CULTURA URBANA E EDUCAÇÃO - ME/SED - BRASIL (4 - FINAL)
ISSN 1982 - 0283
Cultura urbana e educação
Ano XIX – Nº 5 – Maio/2009
Ministério da
Educação
Secretaria de Educação à Distância
TEXTOS DA SÉRIE CULTURA URBANA E EDUCAÇÃO
Práticas inovadoras
NOVAS PRÁTICAS
Marcus Faustini1
Uma mãe voluntária dentro de uma escola tem a tarefa de colocar as crianças para tomar banho no intervalo entre um turno e outro. Diante da constante resistência das crianças em tomar banho, ela começa a pensar no que fazer para aqueles “moleques gostarem de se limpar”. Começa a perceber que as crianças gostam de cantar funk improvisado e cria “a hora do funk no chuveiro”. A partir desse dia, a hora do banho passa a ser disputada por todos.
A pequena história acima pode parecer anedótica para alguns e até mesmo antipedagógica para outros. O fato é que ela demonstra uma bela estratégia estética e afetiva construída por essa mãe voluntária dentro do espaço-tempo da escola. Por outro lado, para percepção de quem busca novas práticas pedagógicas, salta aos olhos a perspicácia da mãe que uniu afeto e incorporação do imaginário das crianças para realizar a sua tarefa. Podemos nos arriscar e dizer que isto só foi possível porque ela é uma mãe voluntária e, desta maneira, acreditamos que qualquer construção de novas práticas dentro da escola, antes de inventar novos sistemas, deve garantir a presença de atores sociais diversos dentro do espaço escolar.
Nenhuma nova prática nasce sem a cultura da diversidade, sem a garantia diária, através de práticas, de que essa diversidade não será tida como um corpo estranho ou extraordinário, até mesmo na grade curricular. A estratégia desta mãe não pode ser vista como jocosa, singular e extraordinária. Ela só foi possível pela repetição da tarefa que lhe foi dada. Garantir o direito à repetição da presença diária desses diversos atores sociais dentro da escola e superar a eventualidade da presença comunitária são os caminhos para se criar o sentido de inovação. Não adianta convidar a comunidade para jornadas de sábados ou datas comemorativas escolares, se essa comunidade não for estruturante para as estratégias cotidianas de relacionamento, conhecimento e expressão estética da escola.
1 Secretário de Cultura do Município de Nova Iguaçu, no Estado do Rio de Janeiro.27
O curioso é que essa defesa cabe em vários discursos já existentes e que são defendidos com inflexão militante por muitos intelectuais e agentes corporativos. Mas isso não tem sido suficiente para garantir a ampliação do universo da escola. Para que isso aconteça, é preciso empoderar a comunidade e esses atores sociais diversos nas decisões da escola. Novas práticas são a invenção de poder. Então, para que elas existam é preciso criar um ambiente democrático, de prática republicana, que seja capaz até mesmo de exprimir as diversas estratégias simbólicas presentes dentro e no entorno da escola.
Se acreditarmos que a escola é o primeiro lugar onde podemos experimentar o mundo, como isso será possível se dentro da escola não existir a diversidade do mundo? Até então, essa diversidade do mundo só está presente dentro da escola através de ilustrações que o conteúdo escolar difunde. O conteúdo deve ser tratado como um objeto que pode ser montado/desmontado por todos. Dessa maneira, ele será percebido como uma linguagem que produz sentido sobre o mundo.
A combinação de diversos atores sociais com a experimentação das linguagens e conteúdos pode criar um ambiente favorável a novas práticas. Além disso, pode estimular para que os agentes pedagógicos tradicionais da escola se manifestem também como atores sociais e não apenas como elementos da “máquina de ensinar”. O professor precisa deixar de ser o centro do poder dentro da sala de aula, e tornar-se um mediador de experimentação do mundo. Isso traz a possibilidade de esse agente poder se apresentar com sua identidade e estratégias individuais, no mesmo nível da mãe que criou a “hora do funk no chuveiro”. É a valorização da singularidade de cada professor, pois quando o colocamos como mediador, ele pessoaliza o seu processo e tem a possibilidade de se relacionar com os outros atores sociais, também como indivíduo, e não mais como coletivos (grupo de aluno, grupo de pais, etc.). Acreditamos que, com essas estratégias, a experimentação será não só oportuna, mas necessária para escola. Assim como a própria presença da comunidade com sua criatividade territorial determinará o ambiente para novas práticas, para a inovação.
Se acreditarmos que a escola é o primeiro lugar onde podemos experimentar o mundo, como isso será possível se dentro da escola não existir a diversidade do mundo?28
Qualquer outra tentativa que apenas aponte para efeitos organizacionais ou de dinâmicas pode não ser suficiente para garantir essas novas práticas. Não é suficiente chamar “os meninos do hip-hop” para apresentações em datas festivas da escola se esse universo não estiver inserido estruturalmente no conteúdo da escola. Entretanto, ele não pode ser usado apenas como uma ilustração do conteúdo. O estudo da linguagem, da organização e da estética dessa manifestação, por exemplo, deve ser tão importante como o estudo do descobrimento do Brasil. Isso é central não apenas pelo alcance do hip-hop, do cordel ou de outra manifestação eleita como mediadora. O estudo da estética será determinante para uma escola que tenha a inovação como meta. A dimensão da expressão e da linguagem é decisiva para a construção de uma ética que aceite a diversidade de atores sociais, crenças e modos de viver. A mãe, do nosso exemplo inicial, é ainda apenas um caso raro e funcional, assim como devemos ter muitos outros pelo país dentro das escolas e comunidades. Precisamos ter a coragem de ampliar as possibilidades de esses casos acontecerem.29
Presidência da República
Ministério da Educação
Secretaria de Educação a Distância
Direção de Produção de Conteúdos e Formação em Educação a Distância
TV ESCOLA/ SALTO PARA O FUTURO
Coordenação-geral da TV Escola
Érico da Silveira
Coordenação Pedagógica
Maria Carolina Machado Mello de Sousa
Supervisão Pedagógica
Rosa Helena Mendonça
Acompanhamento Pedagógico
Carla Ramos
Coordenação de Utilização e Avaliação
Mônica Mufarrej
Fernanda Braga
Copidesque e Revisão
Magda Frediani Martins
Diagramação e Editoração
Equipe do Núcleo de Produção Gráfica de Mídia Impressa – TV Brasil
Gerência de Criação e Produção de Arte
Consultor especialmente convidado
Ecio Salles
E-mail: salto@mec.gov.br
Home page: www.tvbrasil.org.br/salto
Rua da Relação, 18, 4o andar – Centro.
CEP: 20231-110 – Rio de Janeiro (RJ)
Maio de 2009
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