CRÔNICA .. O DOMINGO DOS CATADORES DE PAPÉIS A CÉU FECHADO

CRÔNICA DOMINICAL DE 12 DE DEZEMBRO DE 2010

O DOMINGO DOS CATADORES DE PAPÉIS A CÉU FECHADO


Marcos Valerio Mercury


Angústia, solidão
Um triste adeus em cada mão
Lá vai, meu bloco vai
Só deste jeito é que ele sai
Na frente sigo eu
Levo um estandarte de um amor
Amor que se perdeu
No carnaval lá vai meu bloco
E lá vou eu também
Mais uma vez sem ter ninguém
No sábado e domingo
Segunda e terça-feira
E quarta feira vem
O ano inteiro é sempre assim
Por isso quando eu passar
Batam palmas para mim

Aplaudam quem sorrí
Trazendo lágrimas no olhar
Merece uma homenagem
Quem tem forças pra cantar
Tão grande é minha dor
Pede passagem quando sai
Comigo só
Lá vai meu bloco vai

("Bloco da Solidão" Edvaldo Gouveia / Jair Amorim)


Estou nomimando "Céu Fechado" por oposição ao termo "Céu Aberto" utilizado na crônica do domingo anterior.

O que é, pois, "Céu Fechado"? Quem são os catadores de papéis a Céu Fechado e como é o domingo dessas pessoas?

Estou chamando "Céu Fechado" o teto dos apartamentos ou das casas sob que vivem solitários intelectuais (professores, pesquisadores, conferencistas ...) a catar, dentro de seus armários, estantes e gavetas, papéis: provas e trabalhos em geral dos alunos, trabalhos de orientandos, livros, jornais, revistas, anotações pessoais, registros e planejamentos de aulas e palestras ... e coisas que o valha ... tudo isso em pleno domingo de sol ou de chuva; mas sempre aos domingos como se não bastara a labuta da segunda à sexta-feira ou ao sábado. Catam papéis de domingo a domingo.

São mulheres e homens que passam o domingo trabalhando mexendo, sem cansaço, em seus papéis. São pessoas sobre as quais se abate um forte sentimento de tristeza e de estar mergulhando de cabeça num vazio vulcânico ... quando chega o final da tarde do útlimo dia de trabalho. São quem que sonha que o sábado e, principalmente, o domingo passem depressa ... para que chegue - sem demora - a segunda-feira. Não são apenas viciada(o)s em trabalho; mais que isso ou além disso, são pessoas solitárias que trabalham no domingo para não mnrrer, no domingo, de tédio e de solidão e abandono, e de nostalgia dos 'dias úteis'. Às vezes, sentem-se inúteis; outras vezes, incompreendidos; algumas vezes, responsáveis pela salvação do Mundo pelo fim das desigualdades todas as desigualdades. São diferentes modos de agradar chefes (imaginários, mas tiranos) sem nome e sem rosto.

Lá fora, a alegria das crianças - e até de seus dispostos e sorridentes pais - nos parques de diversão ou nos shopping centers, as gargalhadas dos bebedores de bebidas bebendo e comendo de bem com a vida, o calor e sol nas praias suarentas e sumarentas ... os incomodam à distância anos-luz dalí, protegido(a)s que estão do assédio dessa "gentalha".

Todo esse mundo externo, luminoso e barulhento lhes alimenta, por alguns minutos, a sensação de superioridade pelo fato de seus reinos não serem destes mundos de "mediocridades", de "falsas alegrias" e gregarismo idiota.

Mas - diga-se - idiota,no sentido primitivo da expressão significa "a pessoa que só pensa em sí mesmo (e só vive para si mesmo)".


Vinicius de Moraes e Toquinho nele(a)s:


Quem de dentro de si não sai

Vai morrer sem amar ninguém

O dinheiro de quem não dá

É o trabalho de quem não tem

("Berimbau / Consolação" - Vinicius de Moraes e Toquinho)


Se sexta-feira, à tarde, à noite, é turva, domingo à tarde, após o almoço, às 14 horas, as trevas cobrem a face da terra. A solidão aperta. Enfadonhas catorze horas. Amargo na boca. A multidÃO anônima e sem rosto dos shopping centers não é soluçÂO, é apenas uma rima.

Não chega a ser uma má idéia ou um pecado mortal desejar dormir no início da tarde de domingo, às catorze horas, e só acordar na manhã de segunda ... louco(a) para trabalhar e para sorrir de felicidade, de superioridade e arrogância diante da gente ordinária que, príncipe no domingo, agora - segunda-feira - está no mesmo 'barco' plebeu que ele.


Vitória de Pirro(*). Sempre aos domingos.

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(*)
Pirro (318 a.C.-272 a.C.), foi rei de Épiro, antiga região da Grécia (atual Albânia) à beira do mar Jônio. Seu sonho, tão obstinado quanto quixotesco, era construir um império na Itália. A trajetória militar de Pirro é bastante controversa. Fala-se, inclusive, de uma guerra por ele ganha que deixou como saldo a morte de todos os inimigos e, também, de todos os soldados vencedores sob seu comando. Ele deixou à posteridade a expressão “Vitória de Piro”, ou seja, aquilo que se consegue a um custo infinitamente mais alto que as vantagens obtidas.