domingo, 12 de dezembro de 2010

460 ANOS DA FESTA DE N.S. DA CONCEIÇÃO (4 - FINAL)

460 ANOS DA FESTA DE N.S. DA CONCEIÇÃO (4 - FINAL)

Vicente Deocleciano Moreira

É dispensável inisitir na informação sobre a fisionomia primitiva (1550 em diante)da igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia: uma pequena ermida feita de bairro (taipa) e teto de palha. Desde então, a igerja passa a receber alterações/interveções arquitetônicas de variada ordem .. até chegar à imponência que mantem ain da hoje (2010.

Fato curioso é o semivocativo da Praia para a santa. Em seus primeiros tempos (século XVI) ela esteve edificada realmente sobre a areia da praia. Os baianos fizeram recuar a praia, através de sucessivos aterros, aterros que terminaram por construir artificialmente o bairro do Comércio e, também, por facilitar ou tornar menos incômodo o acesso e as viagens à península de Itapagipe que stava - até então - isolada, de algum modo, do núcleo urbano em formação. A praia foi recuada e ficou mais e mais distante da igreja ... porém o título da Praia permanece até hoje.

Outro fato curioso é que muitos municípios baianos distantes quilômetros do mnar, cultuam Nossa Senhora da Conceição da Praia e até fazem festas e lavagens em sua honra.

A ancestralidade praieira da igreja e do orago ajudou, de algum modo - direta ou indiretamente -, a criar o topônimo popular "Ladeira da Preguiça" para a ladeira que ligava Cidade Baixa à Cidade Alta.
Enseada da Preguiça (primeira década do século XX) - Salvador - Bahia - Brasil. Observem o uso do palitó - geralmente de linho branco.

O mar quebrava na Enseada da Preguiça perto do primitivo adro da (então)pequena igreja; e não só isso: servia de ancoradouro improvisado para saveiros (e embarcações em geral) que traziam mercadorias, peixes, frutas das diversas localidades da Ilha de Itaparica e do Recôncavo. O movimento de sobe-e-desce a ladeira de pessoas e de animais e charretyes de carga e de entra-e-sai de fiéis da igreja ajudaram a criar uma pequena feira defronte do templo que sobreviveu contra todos os juízos estéticos dominantes até o século XIX: a "feirinha" (ou o "mercado") de peixe. Essas mercadorias eram carregadas pelos escravos que subiam a tal ladeira com pesos insuportáveis sobre os ombros, sobre a cabeça, inevitavelmente de modo lento, cansado, à semelhança de quem estava com preguiça; eles subiam de modo mais lento (mais "preguiçosdo"?) do que as demais pessoas que subiam sem peso algum. Por ironia ou por qualquer outra razão, a ladeira passou a ser chamada, pelo povo, de Ladeira da Preguiça.

Ladeira da Preguiça (primeira década do século XXI)

Essa ladeira
Que ladeira é essa?
Essa é a Ladeira da Preguiça


("Ladeira da Preguiça", de Gilberto Gil)


Sinceramente desconheço o topônimo oficial si ça existe da Ladeira da Preguiça. Sei que é uma ligação das mais primitivas e tradicionais entre Cidade Alta e Cidade Baixa; é anterior ao Elevador Lacerda, aos Planos Inclinados Gonçalves e do Pilar e ao Charriot do Taboão (faz tempo abandonado e sucateado. A ladeira é um acesso pitoresco à festa de Nossa Senhora da Conceição da Praia. Sobe-se devagar e desce-se correndo sob pressão de sua acentuada verticalidade.


Documentos oficiais do século XIX condenavam a "feiura" das barracas improvisadas por vendedores de peixe, de coentro, azeite de dendê, farinha de mandioca ... e sofriam com a vergonha "do que iriam pensar, de Salvador, os ingleses e outros estrangeiros que visitavam a cidade (?)

PRESIDÊNCIA DA PROVÍNCIA
MERCADO NA PRAINHA DO PEIXE – 1871

Tenho a honra de participar a V. Exa. que hoje assinei o contrato para a edificação do Novo Mercado da Prainha do Peixe com o Engenheiro Civil Hugh Wilson, que se deve achar pronto no final de dois anos; portanto desejo saber de V. Exa., se os terrenos da dita praça que foram requeridos no mês de Julho do ano próximo passado, tem sido desapropriados e se já estão disponíveis para se principiar as obras; ao contrário peço que V. Exa. Adiante tais desapropriações a fim de evitar maior demora.
Em breve tempo conto ter o prazer de convidar a V. Exa. para deitar a primeira pedra de uma obra que tanta utilidade promete ao povo desta capital.
Deus Guarde a V. Exa.
Bahia 30 de Maio 1871.



PRESIDÊNCIA DA PROVÍNCIA
MERCADO NA PRAINHA DO PEIXE – 1871

Bahia 4 de outubro de 1871 (cópía)

Tive a honra de assinar com V. Exa., na data de 30 de Maio próximo passado o contrato para a edificação do novo Mercado da Prainha do Peixe, incorporando como parte do dito contrato as cláusulas do contrato efetuado com o Governo Provincial de Dara de 29 de Dezembro de 1869 – cuja condição 2a. diz o seguinte:
“O Governo da Província obriga-se a entregar livre e desembaraçado de qualquer ônus o terreno da prainha do Peixe a Preguiça, o qual fica situado entre as casas novas dos herdeiros do finado Comendador Motta e o Arsenal da Marinha.” (...)


PRESIDÊNCIA DA PROVÍNCIA
MERCADO NA PRAINHA DO PEIXE – 1877

A Empresa Edificadora tendo levantado um importante edifício nas suas Marinhas ao Caes Dourado, com a denominação de Praça do Ouro; para nele estabelecer mercado de gêneros alimentícios, açougues e outros ramos de Comércio, a fim de que seja removido do Cais da Cidade baixa, onde tão triste espetáculo oferece aos viajantes, que diariamente aqui desembarcam de passagem nos vapores transatlânticos; não só pela falta de asseio, como pelo atropelo que causam, por ser o lugar onde descarregam e carregam os gêneros de Exportação e Importação e ser limitadíssimo o espaço para todos e ser no foco comercial a praça de gêneros alimentícios que não só a bem da salubridade pública como a bem da nossa civilização deve ser mudada daquele centro comercial pensam os Suppes terem construído um Edifício, talvez o mais importante da Bahia, que se presta às necessidades que acabam de apontar; tendo melhorado assim aquele bairro, porque, onde se acha hoje aquele importante Edifício, parte era um insalubre monturo, e parte foi conquistado ao mar; mas para que ela se torne mais importante e para que se possa alargar o acanhado bairro comercial é de grande necessidade e urgência a continuação da rua da Praça Riachuelo, até encontrar com a Praça do Ouro, conforme a planta que juntam, do que faz sem dúvida se prestarão todos os proprietários e aquele que não quiser, o fará a Empresa suplicante ficando-lhe pertencendo os terrenos, se o Governo não entender pô-los em concorrência pública; sendo os Becos e as travesias pagos pelo Governo são mais espaçosas ruas, onde se construirão grandes estabelecimentos comerciais e assim alargará a Área Comercial, do que o Governo tirará grande proveito assim; como desaparecerão essas legendárias pontes, que servem para a sua sombra ou com a escuridão da noite se esconderem os ladrões de mercadorias a bordo dos barcos e alvarengas, que continuadamente se estão dando no Porto; abrirá mais duas comunicações com o Pilar, hoje só feita pela estreita e tortuosa Rua do Julião, por onde passa uma linha de bondes e grande movimento de carroças com direção aos Trapiches, a Estrada de Ferro e bairros da Calçada, Bomfim e Solidade.
A V. Exa. que testemunhou o estado daquela localidade quando honrou o estabelecimento com sua visita, recorre a Empresa Edificadora animada pelo gênio empreendedor de V. Exa., que não será indiferente ao mais importante melhoramento, que reclama o Bairro Comercial, e animará o estabelecimento que deve mudar as condições desagradáveis deste importante bairro: mudando a feira da Rua mais importante e mais comercial desta Capital, que da forma que é feita parece mais uma aldeia do que uma das Cidades mais civilizadas e mais importante do Brasil, como V. Exa. já pessoalmente teve a ocasião de ver.
Bahia 30 de abri de 1877.


[Documentos citados por MOREIRA (2005)]

MOREIRA, Vicente Deocleciano – LAUDO ANTROPOLÓGICO DA FEIRA DE SÃO JOAQUIM – SALVADOR – BAHIA. Brasília – DF, República Federativa do Brasil, Ministério da Cultura, Fundação Cultural Palmares, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, janeiro de 2005.



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Outrora, no tempo em que Papai Noel tinha barba preta, quando Adão vendia cuzcus, quando - tempo da ingenuidade - se amarrava cachorro com linguiça, em tempos idos ou - como dizem os japoneses abrindo a narrativa de uma história antiga - no mukashi ... barracas não as havia apenas para a venda de bebidas e comidas. A festa era um raro momento devender de tudo, à semelhante de uma feira livre.

Festas de largo, em Salvador, sempre foram feiras de largo.

Na Conceição, era momento também de praticar tiro ao alvo (balas de festim), de laçar maços de cigarro com argolas coloridas de plástico, de montar na roda gigante, no chapéu mexicano, andar no "trem fantasma" que corria em túneis escuros e repletos de ameaçadores lobisomens, e esqueletos ameaçadores. Sem falar em "Monga" a mulher vítima de uma maldição (para de mãe) que a transformava em uma medonha mulher gorila.

O sol e a noite nasciam para todos, na festa ... reinventava-se espaços para que nada faltasse. Porém, os festeiros não dispunham,, ainda de sanitários químicos para a satisfação das necessidade fisiológicas. Homens urinavam soba a sombra e o esconderijo cúmplices concediidas por prédios e automóveis. Mulheres se agachavam, para urinar, no exíguo espaço entre carros estacionados,tendo sempre por perto algum homem (namorado, marido, amigo ...) que de costas para a mulher utilizava o próprio corpo como tapune, parede, para não expô-las aos olhares dos curiosos e passantes em geral.

O templo abrigava, fraternalmente, católicos e adeptos do Candomblé que rendiam homanegem respectivamente a Nossa Senhora da Conceição da Praia e a Oxum. Do templo vinham cânticos religiosos emocionados; da rua atabaques, timbaus, berimbaus, sambas, danças.

Apolo e Dionísio davam aulas magnas de respeito pelas diferenças e pelos diferentes.

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