sábado, 18 de dezembro de 2010

FCCV - A SEPARAÇÃO DOS CORPOS: O CRIME NO ESPAÇO SOCIAL IMPRÓPRIO

FCCV - FORUM COMNUNITÁRIO DE COMBATE À VIOLÊNCIA - Salvador - Bahia - Brasil

Leitura de fatos violentos publicados na mídia
Ano 10, nº 44, 15/12/10
A SEPARAÇÃO DOS CORPOS: O CRIME NO ESPAÇO SOCIAL IMPRÓPRIO

“Estamos certos de que esse foi um episódio isolado, sendo uma instituição confessional e centenária, onde o ambiente sempre foi marcado pela harmonia, paz e fraternidade”.

Depois de ler o texto que abre essa leitura o receptor não tem outra saída que nãoa cogitação de uma quebra de ordem prática dos dizeres que estão afirmados na mensagem. Como conseqüência, produz-se a seguinte inquietação: em que consiste o episódio isolado?

A instituição confessional e centenária é o Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix, situada em uma nobre zona da capital mineira. Foi ali que, no dia sete de dezembro de 2010, um aluno matou, a facadas, um professor de Educação Física. Eis a resposta para a provável curiosidade gerada com a abertura desse texto. Tendo ultrapassado a devida explicação refletirei sobre o trecho que dá início a essa leitura.

Ao qualificar como “episódio isolado” a instituição sugere que o assunto seja tratado e percebido como algo que não pertence àquele Centro Universitário. Há, portanto, uma preocupação em desalojar, simbolicamente, a ocorrência da órbita da instituição, cujos valores anunciados se revelam contrários a quaisquer feitos violentos. Esta busca pela separação entre o “episódio” e o estabelecimento de ensino atende à imperiosa necessidade da ocorrência não afetar, negativamente, a imagem da organização.

É interessante notar que o fato da violência letal se verificar no interior da unidade de ensino, envolvendo um discente e um docente fica menor do que a qualificação do ambiente que é referido como “pautado pela harmonia, paz e fraternidade”. É com este escudo, que se torna espesso com o apelo ao caráter centenário da instituição, que o crime gravíssimo é sugerido como impróprio para aquela longa história, para aquela confissão, para aquele espaço simbólico. Neste sentido, pode-se sugerir que a verificação do caso naquele local consiste em uma violência contra a imagem institucional.

Diante deste ferimento, a instituição vem a público para dizer que o seu corpo e sua história não se misturam com as coisas que fogem ao seu padrão discursivo, dando a este padrão o sentido de superioridade sobre as práticas episódicas de violência.

Com esta estratégia, a organização coloca o seu discurso como um muro que a separa das inseguranças atuais e, assim, estabelece uma forma original de se distinguir dos casos concretos de violência.

A reação deste Centro Universitário não se constitui novidade. Há muito se observam várias formas de não reconhecimento da violência como problema de todos e de cada um de nós. Por mais perto que ela esteja há sempre uma solução simbólica a mobilizar palavras que funcionam como muros impermeáveis aos atos violentos. Por estes mecanismos “aqui” é sempre um lugar seguro e de paz, ao passo que “acolá” é o território de insegurança e de medo.

Com certeza, é hora de se refletir sobre os “episódios” destoantes das ordens discursivas cultivadas pelos respeitáveis e históricos estabelecimentos escolares e por muitas outras organizações que apresentam esta espécie de “salvo conduto absoluto” a propósito da violência. Não se enfrenta o problema lhe dando as costas e passando a palavra ao terreno baldio. E a morte de um professor por um aluno, em razão de uma reprovação não pode ter a sua gravidade desbotada por uma sorrateira exclusão de comprometimento da instituição de ensino que “hospedou” o evento.


Cabe recordar que enquanto as prestigiadas instituições atuam no sentido de desviar as práticas violentas perpetradas no interior de suas órbitas para dimensões exógenas, vão se acumulando evidências de que a sublime razão de ser destas organizações não tem sintonia com o seu próprio feitio corriqueiro, e o uso “episódico” dessas nobres razões se aproxima do curativo que ao cobrir a ferida não esconde o mal-estar.

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