terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A CIDADE DO SOL, de Hosseini Kaled

HOSSEINI, Khaled. “A Cidade do Sol”. São Paulo, Nova Fronteira
2007 –

Elenilson Nascimento
Publicado no Recanto das Letras em 25/11/2008
Código do texto: T1302727

Eu não gosto muito de resenhar livros que estão sendo comentados exaustivamente só porque permanecem durante semanas nas listas dos “melhores” de revistas não muito confiáveis, tipo a elitista Veja. Porém, a minha última dica de literatura em 2007 é justamente um livro que todo mundo já comentou em 2007, menos eu. Uma dica que eu só faria em 2008, mas resolvi colocar agora (por causa dos pedidos de alguns, principalmente do meu amigo Leandro Ribeiro).

“A Cidade do Sol” do autor afegão Khaled Hosseini (mesmo autor do best-seller “O Caçador de Pipas”) é um livro literalmente visceral – em todos os sentidos – não porque todo mundo anda comentando, mesmo aqueles que só compraram livros para servirem como absorventes de sovaco, mesmo porque ele vai virar filme, mas porque o livro não é mais uma obra que conta histórias de homens e mulheres da terra dos talibãs – mesmo porque já fiz uma resenha esse ano de um outro igualmente visceral, “Queimada Viva” da Souad – embora possa realmente parecer à primeira vista.

O livro de Hosseini conta a história dramática de duas mulheres bem diferentes, Mariam e Laila, unidas num destino que elas não tiveram a chance de escolher. Duas mulheres vitimadas pela intolerância de um país atrasado, de um país com as suas tradições absurdamente distorcidas, de um país ferido pela guerra de homens inescrupulosos e mercenários – os mesmos que no último dia 27/12 assassinaram a corajosa ex-primeira ministra do Paquistão, Benazir Bhutto.

Mariam, por exemplo, filha ilegítima de um empresário endinheirado e dono de um cinema, viveu metade de sua vida num casebre isolado numa cidade próxima à fronteira com o Irã, quando Jalil, o seu próprio pai, a deu em casamento a Rashid, um sapateiro estúpido de 45 anos. Detalhe Mariam tinha apenas 15 anos quando foi obrigada a casar-se, pois era “uma mulher que pedia muito pouco da vida, que nunca incomodava ninguém e nunca deixava transparecer que ela também tinha tristezas”. O tal marido, um brutamonte ignorante, que antes mesmo do regime dos talibãs já obrigava a mulher a vestir a opressiva burca. A situação piora quando, depois de uma série de abortos, fica provado que Mariam jamais daria o sonhado herdeiro ao marido. Rashid passa a destratá-la e a espancá-la.

Paralelamente ao drama de Mariam, o autor narra a história de Laila, a esperta filha de um casal de classe média de Cabul (filha de um professor que sempre lhe dizia que “ela poderia ser tudo o que quisesse” e uma mãe ausente que vivia preocupada com os outros dois filhos que partiram para lutar contra os soviéticos e esquecerá que a menina precisava tanto de sua atenção quanto os rapazes).

E ao contrário de Mariam, Laila freqüentava à escola, inteligente, sonhava conhecer países distantes e com o seu amigo Tariq (aliás, o melhor persoagem de todo o livro – um garoto que perdeu uma das pernas quando pisou numa granada e passou a usar uma outra mecânica, um garoto que não tinha dores de cabeça, que, um dia, disse que, na Sibéria, as melecas viravam gelo antes de cair no chão), teve, apesar da miséria imposta pela guerra, uma infância bem interessante. Uma cena muito legal é quando Tariq defende Laila contra um garoto inconveniente usando a sua perna mecânica. Hilário!

Mas os sonhos de Laila são abreviados quando, aos 14 anos, sua casa é explodida por um foguete, em 1992, durante as guerras civis que dilaceraram o país. Seus pais morrem no bombardeio – e Laila ainda por cima estava grávida de Tariq, que se exilou com a família no Paquistão. Sem opções, ela acaba se tornando a segunda mulher de Rashid.

Com uma atenção exaustiva a esses detalhes cotidianos, o autor oferece um retrato realista da vida no Afeganistão ao longo das últimas décadas – um conturbado período que inclui a invasão soviética, guerras civis, o autoritário regime talibã e a ocupação americana. Despertada pelos eventos de 11 de setembro de 2001, a curiosidade ocidental pela realidade dos países islâmicos responde por parte do sucesso dos livros de Hosseini, pois a vida do povo em Cabul é mesmo uma coisa bastante exótica para os nossos padrões ocidentais. As vestes, a culinária (tem até referências de pepino cortado na jarra com iogurte diluído e salgado – não consigo me imaginar comendo isso!) e o comportamento dos personagens que é uma coisa curiosa, como o próprio Tariq falando pra Laila que via a própria vida como se fosse uma “corda apodrecida que arrebenta, se desfaz, com todos os fios se soltando”. Mas realmente “o tempo é o mais inclemente dos incêndios”.

Apesar de ser uma história demasiadamente sofredora, o livro é absurdamente poético: “Não se podem contar as luas que brilham em seus telhados, nem os mil sóis esplêndidos que se escondem por trás de seus muros”. Mas as vidas de Laila e Mariam acabariam se encontrando, a amizade que surgiria entre essas duas mulheres é o centro do romance. O final de “A Cidade do Sol”, porém, é ensolarado, esperançoso. O último capítulo do romance aposta no futuro do país. Com irresistível ingenuidade, o renascimento do Afeganistão é representado nas cápsulas vazias de mísseis – sobras da guerra civil – que os habitantes de Cabul transformaram em vasos de flores (lindo isso!). E no cinema que pode exibir Titanic livremente.

Em suma: a vida nesta “cidade do sol” é uma resposta “àqueles que se queixam demais”, uma história que envolve os leitores coma a força do desespero humano numa descrição poderosa e perturbadora da violência e da guerra, mas também é uma evocação da vida e da esperança dentro de cada um de nós. A única coisa que eu não gostei no livro foi a quantidade de termos do Afeganistão que mereceriam uma legenda com tradução. Algumas frases não consegui entender nada. >>> Visite: www.literaturaclandestina.blogspot.com

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2 comentários:

  1. Esse livro é um dos mais lindos que já li! Khaled Hosseini na minha opinião é um dos melhores escritores da atualidade. Com apenas dois livros já demonstrou seu grande talento e coração de ouro. Não sei se você já leu, mas se não, leia "O caçador de Pipas" é outro livro dele de emocionar!

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  2. Já lí "O caçador de pipas" - e o fiz antes de "A cidade do sol" - mas não ví o filme.

    Este Blog fica a dever uma postagem em torno de "O caçador ..."

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