quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

FCCV - CUIDAI DOS MENINOS QUE FOGEM, CIDADE!

FCCV 

 

FORUM COMUNITÁRIO

 DE COMBATE

À VIOLÊNCIA

 

Salvador - Bahia - Brasil


Leitura de fatos violentos 

 

publicados na mídia 

 

Ano 11, nº 44, 5/12/2011

CUIDAI 
DOS MENINOS 

QUE FOGEM,

CIDADE!

O jornal A Tarde de 27 de outubro de 2011 noticiou a história de um menino de 12 anos que fugiu de casa, mas voltou para a família depois de frustrada a sua vontade de chegar a São Paulo.

O caso tem alguns aspectos que lembram lendas infantis. “O garoto contou que queria ir para São Paulo e, para isso, ‘pegou carona’ na carroceria de um caminhão carregado de mamões. Viajou sob a lona, durante horas, sem que o motorista notasse, e se alimentou com dois dos frutos”. Mas quando sentiu mais fome aproveitou-se de uma parada do veículo em um posto de gasolina, saiu do seu esconderijo e aí foi descoberto, encerrando assim a sua viagem para a capital paulista. Foi acionado o Conselho Tutelar e a polícia, e providenciado o seu retorno da cidade de Estiva, em Minas Gerais, a Teixeira de Freitas, no extremo sul da Bahia. 
Não é a primeira vez que o menino foge e não cumpre a promessa feita aos familiares de não mais fazer essa travessura. Ele abandonou a escola na quarta série e, segundo seu tio, “a gente fala com ele para ficar em casa, estudar, mas não adianta, prefere perambular por aí”.
Morador do Castelinho, um bairro humilde de Teixeira de Freitas, o garoto parece desafiar as normas de proteção à infância que considera a família a instituição apropriada para oferecer as garantias aos infantes e também propugna como obrigatória a atenção escolar até o nono ano do ensino fundamental. O comportamento dessa criança coloca em questão as possibilidades concretas destas instituições (família e escola) darem conta do papel previsto pela legislação. A este propósito, a representante do Ministério Público opinou pelo retorno da criança à família “onde é o lugar dele, e vamos procurar dar alguma assistência”.  Lamentou, também, “que a ocorrência de casos como este seja comum na cidade”.
Esse caso permite reflexões entre as quais a seguinte: se muitas crianças de uma mesma cidade gostam de fugir de casa, seria interessante se perguntar sobre por que este espaço urbano apresenta propensão à fuga de suas crianças. O fato de se localizar à margem da BR 101, de ter uma população composta por indivíduos que têm origens diversas, de ser uma cidade muito próxima das divisas com dois estados (Minas Gerais e Espírito Santo), de ter parte de sua produção econômica destinada à exportação dão a Teixeira de Freitas uma feição de lugar de passagem, um espaço que se qualifica pelas suas conexões com o mundo. É uma espécie de lugar-metade cuja outra parte se divide em várias direções.
Ganhar o mundo, ser de outros portos, conhecer longas distâncias, ser viajante, pode ser parte da cultura daquela localidade.  Fazer-se mamão para ingressar nesta cidade viageira, alcançar o toque estrangeiro que vige em forma de falas, sotaques e papos relativos às experiências de vida dos moradores da cidade. Poder responder a uma pergunta básica, pronunciada com naturalidade nas mais comezinhas situações é sinal de pertencimento ao lugar. E a pergunta familiar àquele contexto é: de onde você veio?
Dizer “estou indo ou estou voltando” parece ser parte das trocas ordinárias em Teixeira de Freitas. Talvez o indivíduo que não tenha como preencher estas lacunas culturais se sinta em dívida para com a localidade. Afinal, a que serve uma estrada asfaltada, uma rodovia federal na porta de casa? O que significa assistir todos os dias ao trânsito das abóboras, dos mamões, das melancias e, sobretudo, dos eucaliptos, ficando à margem do intenso movimento desses produtos?
Esta “vida no acostamento” pode querer entrar na pista, experimentar a viagem tendo como destino, meramente, a longa distância. Talvez as crianças que fogem estejam dando sinais para se discutir a “família da cidade”, este lar que cultiva a urbe em forma de passagem.
Também caberia perguntar por que as crianças têm despertado o desejo tão imperativo de sair do seu lugar, que sonhos embalam essas criaturas que deixam casa e escola por um posto desconhecido e distante. Neste particular, a resposta não deve ficar restrita à biografia dos mirins que escapam, mas há de ser contemplada a inquietação relativa à mudança de origens que explicam a Teixeira de Freitas em forma de resultado. É deste espírito desbravador que é feita a cidade. E na cultura local, essa característica é dada como positiva, como motivo de orgulho e de peculiaridade.

O modelo não é puramente atrativo, há aqueles que ali estão e ali nasceram, mas não podem sentir a mobilidade que embala a cultura da cidade e, assim como velhos aventureiros, querem tentar a sorte na companhia dos produtos de exportação. É possível que muitas crianças sintam a vontade de correr o mundo para serem de Teixeira. Cabe à cidade o cuidado para não deixar as suas meninas e meninos à beira da estrada que a simboliza, pois dali tem surgido notícias, não apenas de um menino que se misturou a mamões para sair do lugar, mas também os casos de exploração sexual infantil e de outras ocorrências que atentam contra a dignidade dos infantes mais pobres da cidade.




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