sábado, 16 de junho de 2012

HASSENPFLUG – CENTRALIDADE URBANA (7)


HASSENPFLUG – CENTRALIDADE URBANA (7)

CENTRALIDADE URBANA

Dieter Hassenpflug

Dieter Hassenpflug (Prof. Dr. phil.habil.) é professor da Cátedra de Sociologia e História Social da Cidade desde 1993, na Universidade Bauhaus, em Weimar. Desde 2006 é o diretor do Instituto de Estudos Urbanos Europeus (IfEU). Diretor do Programa Internacional de Doutorado (IPP), patrocinado pelo DAAD (Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico). Atualmente é professor visitante da Universidade Tongji, em Xangai. Publicou vários livros e artigos em alemão, inglês e chinês.


(Continuação)

A centralidade não estava na agenda – falando precisamente: não era uma prioridade. O fordismo planejava a cidade social. A máquina, isto é, o uso da ciência e da tecnologia, era considerado o melhor meio de pôr em prática esta idéia. Enquanto objetivava uma visão urbana de alto desempenho retratando eficiência, velocidade e especialização espacial, a produção espacial fordista não estava interessada nem em centros urbanos como na centralização como uma estratégia de desenvolvimento urbano. Muitos projetos de vizinhanças do século XX, especialmente da Bauhaus (fundada em 1919 em Weimar), da reconstrução após Segunda Guerra e da produção espacial durante a era comunista comprovam esta indiferença à centralidade. A cidade fordista se manifestava fundamentalmente como uma antítese da cidade medieval com a sua funcionalmente e altamente integrada centralidade cívica. Walter Gropius, Mies van der Rohe, Ludwig Karl Hilberseimer e outros, apesar de grandes arquitetos que trouxeram ao mundo (até então clássico) um novo estilo, expressando uma estética da ciência e da tecnologia, eram relutantes em manter e reinterpretar a herança urbana da centralidade do passado. Esta atitude antiurbana os provou como representantes da modernidade fordista. Por outro lado, deve-se reconhecer que a rejeição da centralidade urbana tradicional não significou o fim da centralidade espacial. Extraordinariamente, a idéia da centralidade sobreviveu – em uma nova forma e formato. Como ela pôde sobreviver? A resposta é: ela sobreviveu por causa do incessante e indiscutível poder ontológico da centralidade urbana. O fordismo não pôde e não questionou o centro da cidade como sendo o espaço de maior significado simbólico e melhor acessibilidade. E como ela sobreviveu? A resposta é: ela sobreviveu como um subsistema especializado da máquina urbana funcionalmente diferenciada. O fordismo confrontou práticas da produção do espaço urbano com a questão de como combinar a idéia da especialização funcional com o inevitável fato da centralidade urbana.

A mais popular resposta tem sido a zona de pedestres (calçadão), a qual teve êxito em recodificar a antiga textura dos centros das cidades européias. Ela confirmou a prioridade fordista ao automobilismo, ao excluir o carro dos centros medievais e submetendo-o à periferia. Ela ajudou a mediar o desenvolvimento da expansão urbana, cidades exteriores ou adjacentes. A carreira do mono espaço de pedestres começou após a Segunda Guerra Mundial – e exerceu uma extraordinária influência no desenvolvimento da faixa e do centro comerciais americanos (22). A grande vantagem da zona de pedestres se baseava na sua habilidade de usar antigos centros urbanos medievais, sua atmosfera, intimidade espacial, escala humana e especialmente os seus espaços públicos encenados para propósitos comerciais. Desde então o comércio varejista tem se transformado no mais importante defensor da centralidade urbana, e a manutenção desta zona acessível aos clientes se tornou um desafio contínuo para o planejamento urbano.

Outra prática da centralização fordista pode ser encontrada em projetos de habitação socialistas. Estes assentamentos eram basicamente mono estruturados e suburbanos. Por causa da sua localização periférica, geralmente surgia a necessidade de assegurar o acesso de algumas carências básicas individuais e sociais. Por esta razão, alguns dos conjuntos eram equipados com os então chamados centros de vizinhança, variando dos centros urbanos sócio-culturais anteriores. Um bom exemplo de uma reinterpretação proletária muito difundida da centralidade social é o assentamento fordista alemão oriental Halle-Neustadt, planejado por Pöelzig – e o adepto da Bauhaus, Richard Paulick. Sua nova cidade nos mostra um tipo de centro de vizinhança provedor de alguns serviços sociais essenciais e instalações públicas como jardins-de-infância, escolas, banhos públicos, biblioteca, hall, assim como algumas oficinas, lojas e supermercados.

Alguns arquitetos modernistas e designers urbanos não atuaram sem a centralidade, quer dizer, sem os elementos da centralidade. Sobretudo, esta observação se refere a Le Corbusier. Seus esboços da “Cidade Radiosa”, “a Cidade Contemporânea” e o Plan Voisin são bons exemplos desta consideração. La Ville Contemporaine, um esboço que nos remete ao arquiteto Moll do conselho do bem-estar do século XVIII, nos mostra um diferenciado centro acentuado por estações de trens e táxis aéreos. Vinte e quatro arranha-céus para escritórios e uma multidão de prédios menores abrigavam algumas instalações como lojas, cafés, restaurantes, etc. Os moradores da cidade foram banidos às cidades-jardim suburbanas. O Plan Voisin, desenhado para substituir grandes partes do centro existente de Paris, consistia em 18 edifícios altos e residenciais os quais acentuavam um tipo de centralidade proletária na paisagem da cidade.

Para resumir, podemos recordar o fato de que as práticas européias de centralização fordista apresentam algumas 
convergências em relação ao CBD americano. A zona de pedestres (em alemão: Fussgaengerzone) poderia ser considerada um reflexo europeu do centro de negócios americano, como um mono espaço comercial que usa as invariáveis características da centralidade urbana e do potencial narrativo dos centros europeus para melhorar o seu desempenho.

Planejamento reflexivo ou a reinvenção da cidade centralizada

Hoje sabemos que o planejamento fordista resolveu muitos problemas no campo da qualidade do ar, da higiene, do acesso ao espaço verde, da habitação acessível, da justiça social, etc. Entretanto, sua filosofia de produção espacial tem sido criticada tão freqüente como drasticamente. Em geral, assinala-se que a aceleração e a especialização espaciais têm transformado cidades habitáveis em desalmadas paisagens urbanas de alto desempenho.

Em anologia a complexa análise deste processo de desvalorização espacial foi condensada na então chamada “Lei da Especialização Espacial” (23). Para dar um exemplo: quando espaços públicos multifuncionais altamente integrados (digamos uma rua com uma vívida vizinhança urbana onde crianças brincam e idosos podem se encontrar e conversar, lojas e oficinas prestam serviços...) se transformam em ‘infra-estrutura funcional’ (uma artéria veicular mono espacial ou uma passagem), as funções destruídas e ou excluídas têm que ser reproduzidas por novas ‘infra-estruturas de substituição’ (playgrounds para crianças, asilos, centros públicos, parques de negócios, centros comerciais, etc.) Por fim, a entidade urbana se torna uma máquina funcionalmente diferenciada como sistema espacial sem nenhum espírito e atmosfera urbana. Agora é o momento da “infra-estrutura de eventos”, dos espaços que devolvem a qualidade perdida do espaço central da cidade, a atmosfera, os mitos e a histórias ausentes da centralidade urbana.
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HASSENPFLUG – CENTRALIDADE URBANA
CONTINUA AMANHÃ,  DOMINGO

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