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A redobrada força do grito quando encontra amparo midiático |
O jornalismo brasileiro já dispõe de sólidas referências a respeito de infrações cometidas no ambiente carcerário nacional. O tema, pode-se dizer, é reincidente e rico no que concerne ao âmbito das tipificações. Do desrespeito aos direitos dos internos às condições para a continuação das práticas criminosas que motivam as prisões; da falta de conformidade legal em relação aos bebês que vivem com suas mães no interior do cárcere à desatenção quanto às irregularidades no atendimento socioeducativo a indivíduos com idade inferior a 18 anos; dos desvios de conduta dos agentes carcerários ao cultivo de parcerias criminosas entre internos e representantes do Estado, passando pela superlotação, pelas falhas relativas ao acompanhamento das penas, pelas faltas tocantes às condições de trabalho dos profissionais que atuam nas estruturas penitenciárias, tudo isso e muito mais são fatos que são e têm precedentes na memória jornalística de nosso tempo.
As repetidas e variadas infrações dentro do ambiente prisional criam a imagem de que se trata de um espaço onde tudo é possível, justamente em um lugar institucional que tem, por natureza, a faculdade de restringir as possibilidades através do controle da liberdade. Parece que, em termos práticos, os muros da prisão têm permitido o cultivo da “lei do lugar” fora das leis em que ele se situa. Isolado, distante e escondido e, ao mesmo tempo, preterido socialmente, este pedaço de mundo assume uma perversa autonomia.
Vez por outra a perversão resvala para além dos muros e assume o formato de denúncia a respeito de práticas inadmissíveis aos parâmetros cultivados como legítimos em nossa cultura. Neste fim de setembro de 2011, uma adolescente de 14 anos relatou uma história cujo crédito social é possível porque há precedentes nos arquivos midiáticos e na memória da opinião pública. Ela e mais duas meninas teriam sido aliciadas por uma mulher, em uma praia que fica no distrito de Belém, no estado do Pará, e levadas para a Colônia Agrícola Heleno Fragoso, situada a 50 km da capital paraense. Vários jornais relatam que elas foram forçadas a fazer sexo com vários detentos até o dia em que a menina conseguiu fugir, pedir socorro e ser ouvida.
Foram obrigadas a usar drogas e a se embriagar. Foram espancadas e ela não sabe quantas vezes foi sexualmente violentada e por quantas pessoas. Eis em que se converteu a semiliberdade a que têm direito os internos da colônia.
Em 20 de setembro, as notícias deram conta de uma reação institucional cuja natureza política é evidente: o governo do Pará anunciou a exoneração do superintendente do sistema penitenciário do Estado. Tal decisão ocorreu depois da demissão do diretor do presídio e de mais 20 funcionários. Esse conjunto de procedimentos evidencia uma avaliação do governo paraense a propósito do peso (ou dano) que a incômoda notícia traz para a gestão. É dentro desta apreciação que são considerados os gestos políticos (que se apresentam com tons administrativos) a serem adotados a fim de minimizar os desgastes imagéticos sofridos com a exposição do caso.
Resta, entretanto, uma questão impossível de ser resolvida, porém muito séria no que tange à democracia em nosso País: se não houvesse tanta repercussão midiática, qual seria a disposição das autoridades diante do brado de uma adolescente pobre de 14 anos que narra uma história tão escabrosa? Qual seria o impacto de um grito tão desprovido de força?
Depois que o assunto se assenta sobre os espaços midiáticos, fica difícil imaginar como seria o andamento do caso se o mesmo não alcançasse êxito junto aos grandes meios de comunicação de massa do Brasil. Entretanto, já cabe anunciar uma sentença: quando a ocorrência for página virada, certamente, perderá a força simbólica que agora apresenta. O que será da corajosa garota que denunciou práticas tão incompatíveis com as garantias de proteção da criança e do adolescente? O que acontecerá com as práticas e praticantes denunciados? E, sobretudo, o que representará o prometido muro que cercará a colônia penal denunciada? É por falta de muro que a lei não é observada?
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