terça-feira, 6 de dezembro de 2011

CULTURA URBANA E EDUCAÇÃO - ME/SED - BRASIL (3)

CULTURA URBANA E EDUCAÇÃO - ME/SED - BRASIL (3)

ISSN 1982 - 0283
Cultura urbana e educação
Ano XIX – Nº 5 – Maio/2009
Ministério da
Educação
Secretaria de Educação à Distância


TEXTOS DA SÉRIE CULTURA URBANA E EDUCAÇÃO



TEXTO 2
O conhecimento do território
CONHECER O TERRITÓRIO, VIVER A CULTURA
Jorge Luiz Barbosa1
INTRODUÇÃO
Colocar na pauta política – portanto na agenda pública da sociedade – a dimensão territorial da cultura significa, sem maiores detalhes, as­sumir o desafio de pensar e repensar as rela­ções humanas em configurações demarcadas e instituídas na realização dos sujeitos sociais. Isto nos conduz a chamar a atenção para as diferenças (e desigualdades) objetivas e sub­jetivas presentes no território, aqui entendido como recurso e abrigo de existências plurais. Abre-se, no plano da investigação crítica, um amplo caminho de investimentos de integra­ção, de trocas de experiências e de práticas solidárias para o devir da cultura como um campo de significação permanente da vida em sociedade.
A DIMENSÃO TERRITORIALDA CULTURA
Há uma dimensão da realização da vida em sociedade que nomeamos de território. Espaço-tempo demarcado pelas intenções e ações humanas, emergindo como recurso e abrigo que exterioriza existência individual e coletiva. O território significa a constitui­ção necessária de laços que se definem pela apropriação e uso das condições materiais, como também dos investimentos simbóli­cos, espirituais, estéticos e éticos que reve­lam a natureza social do demarcado. Como afirmam Bonnemaison e Cambrézy (1996), pertencemos a um território, guardamo-lo, habitamo-lo e impregnamo-nos dele. Essa re­lação dialética de ser e estar no mundo, con­ferida pelas territorialidades da existência, revela-se como historicidade concreta da cultura como diversidade de modos de vida. O território guarda, portanto, elementos mais recônditos do nosso ser e, ao mesmo tempo, contribui para exteriorizar os signifi­cados de uma dada sociedade.
No território estão presentes as cristalizações de símbolos, memórias e valores, que encar­nam o sentido primordial da cultura. Porém,
1 Professor Adjunto do Departamento de Geografia da Universidade Federal Fluminense. Coordenador do Observatório de Favelas.21
ele mesmo não pode ser interpretado como uma demarcação rígida e intransponível. O território também representa uma fronteira de comunicação de culturas, reclamando a presença do diferente como possibilidade de realização renovada de modos de vida, como patrimônio da diversidade.
Queremos chamar a atenção para o necessá­rio reconhecimento da importância da dife­rença no movimento de realização da cultu­ra. Nenhum modo de vida pode se afirmar, e simultaneamente re­novar suas tradições, sem a presença de outros modos de vida. Portanto, a diversida­de e a pluralidade são marcas essenciais da­quilo que chamamos de universo cultural e de toda a sua riqueza possível de desvendamento do que somos, onde estamos e para onde desejamos seguir.
Pensar a cultura como fluxo de (re)apro­priação permanente da vida proporciona o entendimento que a circularidade de co­nhecimentos, obras, práticas, técnicas e imaginários são indispensáveis para o en­riquecimento da vida social como herança e, sobretudo, como projeto, uma vez que a cultura é uma construção que permite aos seres humanos projetarem-se na direção do futuro. Isto significa afirmar que a recusa social do diferente – substanciada e instru­mentalizada com a criação de territórios protegidos por muralhas erguidas contra tudo que é considerado ignoto e/ou estran­geiro – implica a redução da cultura a uma padronização discricionária e à replicação meramente consumista.
Por outro lado, esses mesmos referenciais de produção da cul­tura encontram sua morada no território, como extensão desses mesmos valores, memórias e tra­dições criadas em sociedade.
Portanto, há uma co-habitação de signos, de práticas e de sujeitos sociais, no tempo/espaço demarcado em função de concepções, saberes e fazeres. Isto não significa dizer que o território é o abri­go categórico ou uma entidade estanque de uma subjetivação fechada em si mesma. O ter­ritório é um conjunto complexo de vivências, percepções e concepções de sujeitos sociais que se projetam sobre a sociedade como um todo, criando enlaces de pertencimento socio­cultural.

O território também representa uma fronteira de comunicação de culturas, reclamando a presença do diferente como possibilidade de realização renovada de modos de vida, como patrimônio da diversidade.22

Para tanto, o uso compartilhado do ter­ritório se torna fundamental, uma vez que significa uma mediação entre o eu e o nós. Trata-se de ordenação de forças e modos existenciais que se remetem aos atributos que lhes são comuns e não co­muns, constituindo relações que privi­legiam mediações e agenciamentos de comunicação. Desse modo, definimos valores, estabelecemos juízos, elegemos referências, construímos hábitos e insti­tuímos narrativas que, no seu amálgama humano, nos conferem o sentimento de pertencimento na diversidade do existir e viver no mundo.
A dimensão territorial da cultura conduz ao encontro, à interseção e à mobilização da trocas como possibilidade de construção e afirmação de enlaces sociais. Assim, viver a cultura na sua dimensão territorial não se refere exclusivamente à fixidez e à estabili­dade de práticas, o que denotaria uma con­cepção pragmática, narcísica e homogenei­zante da cultura.
Em outros termos, a relação pertencer/aqui­lo que nos pertence é fundamental na cons­trução da cultura como herança e projeto, pois encaminha práticas de aproximação entre o Mesmo e o Outro. Inscreve-se nesse debate a qualidade da criação cultural, sua potência afirmativa de sociabilidades gene­rosas e sua virtualidade cognitiva da realida­de em que vivemos.
A CULTURA COMO DIVERSIDADE DE SIGNOS IMPRESSOS NOTERRITÓRIO
A cultura é sempre diversa, dinâmica e plu­ral. Multiplicam-se pela cidade os signos im­pressos nas falas, nos gestos, nas roupas, na música, na dança. Eles reportam às moradas dos grupos sociais e, consequentemente, à condição de cada um na sociedade.
Porém, isso tem significado, em larga medi­da, posições de privilégio ou não na escala de valores e práticas hegemônicas no espa­ço metropolitano. Resulta desse processo a distinção de territórios que, por sua vez, re­duzem e / ou confinam as possibilidades de trocas simbólicas e culturais.
Romper com essa redução sociocultural dos territórios significa o reconhecimento da legitimidade da presença do Outro, da sua atividade criativa e do direito de manifestar as leituras do seu mundo.
Valorizar e respeitar a diversidade de mani­festações culturais e artísticas é um ato pri­mordial de construção de uma sociabilidade renovada. Consolida-se com essa perspecti­va, como efeito, a ampliação da circularida­de de imaginários, de obras, de bens e práti­cas culturais no tempo/espaço da sociedade. Afinal, a cultura se torna mais rica quando expandimos as nossas trocas de imaginá­rios, de saberes, de fazeres e convivências:
“A riqueza de formas das culturas e suas relações falam bem de perto a cada um de nós, já que nos convidam a que nos vejamos como seres sociais, nos fazem pensar a natureza dos todos sociais de que fazemos parte, nos fazem indagar das razões da realidade social de que partilhamos e das forças que as mantêm e a transformam” (SANTOS, 1994, p. 9).
A cultura é uma das dimensões na qual o homem encontra o mundo e se vê. Essa pos­sibilidade cognitiva das formas da cultura está intimamente associada às condições da pluralidade de suas inscrições territo­riais. Não há dúvida de que ainda pode­mos identificar manifestações culturais que remontam a diferentes épocas e se fazem representativas da acumulação de experi­ências humanas. Isto significa a criação de linguagens particulares de rememoração e atualização de acontecimentos, ideias, crenças, mitos, práticas, artefatos, costu­mes, hábitos; são falas dos territórios que costuram o tecido denso do existir dos se­res humanos e permitem que nos vejamos como fazendo parte de uma complexa rede de sociabilidades.
Esse debate nos remete à necessária supe­ração das desigualdades sociais, pois estas não dizem respeito exclusivamente aos as­pectos econômicos: distribuição de renda, emprego, consumo. Elas estão expressas em outras condições de existência social: na escolarização, na habitação, na saúde e no acesso aos bens e equipamentos culturais.
A distribuição espacial de equipamentos e bens culturais na cidade do Rio de Janeiro é um forte retrato das desigualdades sociais. Há uma forte concentração de teatros, cine­mas e espaços culturais no centro da cidade e nos bairros da Zona Sul. Entretanto, nas grandes favelas cariocas – Maré, Alemão, Rocinha – não encontramos nenhum inves­timento público de porte no âmbito da arte e da cultura.
Estamos diante do debate que diz respeito à necessária inflexão territorial das políti­cas públicas, pois é impossível conceber e aceitar a concentração desmedida na distri­buição de bens e equipamentos culturais, especialmente os criados pelo poder públi­co. Então, são urgentes e inadiáveis investi­mentos diretos nos espaços populares. Fa­velas e periferias reúnem cidadãos e cidadãs que não podem permanecer sem espaços culturais como cinemas, teatros e casas de cultura. Tais investimentos seriam de extre­ma importância em termos educacionais, artísticos, sociais e, inclusive, no tocante à segurança pública, pois podem significar transformações nas condições de existência não só das comunidades populares, como também dos demais bairros vizinhos.
Por outro lado, são muitos os projetos que aportam nas favelas carregados de preconceitos, os mais recorrentes são os que pre­tendem tirarovens do domínio do tráfico de drogas, como se todos os jovens fossem potencialmente violentos e criminosos. Pro­jetos dessa natureza não possuem um bom começo, pois já partem de estigmas em re­lação às crianças e aos jovens das favelas.
Na contracorrente desses projetos estigma­tizantes, aparecem experiências de diversos grupos que enfatizam o protagonismo dos jovens. Através de cursos, seminários e ofi­cinas de arte e cultura, os jovens são orien­tados e estimulados a criar suas representa­ções de mundo e de si mesmos. Tornam-se autores de seus signos e significados. En­tram na cena como atores de suas vidas e não como encenados de olhares distantes e distanciados do seu mundo.
É preciso reconhecer que a cidade é produ­to da diversidade da vida social, cultural e pessoal. Isto significa dizer que a cidade deve ser pensada, tratada e vivida como um bem público comum, e não como um espaço de desigualdades. A cidade é o en­contro dos diferentes. A cidade é a expres­são da pluralidade de vivências culturais, afetivas e existenciais. Por outro lado, a padronização cultural da vida rouba da cidade a criatividade necessária para in­ventar a alegria e a felicidade, enquanto a homogeneização das práticas sociocultu­rais enfraquece o significado do conviver e do aprender com a presença do outro. Isto significa dizer, portanto, que é preci­so reconstruir a vida da cidade pelo reco­nhecimento da diversidade cultural como um valor da existência.
CONCLUINDO
A democratização plena de uma sociedade se faz com o entrecruzamento de diferentes expressões e experiências culturais. Pressu­põe, portanto, encontros de sociabilidades, conhecimentos recíprocos dos modos de vi­ver e respeito aos estilos existenciais que se realizam nos territórios múltiplos que coe­xistem nas sociedades urbanas da contem­poraneidade.
Isto implica (re)conhecer territórios de per­tencimentos que inventam fluxos de ruptu­ra com a banalização do cotidiano. Valori­zar a diversidade como princípio de nossa formação cultural é, sem dúvida, promover encontros entre distantes/diferentes como possibilidade de tessitura de estéticas inova­doras e transformadoras.
Desse modo, conhecer o território é reco­nhecer a complexidade do mundo. É cons­truir um mapa sensível de nossas existên­cias. Há, portanto, um significado político nesse movimento proposto, uma vez que se coloca em pauta a invenção de uma geo­grafia de registros e trocas comunicativas para experienciar a cultura no acontecer da vida.

BIBLIOGRAFIA
BONNEMAISON, J. e CAMBRÉZY,L. Le lien terri­torial: entre frontiéres et identités. Géographies et Cultures, nº 20, Paris, L’Harmattan, 1986.
CLAVAL, P. A Geografia Cultural. Florianópo­lis: Ed. da UFSC, 1999.
LÉVI-STRAUSS, C. L’Identité. Paris: PUF, 1977.
SANTOS, José Luiz. O que é cultura. São Pau­lo: Brasiliense, 1994.
SANTOS, Milton. O território e o dinheiro. In: Território, Territórios. Niterói: PPGEO / AGB, 2002.
SENNETT, R. O declínio do homem público. São Paulo: Cia. das Letras, 1993.

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