terça-feira, 12 de junho de 2012

HASSENPFLUG – CENTRALIDADE URBANA (3)


HASSENPFLUG – CENTRALIDADE URBANA (3)

CENTRALIDADE URBANA

Dieter Hassenpflug

Dieter Hassenpflug (Prof. Dr. phil.habil.) é professor da Cátedra de Sociologia e História Social da Cidade desde 1993, na Universidade Bauhaus, em Weimar. Desde 2006 é o diretor do Instituto de Estudos Urbanos Europeus (IfEU). Diretor do Programa Internacional de Doutorado (IPP), patrocinado pelo DAAD (Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico). Atualmente é professor visitante da Universidade Tongji, em Xangai. Publicou vários livros e artigos em alemão, inglês e chinês.

[fonte – Arquitextos ISSN 1809 – 6298 085.00 year 08, jun 2007]


(CONTINUAÇÃO)


 A cidade européia é uma criação do que chamamos ‘velha burguesia’ ou terceiro estado – daqueles que procuravam (e pagavam) pela proteção dos soberanos contra piratas ou outros criminosos e, por esta razão, freqüentemente decidiam se estabelecer próximo aos seus castelos. A língua alemã preserva a memória deste incipiente estágio do urbanismo europeu ao chamar os cidadãos até hoje de Buerger (burgueses). Um castelo é um Burg e Buerger significa: ‘aqueles que se assentaram num castelo’. A muralha da cidade é um descendente da muralha do castelo. Ela deve ser considerada não apenas como algo muito útil para a proteção contra ataques feudais, mas também como símbolo de independência civil. Se olhares para as antigas prefeituras contornando as praças dos mercados medievais – não parecem elas castelos? Não é surpreendente. A história urbana nos mostra o fato de que sociedades descendentes predominantemente usarem o estoque de imagens, símbolos e estilos dos seus precedentes para dar às suas próprias cidades, novas identidades culturais. Até hoje, muitas cidades pequenas da Itália Central, especialmente na Toscana, parecem castelos (12).

Como a economia de mercado – comprando e vendendo mercadorias – se tornou o centro social da cidade medieval, a praça de mercado, por sua vez, se tornou o centro da cidade medieval. Porém, a praça do mercado deve ser considerada como uma parte importante de 
conjunto espacial que, como um todo, é um centro sócio-cultural. Justamente como a ágora, este centro é bipolar, combinando uma área sagrada e outra profana. Por um lado, encontramos a igreja ou a catedral com a sua infra-estrutura de empatia e compaixão como mosteiro, hospital, asilo para pobres, e cemitério; do outro lado vemos a praça do mercado, com a sua infra-estrutura pública e civil como prefeitura, escola, tribunal, prisão, etc. Comparável com a ágora, a praça do mercado era uma instituição total que compreendia todas as funções públicas importantes. Mas naquele momento, a função mercantil detinha o mais alto posto e marcava a posição do centro, incluindo o espaço sacro. Novamente, o potencial memorial da língua nos convence quão próximos o sagrado e o profano estão: o termo alemão “Messe”, por exemplo, tem dois significados, um é “feira (comercial)” e o outro é “missa (religiosa)”.
Estudando cuidadosamente os aspectos deste centro sócio-cultural bipolar da antiga cidade européia, verificamos que ele é o responsável pela comparativamente baixa densidade do centro da cidade. Como regra: quanto mais perto das muralhas da cidade, maior a densidade. Este uso generoso do espaço urbano central salienta o seu significado sócio-cultural representativo. O centro é um palco público. Ele é (ou reclama ser) espaço público, isto é, espaço que é (ou deveria ser) acessível para todos, para os ricos e pobres, os jovens e velhos, nativos e estrangeiros. Como regra, os estrangeiros eram, naquela época, comerciantes distantes. Em alemão, os termos “estrangeiro” (Fremder) e “comerciante” (Haendler) se mantiveram como sinônimos até meados do século XIX!

Sabendo da importância da praça do mercado no processo de reanimação urbana medieval, não é surpresa que ela esteja localizada, quase sem exceção, no ponto médio (centro) de um desenho urbano concêntrico radial. Apesar de predominantemente arqueadas ou curvas (seguindo a situação topográfica assim como um ideal estético) todas as ruas importantes conduziam diretamente a este lugar, tornando-o o mais acessível espaço da cidade.
O Renascimento resumiu este padrão radial concêntrico e o combinou com o modelo medieval urbano guia da sagrada Jerusalém. Ligando-o com as suas idéias de individualismo e razão (perspectiva e racionalidade) surgiu a então conhecida “cidade ideal”. A ‘cidade ideal’ deveria refletir um mundo perfeito – um mundo artificial. Ela deveria simbolizar a habilidade humana de agir como o divino Criador. Sobretudo, a cidade ideal enfatizava a centralidade. As muralhas da cidade ficaram em segundo posição. É por isso que a maioria destes planos nos apresenta cidades com fortes padrões radiais concêntricos – e pesadas fortificações. Dependendo do contexto cultural destas criações, podemos encontrar uma prefeitura e uma plaza (praça do mercado) no centro (por exemplo os planos toscanos) ou um castelo (freqüente nos planos alemães).

Os planos de cidades ideais foram postos em prática durante a era do absolutismo – também conhecida como época estilística do Barroco. O desenho do Vaticano de Bernini serviu essencialmente de modelo para a nova arquitetura residencial da época barroca, bem conhecida através de Versailles, o palácio de Luís XIV. Lá, o centro dos gigantes e extensos parques era o seu dormitório. Na Alemanha, várias cidades residenciais foram construídas de acordo com os planos de cidades ideais, mais proeminentemente as cidades de Mannheim, Karlsruhe e, como uma extensão de Berlim medieval, o Friedrichvorstadt.

A centralidade americana

Façamos agora uma pequena excursão à América do Norte. Naquele lugar, emergiu uma nova civilização, a qual era fortemente ligada à cultura rural – e por isso não particularmente interessada em fazer cidades e em dar especial atenção à vida urbana. Por outro lado, seria totalmente errôneo tomar a civilização americana como meramente rural. Sendo rural e urbana ao mesmo tempo, ela combina e integra aspectos tradicionais e modernos desde o primeiro momento. Os colonizadores, seguindo o ideal do ‘homem comum’, criaram o que eu chamo de “paisagem republicana”, uma paisagem que não é rural nem urbana, mas ambas simultaneamente – uma paisagem híbrida de proveniência americana. 

A versão radical da Broad-Acre-City de Frank Lloyd Wright é um exemplo perfeito de uma paisagem republicana americana. Ela apresenta uma paisagem rural-urbana ortogonalmente estruturada – um espaço sem nenhum centro.

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HASSENPFLUG – CENTRALIDADE URBANA (3) CENTRALIDADE URBANA -´Dieter Hassenpflug
(continua amanhã, quarta-feira)

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