quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

FOLHA DE S PAULO - A ALMA DAS CIDADES


Editorial - Folha de São Paulo

[jornal Folha de São Paulo, São Paulo (SP - Brasil), 25 de dezembro de 2011, p. A2] 




A alma das cidades


Como bem sabe qualquer turista, um dos
prazeres de conhecer as grandes cidades
do mundo está em simplesmente caminhar
sem destino fixo, deixando-se levar pelo
acaso das ruas.


A surpresa de encontrar uma praça 
escondida, de se deparar com um
ângulo insuspeito da paisagem urbana
, se soma à experiência de mergulhar 
no fluxo dos passantes, flagrando sua
diversidade no vaivém cotidiano.


Não são muitas as regiões de São Paulo
capazes de oferecer esse tipo de 
sensação. A cidade, notoriamente hostil 
ao pedestre, tende a estruturar-se 
 como um mosaico de destinos 
razoavelmente interessantes, 
todavia cercados de zonas mortas,
quando não perigosas.


Assim, o núcleo turístico criado em 
torno da Pinacoteca de São 
Paulo se encolhe nas imediações da 
cracolândia, e, na Cidade Jardim,
os esplendores de um shopping 
de luxo aterrissaram às margens
de uma via expressa.


A região da avenida Paulista e da 
rua Augusta é uma das poucas em 
que o pedestre, ainda mais se for 
turista, pode apreciar aquele 
meio termo entre a homogeneidade
e a diversidade, entre a segurança e
a surpresa, que faz a graça dos
locais mais visitados nas grandes
cidades do mundo.


Diante da notícia de que quatro 
shoppings serão construídos 
nessa área, é natural que os
especialistas se dividam. "O shopping
é anticidade", opina Álvaro Puntoni, 
professor da USP. Haveria mais
sentido, diz o planejador urbano 
Thiago Guimarães, se complexos 
comerciais fossem construídos fora do 
centro, redirecionando o trânsito e a
atividade econômica para áreas menos
congestionadas.


Não há incompatibilidade de princípio 
entre a existência de um shopping e
a vitalização das vias ao seu redor. 
É claro que um "bunker" comercial
, fechado para a rua, como é comum 
em São Paulo, constitui agressão à cidade.
Pequenos shoppings semiabertos, de que 
há exemplo aliás na região do Itaim, 
podem, entretanto, integrar-se à rua 
tradicional -e parece ser esta a intenção 
de alguns dos novos projetos da Paulista.


Mas é, sobretudo, a valorização da rua
que precisa se impor em São Paulo, 
com reformas de calçadas e enterramento
da fiação, como se fez, por exemplo, 
na Oscar Freire. Um caminho que também 
poderia ser tentado é inverso e simétrico
ao da construção de shoppings: ruas que, 
tendo ampla oferta de lojas e restaurantes, 
priorizem o pedestre. Servidas por bolsões 
de estacionamento, seriam como que shoppings
a céu aberto, ou, quem sabe, coisa melhor:
lugares de convívio urbano livre e democrático.


É só em ambientes assim, de delicada
ecologia econômica e social, que a alma 
das cidades sobrevive. 



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