sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

460 ANOS DA FESTA DE N.S. DA CONCEIÇÃO (3)

460 ANOS DA FESTA DE N.S. DA CONCEIÇÃO (3)

Vicente Deocleciano Moreira

(Nossa Senhora da Conceição)


Ao menos nos anos 40-50 (século XX), havia um modo muito interessante - e, diríamos hoje (2010) 'ecopolíticamente'' correto! - de festejar Nossa Senhora da Conceição da Praia: pais, mães, filhos saíam de suas casas em diversos bairos, manhã bem cedo, para comer frutas da estação (melancia, abacaxi, manga) no largo da Conceição da Praia,onde estavam barracas, barraqueiros, vendedores ambulantes de comidas e bebidas - ainda sem dormir desde noite da véspera da festa (dia 7 de dezembro). Estas famílias iam também à 'rampa do mercado'- cais onde atracavam saveiros recém-chegados da Ilha de Itaparica e de várias outras localidades da baía de todos os santos e do Recôncavo - para comprar peixe e frutos do mar frescos e, por causa da ausência de atravessadores, também baratos.

O hábito de comer frutas ao alvorecer do dia 8 de dezembro desapareceu tanto quanto os saveiros, ao longo das décadas; talvez (quem sabe?) possa retornar - modificados, evidentemente, pela mão da história e da mudança social. É que está agendado o tombamento dos saveiros (na condição de Patrimônio Material e Imaterial da Cultura Brasileira) com aprovação prevista para hoje (10 de dezembro),no Rio de Janeiro (Brasil), durante a reunião do Conslho Consultivo do Patrimônio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

Naqueles anos 40-50, dia e noite, o largo e as ruas da Conceição da Praia, enfeitados de bandeirolas, também testemunharam e serviram de palco às mais autênticas manifestações espontâneas da capoeira, samba-de-roda, maculelê ... ainda sem o olhar avassalador do Turismo. A noite aquecia e iluminava o movimento de vendedores e consumidores de cerveja, cachaça, bebidas de 'infusão' (com ervas, raízes, folhas sementes e serpentes), comidas típicas (caruru, mocotó, rabada, fato, moquecas, dobradinha ...).

A Conceição era, além da mais antiga festa religiosa e de largo do Brasil, a primeira e mais animada do ciclo baiano ... mas trazia algum imaginário da violência na cor e matizes histórico-sociológicas de então. Talvez sob o imperativo da imitação dos malandros e da vida boêmia do Rio de Janeiro (daqueles anos) corria a notícia, boca-a-boca, da presença de "desordeiros" armados de navalha e dispostos a brigar por qualquer motivo com quem quer que fosse. Porém esse improvável estigma era mais imaginário popular que realidade; imaginário esse reforçado pela proximidade com o "Cais Dourado" e a inevitável presença de marinheiros brasileiros e estrangeiros (franceses, americanos ...)sempre sedentos de mulheres que exerciam atividades nos prostíbulos existentes nas promidades. Cenário perfeito para brigas, disputas amorosas, desavenças de toda a ordem ... Exibições de valentia. Histórias de enlaces e desenlaces afetivos.

No cais dourado da velha Bahia
Onde estava o capoeira
A Iaiá também se via
Juntos na feira ou na romaria
No banho de cachoeira
E também na pescaria
Dançavam juntos
Em todo fandango e festinha
E no reisado
Contra mestre e pastorinha
Cantavam, iaiaralaiá, iaiá
Nas festas do alto do Cantuá
Mas loucamente
A Iaiá do cais dourado trocou seu amor
Ardente por um moço requintado
E foi-se embora
Passear de barco à vela
Desfilando em carruagem
Já não era mais aquela
E o capoeira
Que era valente chorou
Até que um dia a mulata
Lá no cais apareceu
Ao ver o seu capoeira
Pra ele logo correu
Pediu guarida
Mas o capoeira não deu
Desesperada
Caiu no mundo a vagar
E o capoeira
Caiu no mundo a vagar
Ficou com o seu povo a cantar...
Laiá, iaiá, iaiá iaiá
Laiá, iaiá, iaiá iaiá


("Iaiá do Cais Dourado" de Martinho da Vila e Rodolpho)



Some-se a tudo isto o fato de a Capoerira e os capoeiristas, do violão e dos tocadores de violão não merecerem, aos olhos dos baianos daqueles tempos, algo que pudesse ser chamado de alto prestígio social. Ao contrário, eram tidos como "malandros" músicos de violão, boêmios, capoeiristas e todos quanto andasse, pelas ruas, "em mangas de camisa" (ou seja, camisa de mangas curtas, sem o então obrigatório e apreciado uso do terno)

Como um São Francisco marinho, Yemanjá, Senhor do Bomfim e o mar da baía de todos santos estavam prenhe de alimentos que matavam a fome de tantos e incontáveis baianos.


Eu vim
Eu vim da Bahia cantar
Eu vim da Bahia contar
Tanta coisa bonita que tem
Na Bahia, que é meu lugar
Tem meu chão, tem meu céu, tem meu mar
A Bahia que vive pra dizer
Como é que se faz pra viver
Onde a gente não tem pra comer
Mas de fome não morre
Porque na Bahia tem mãe Iemanjá
De outro lado o Senhor do Bonfim
Que ajuda o baiano a viver
Pra cantar, pra sambar pra valer
Pra morrer de alegria
Na festa de rua, no samba de roda
Na noite de lua, no canto do mar
Eu vim da Bahia
Mas eu volto pra lá
Eu vim da Bahia
Mas sei que um dia eu volto pra lá.


("Eu Vim da Bahia" de Gilberto Gil)


Por sua vez, a festa da Conceição estava grávida das mais vivas manifestações culturais da baianidade das primeiras décadas do século passado.

Nossa Senhora da Conceição (ou da Concepção),a santa católica gestante do imaginário hagiográfico católico (apostólico romano) - como a sua correspondente Nossa Senhora do Ó - dava o tom e o começo das manifestações religiosas da baianidade dos anos 40-50 (séc. XX).

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