPFLUG –
CENTRALIDADE URBANA (3)
CENTRALIDADE URBANA
Dieter Hassenpflug
Dieter Hassenpflug
(Prof. Dr. phil.habil.) é professor da Cátedra de Sociologia e História Social
da Cidade desde 1993, na Universidade Bauhaus, em Weimar. Desde 2006 é o
diretor do Instituto de Estudos Urbanos Europeus (IfEU). Diretor do Programa
Internacional de Doutorado (IPP), patrocinado pelo DAAD (Serviço Alemão de
Intercâmbio Acadêmico). Atualmente é professor visitante da Universidade
Tongji, em Xangai. Publicou vários livros e artigos em alemão, inglês e chinês.
[fonte – Arquitextos ISSN
1809 – 6298 085.00 year 08, jun 2007]
(CONTINUAÇÃO)
A cidade européia é uma criação do que chamamos ‘velha burguesia’ ou terceiro estado – daqueles que procuravam (e pagavam) pela proteção dos soberanos contra piratas ou outros criminosos e, por esta razão, freqüentemente decidiam se estabelecer próximo aos seus castelos. A língua alemã preserva a memória deste incipiente estágio do urbanismo europeu ao chamar os cidadãos até hoje de Buerger (burgueses). Um castelo é um Burg e Buerger significa: ‘aqueles que se assentaram num castelo’. A muralha da cidade é um descendente da muralha do castelo. Ela deve ser considerada não apenas como algo muito útil para a proteção contra ataques feudais, mas também como símbolo de independência civil. Se olhares para as antigas prefeituras contornando as praças dos mercados medievais – não parecem elas castelos? Não é surpreendente. A história urbana nos mostra o fato de que sociedades descendentes predominantemente usarem o estoque de imagens, símbolos e estilos dos seus precedentes para dar às suas próprias cidades, novas identidades culturais. Até hoje, muitas cidades pequenas da Itália Central, especialmente na Toscana, parecem castelos (12).
Como a economia de
mercado – comprando e vendendo mercadorias – se tornou o centro social da
cidade medieval, a praça de mercado, por sua vez, se tornou o centro da cidade
medieval. Porém, a praça do mercado deve ser considerada como uma parte
importante de
conjunto espacial que, como um todo, é um centro sócio-cultural.
Justamente como a ágora, este centro é bipolar, combinando uma área sagrada e
outra profana. Por um lado, encontramos a igreja ou a catedral com a sua
infra-estrutura de empatia e compaixão como mosteiro, hospital, asilo para
pobres, e cemitério; do outro lado vemos a praça do mercado, com a sua
infra-estrutura pública e civil como prefeitura, escola, tribunal, prisão, etc.
Comparável com a ágora, a praça do mercado era uma instituição total que
compreendia todas as funções públicas importantes. Mas naquele momento, a
função mercantil detinha o mais alto posto e marcava a posição do centro,
incluindo o espaço sacro. Novamente, o potencial memorial da língua nos
convence quão próximos o sagrado e o profano estão: o termo alemão “Messe”, por
exemplo, tem dois significados, um é “feira (comercial)” e o outro é “missa
(religiosa)”.
Estudando
cuidadosamente os aspectos deste centro sócio-cultural bipolar da antiga cidade
européia, verificamos que ele é o responsável pela comparativamente baixa
densidade do centro da cidade. Como regra: quanto mais perto das muralhas da
cidade, maior a densidade. Este uso generoso do espaço urbano central salienta
o seu significado sócio-cultural representativo. O centro é um palco público.
Ele é (ou reclama ser) espaço público, isto é, espaço que é (ou deveria ser)
acessível para todos, para os ricos e pobres, os jovens e velhos, nativos e
estrangeiros. Como regra, os estrangeiros eram, naquela época, comerciantes distantes.
Em alemão, os termos “estrangeiro” (Fremder) e “comerciante” (Haendler) se
mantiveram como sinônimos até meados do século XIX!
Sabendo da
importância da praça do mercado no processo de reanimação urbana medieval, não
é surpresa que ela esteja localizada, quase sem exceção, no ponto médio
(centro) de um desenho urbano concêntrico radial. Apesar de predominantemente
arqueadas ou curvas (seguindo a situação topográfica assim como um ideal
estético) todas as ruas importantes conduziam diretamente a este lugar,
tornando-o o mais acessível espaço da cidade.
O Renascimento
resumiu este padrão radial concêntrico e o combinou com o modelo medieval
urbano guia da sagrada Jerusalém. Ligando-o com as suas idéias de
individualismo e razão (perspectiva e racionalidade) surgiu a então conhecida
“cidade ideal”. A ‘cidade ideal’ deveria refletir um mundo perfeito – um mundo
artificial. Ela deveria simbolizar a habilidade humana de agir como o divino
Criador. Sobretudo, a cidade ideal enfatizava a centralidade. As muralhas da
cidade ficaram em segundo posição. É por isso que a maioria destes planos nos
apresenta cidades com fortes padrões radiais concêntricos – e pesadas
fortificações. Dependendo do contexto cultural destas criações, podemos
encontrar uma prefeitura e uma plaza (praça do mercado) no centro (por exemplo
os planos toscanos) ou um castelo (freqüente nos planos alemães).
Os planos de
cidades ideais foram postos em prática durante a era do absolutismo – também
conhecida como época estilística do Barroco. O desenho do Vaticano de Bernini
serviu essencialmente de modelo para a nova arquitetura residencial da época
barroca, bem conhecida através de Versailles, o palácio de Luís XIV. Lá, o
centro dos gigantes e extensos parques era o seu dormitório. Na Alemanha, várias
cidades residenciais foram construídas de acordo com os planos de cidades
ideais, mais proeminentemente as cidades de Mannheim, Karlsruhe e, como uma
extensão de Berlim medieval, o Friedrichvorstadt.
A centralidade americana
Façamos agora uma
pequena excursão à América do Norte. Naquele lugar, emergiu uma nova
civilização, a qual era fortemente ligada à cultura rural – e por isso não
particularmente interessada em fazer cidades e em dar especial atenção à vida
urbana. Por outro lado, seria totalmente errôneo tomar a civilização americana
como meramente rural. Sendo rural e urbana ao mesmo tempo, ela combina e
integra aspectos tradicionais e modernos desde o primeiro momento. Os
colonizadores, seguindo o ideal do ‘homem comum’, criaram o que eu chamo de
“paisagem republicana”, uma paisagem que não é rural nem urbana, mas ambas
simultaneamente – uma paisagem híbrida de proveniência americana.
A versão radical da Broad-Acre-City de Frank Lloyd Wright é um exemplo perfeito de uma paisagem republicana americana. Ela apresenta uma paisagem rural-urbana ortogonalmente estruturada – um espaço sem nenhum centro.
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A versão radical da Broad-Acre-City de Frank Lloyd Wright é um exemplo perfeito de uma paisagem republicana americana. Ela apresenta uma paisagem rural-urbana ortogonalmente estruturada – um espaço sem nenhum centro.
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(continua amanhã, quarta-feira)
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