FREVOS DO CARNAVAL DO RECIFE
(Recife - Pernambuco - Brasil)
Os muitos frevos do Carnaval do Recife
Leonardo Dantas Silva
Denominado inicialmente de “marcha” e, posteriormente, de “marcha-carnavalesca-pernambucana” e por alguns compositores até os nosso dias de “marcha-frevo”, a exemplo de Levino Ferreira e Edgard Moraes, o frevo como música tem suas origens nos repertórios das bandas militares e civis existentes no Recife no início da segunda metade do século XIX: A modinha, o maxixe, o tango brasileiro, a quadrilha e, mais particularmente, o dobrado e a polca marcha, combinaram-se, fundiram-se dando como resultado o frevo, ritmo popular ainda hoje em franca evolução rítmica e coreográfica.
Inicialmente a chamada marcha-carnavalesca-pernambucanapossuíam suas letras, a exemplo da Marcha nº 1, composta por Matias da Rocha e Joana Batista em 1909, bem como Eugênia, de autoria de Manuel Guimarães para o Carnaval de 1907, ambas pertencentes ao arquivo do Clube Carnavalesco Vassourinhas do Recife.
Se essa rua fosse minha
(BIS)
Eu mandava ladrilhar
Com pedrinhas de brilhante
Pra Vassourinhas passar
Somos nós os Vassourinhas
Todos nós em borbotão
Vamos varrer a cidade
Com cuidado e perfeição
Bem sabeis do compromisso
Que nos leva a fazer
De mostrar nossas insígnias
Nos anos 30, a fim de aumentar o apelo promocional dos discos de então, convencionou-se dividir o frevo em FREVO-DE-RUA (quando puramente instrumental), FREVO-CANÇÃO, (este derivado da ária, com uma introdução orquestral e andamento melódico, típico dos frevos de rua) e o FREVO-DE-BLOCO.
Este último é particularmente executado por orquestra de madeiras e cordas (pau e cordas, como são conhecidas), executando as mais tradicionais de marcha-de-bloco, entoadas por corais femininos, onde repousa a mais importante característica dos “Blocos Carnavalescos Mistos” do Recife.
Os nossos blocos carnavalescos são originados dos ranchos de reis e do pastoril. Saem às ruas, nos dias de carnaval, com suas orquestras formadas por violões, violinos, cavaquinhos, banjos, clarinetes, contrabaixos, percussão; aparecendo nos dias atuais alguns metais (tubas, saxofones, bombardino e trompetes) em face da necessidade de se fazer ouvir a orquestra, indispensável no acompanhamento do coro.
No Frevo de Bloco está a melhor parte da poesia do carnaval pernambucano, diante do misto da saudade e evocação que contém nas letras e nas melodias de grande parte de suas estrofes. Como Evocação, de Nelson Ferreira (1902-1976), que foi cantada de norte a sul no Carnaval de 1957:
Felinto, Pedro Salgado,
Guilherme, Fenelon...
Cadê teus blocos famosos?
Bloco das Flores,
Andaluzas, Pirilampos, Apôis Fum!
Dos carnavais saudosos?!
Ou como A Dor de uma Saudade, de Edgard Moraes, expressão maior do lirismo do Carnaval de 1961:
A dor de uma saudade
Vive sempre em meu coração
Ao relembrar alguém que partiu
Deixando uma recordação
Nunca mais...
Hão de voltar os tempos,
Felizes que passei em outros carnavais
Como o frevo-de-bloco, o frevo-canção também possui suas letras, que vêm logo a seguir da introdução orquestral. Tão velho quanto o frevo-de-rua, o frevo-canção é responsável pela grande animação dos salões e das multidões que acompanham às Freviocas durante os quatro, cinco e até dez dias de carnaval.
Os motivos das suas letras são os mais diversos, inclusive a própria animação do frevo, como bem afirmam Luiz Bandeira e Ernani Séve:
Êta frevo, bom danado!
Êta povo, animado!
Quando o frevo começa,
parece que o mundo já vai se acabar
Êh!
Quem cai no passo não quer mais parar.
E se a festa continua, o calor do salão faz relembrar o inesquecível Capiba:
Quando a vida é boa
Não precisa pressa
Até quarta-feira
A pisada é essa
E pra que vida melhor
Fale quem tiver boca
Eu nunca vi coisa assim
Ó que gente tão louca.
Eu quero ver, carvão queimar
Eu quero ver, queimar carvão.
Eu quero ver, daqui a pouco
Pegar fogo no salão!!!
O frevo-de-rua, por sua vez, muito embora seja uma constante em todos os salões durante os dias de carnaval, é feito para ser executado a céu aberto. Na rua, como a sua denominação está a exigir. Sua base melódica é responsável pela coreografia do passo e pela movimentação das multidões não só do Recife, como de Olinda e ou outras cidades pernambucanas.
Executado pelas orquestras dos clubes e das troças (um clube carnavalesco em menor dimensão que sai durante o dia), necessita na sua plenitude de uma verdadeira banda de música: Requinta em mi bemol; cinco clarinetas em si bemol; dois saxofones-altos em mi bemol; dois saxofones-tenor em si bemol; sete trompetes em si bemol; dez trompetes em dó; dois tubas em mi bemol; tuba em si bemol; bombardino em dó; caixa-clara; caixa-surda, pandeiro; reco-reco, ganzá, num total de 36 músicos que pode ser acrescido ou reduzido dentro das conveniências e posses do contratante.
O frevo-de-rua é composto de uma introdução de 16 compassos seguindo-se da chamada “resposta”, de igual número de compassos, que por sua vez antecede a segunda parte, que nem sempre é uma repetição da introdução.
Divide-se o frevo-de-rua, segundo terminologia usada entre músicos e compositores, em frevo-de-abafo (chamado também frevo-de-encontro) onde predominam as notas longas tocadas pelos metais, com a finalidade de diminuir a sonoridade da orquestra do clube rival; frevo-coqueiro, uma variante do primeiro formado por notas curtas e agudas, andamento rápido, distanciando-se, pela altura, do pentagrama; o frevo-ventania é de uma linha melódica bem movimentada, na qual predominam as palhetas na execução das semicolcheias, ficando numa tonalidade intermediária entre o grave e o agudo; o terceiro tipo, no qual trabalham os novos compositores, é o chamado frevo-de-salão que é um misto dos três anteriores. Como o próprio nome está a dizer, é justamente como o frevo-ventania, executado única e exclusivamente nos salões, por explorar muito pouco os metais da orquestra, em favor da predominância das palhetas
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Para o musicólogo Guerra Peixe, in Nova história da Música Popular Brasileira - Capiba Nélson Ferreira (Rio, 1978), é “o frevo [instrumental] a mais importante expressão musical popular, por um simples fato: é a única música popular que não admite o compositor de orelha. Isto é, não basta saber bater numa caixa de fósforos ou solfejar para compor um frevo. Antes de mais nada, o compositor de frevo tem de ser músico. Tem que entender de orquestração, principalmente. Pode até, não ser um orquestrador dos melhores, mas, ao compor, sabe o que cabe a cada seção instrumental de uma orquestra ou banda. Pode, inclusive, não ser perito em escrever pautas, mas, na hora de compor, ele sabe dizer ao técnico o que escreverá a pauta, o que ele quer que cada instrumento faça e em que momento. Se ele não tiver esta capacidade musical não será um compositor de frevo”
O frevo vem conquistando fronteiras, tentando integrar-se ao movimento de Música Popular Brasileira, sendo composto até por não pernambucanos, como Caetano Veloso, Moraes Moreira, Gilberto Gil, Edu Lobo, Chico Buarque de Holanda, Maranhão, dentre outros, para não falar na lista interminável de compositores naturais ou radicados em Pernambuco que fazem do Recife a Capital do Frevo.
Falando sobre esta expansão, Capiba (Lourenço da Fonseca Barbosa), um dos mais premiados e bem sucedidos compositores do carnaval pernambucano, assim se expressa:
Vivemos uma época de vibração e comunicação, e, sendo assim, nada melhor que o frevo para aproximar nossos irmãos. O frevo é o ritmo comunicativo, que nasceu do povo, para o povo; e é por isso que ele está aproximando todos os brasileiros numa só ‘onda’, num só ‘passo’ ao som do vibrante ritmo sincopado que nasceu em Pernambuco
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ROCHA, Matias da. Marcha nº 1 do Clube Carnavalesco Vassourinhas. Recife: Rozenblit, LP 90007. (Disco) A Marcha nº 1 do Clube dos Vassourinhas veio a ser, não somente o frevo instrumental mais executado do carnaval brasileiro, mas também a mais gravada música do Carnaval do Recife em discos 78 rpm: Frevo dos Vassourinhas nº 1. Severino Araújo e sua Orquestra Tabajaras (Continental nº 16120 A; matriz 2147), outubro 1950; Vassourinhas, Guerra Peixe e seus músicos (Chanceler nº 78-0387 A, matriz CBP-773), janeiro 1961; Vassourinhas, Orquestra Mocambo sob a direção de Nélson Ferreira, com variações a cargo de Felinho – Félix Lins de Albuquerque –, sax alto (matriz R-696), junho de 1956, Frevo dos Vassourinhas nº 1, Orquestra e coro do Clube Carnavalesco Misto Vassourinhas, regência de Clóvis Pereira (Repertório nº 9093, matriz R 285), dentre outras gravações não só em 78 rpm, mas também em long-play.
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RORIGUES, Edson Carlos. Abafo, ventania e coqueiro. In: SILVA, Leonardo Dantas. SOUTO-MAIOR, Mário. Antologia do Carnaval do Recife. Recife: Fundaj-Editora Massangana, 1991 p. 67-72
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CAPIBA (Lourenço da Fonseca Barbosa). In : contracapa do disco Frevo Alegria da Gente. Recife: Rozenblit LP 60.060 (disco).
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