FCCV - Forum Comunitário de Combate à Violência
Salvador - Bahia - Brasil
Leitura de fatos violentos publicados na mídia
Ano 10, nº 43, 05/12/10
ALEMÃO: O COMPLEXO DO BOPE EM REVISTAS
Passe pelas bancas de revista no final de novembro de 2010. Faça caso das cores predominantes nas capas das publicações “gêmeas” Veja, Época e Istoé. Na predominância das cores preta, chumbo ou cinza, divise as manchetes principais. “Vamos vencer o crime”, garante a Época de 29 de novembro; “O dia em que o Brasil começou a vencer o crime”, registra a Veja de 1 de dezembro; “O Rio é maior que o crime”, vaticina a Istoé em 1 de dezembro.
Depois das manchetes, aproxime-se e leia as mensagens adicionais: “A guerra ainda não acabou. Mas a ação da polícia, com apoio da população, mostra que é possível livrar o Rio de Janeiro – e todo o Brasil – desta chaga” (Época). “Policial do Bope mobilizado com outros 21.000 homens, para a maior operação de combate ao tráfico já realizada no Rio” (Veja). A revista Istoé superou as concorrentes quanto a este item ao evitar a forma sintética: “O estado enfrenta com força inédita a escalada de atentados e mostra que a sociedade não se curva mais diante das ameaças do tráfico”; “Por dentro do QG da inteligência que orienta as operações policiais”; “Como a polícia pacificadora está vencendo a guerra nos morros e conquistando o apoio da população”; “O inimigo oculto no consumidor, que compra drogas e financia as quadrilhas”.
Mais do que notícias anunciadas nas primeiras páginas, esse “concerto midiático” avaliza as ações empreendidas pelo Estado e anuncia que no interior dos semanários há vibrantes e auspiciosas novidades sobre “o começo do mundo”, tão radicalmente distinto de um certo “fim de mundo” tantas vezes posto em manchetes de capa em referência a morros e favelas cariocas e de outras metrópoles nacionais.
Por estas vitrines jornalísticas não se pode cogitar dimensões ambíguas, em lugar disso, as exultantes capas parecem flâmulas a integrarem os êxitos das forças oficiais. Nesse sentido, é sugestiva a idéia da mídia como parte da operação de retomada do Estado, numa espécie de rendição midiática.
Diferentemente de outras capas dos mesmos semanários que se contrastaram quando do tratamento dado às disputas eleitorais, tem-se uma harmonia e uma atmosfera que evidencia julgamentos idênticos e favoráveis à ação governamental. Pode-se dizer, portanto, que nesta semana o Estado “retomou a mídia” no que se refere àquele quinhão temático que tem sido alvo de suas maiores baixas, ou seja, a violência e a insegurança nos grandes centros urbanos. Eis aí uma das “complexidades” da tomada do Complexo do Alemão.
Olhe novamente as capas e nelas se concentre nas imagens que dão suporte às mensagens textuais. São três maneiras de eleger uma única força como expressão da vitória do bem, do Estado, da paz. Na Época você vê, no centro de um fundo preto, o símbolo do BOPE com a sua indefectível caveira. Na Veja você enxerga, à frente de uma atmosfera tomada pela fumaça e com um detalhe de um resto de chama que representam um passado, há, como divisor de águas (e de páginas), um policial do BOPE. Ele traz uma arma que atravessa o seu tronco deixando à mostra insígnias afixadas por sobre o colete tão escuro quanto a cor da tinta que usa sobre a face séria, compenetrada e, tecnicamente, corajosa a mirar mais do que se possa ver. Na revista Istoé, o BOPE é o Cristo Redentor, devidamente trajado com o colete e exibindo, à maneira de faixa condecorativa, vários projéteis idênticos, ordenados e intactos.
Como é possível perceber, o concerto das capas elege um alvo para homenagear, mais do que para noticiar. As cores sérias prevalentes na superfície dão um tom grave ao assunto, mesmo diante do júbilo, e ofertam ao público um ente claro em que acreditar: o B.O.P.E.
As três “flâmulas”, mais que qualquer esforço explicitamente publicitário, colaboram para a consagração da idéia de que a vida recomeçou no Complexo do Alemão e que é tempo de BOPE. A esta altura já é hora de você tomar distância das revistas e se lembrar de ontem, de dias atrás, dos últimos anos para se perguntar se era isto o que faltava ou se isto encerra a garantia ou o selo de um começo de mundo para os nossos degradados fins de mundo.
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