segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

FCCV - CENÁRIO DE MORTE, LUGAR PARA ASSALTO

FCCV 

FORUM COMUNITÁRIO

 DE COMBATE

À VIOLÊNCIA

 

Salvador - Bahia - Brasil


Leitura de fatos violentos publicados na mídia 

 

Ano 11, nº 46,19/12/2011


 

CENÁRIO DE MORTE 
TORNADO LUGAR PARA ASSALTO

Dois de novembro é dia em que comemoram os mortos no Brasil. É quando a expressão co-memorar assume a dimensão literal, pois é cultivado o hábito de se lembrar de modo conjunto. Uma coletividade presta homenagens e exprime a saudade dos seus entes queridos. Cerimônias religiosas e visitas a cemitérios marcam a data.

A manutenção desta tradição revela o valor que cultivamos em relação à morte e, especialmente, àqueles que já se foram. Pode-se dizer que há distinções entre o modo de se conceber a finitude humana, mas, em geral, há um respeito especial em torno do assunto e das circunstâncias fúnebres. Com a morte não se brinca, não se zomba, não se joga.
É coisa séria e exige respeito, circunspecção, suspensão dos atos cotidianos e das atitudes mesquinhas. A morte pede elevação de espírito, especialmente quando dos atos de despedida dos falecidos.
Mas na noite do dia 29 para 30 de outubro de 2011, em Curitiba, um velório foi interrompido por ladrões que assaltaram as pessoas levando dinheiro e objetos. A ocorrência se deu na capela do Cemitério Municipal Santa Cândida, na capital paranaense. A insegurança impôs a suspensão do ritual. Como providências, os familiares pediram socorro à policia e o caixão foi levado de volta à funerária.
À semelhança das situações comuns, o filho do morto, José Mendes, se indignou com a falta de segurança, afirmando que “a gente paga uma taxa pela capela e não tem nenhum tipo de segurança lá dentro.”
Como é possível observar, em nosso contexto, a insegurança penetra todos os espaços. E a expectativa é de que os serviços de proteção se generalizem por todos os cantos. Cada vez mais é lamentada a falta daquele guarda e dos equipamentos de proteção que, hipoteticamente, poderiam conter a violência. 
As transgressões praticadas em espaços quase sagrados como escolas, hospitais, igrejas e cemitérios sugerem que o crime já não se contém ante as barreiras simbólicas, tomando áreas que estariam culturalmente impedidas de serem exploradas por práticas tão aviltantes. Ações desta natureza recomendam que sejam incrementadas análises a respeito das distâncias simbólicas estabelecidas entre o mundo do crime e o dos valores culturais cultivados pela ordem estabelecida. 
Qual é o valor que está sendo dado à morte? Especificamente, qual o valor que tem sido dado aos óbitos por causas violentas, que acometem, prioritariamente, indivíduos pobres, jovens, com pouca qualificação escolar e profissional? Que investimentos estão sendo feitos para superar a impunidade relativa a esses óbitos?
A impunidade e a morosidade do sistema de justiça criminal têm colaborado com este modo cada vez mais imoral de se transgredir. Ao lado destes fatores, a cultura criminosa tem apreciado os sinais de falta de retidão por parte de instituições e, provavelmente, estas falhas funcionem como elementos de absolvição de suas culpas, afinal, se os de lá de cima desrespeitam vivos e mortos...

Um último aspecto que pode ser incluído na reflexão diz respeito ao quanto a violação evidenciada pode indicar o quão os agressores se encontram expelidos da ordem estabelecida, e da sua distância a atacam como quem dela nada mais esperasse, nem mesmo uma morte digna.


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